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Publicado a: 10/04/2017

DJ Zacatraca: “O futuro não sei o que guarda. Agora vou aproveitar o facto de me ter reencontrado com a música e qualquer coisa que for fazendo darei ao meu primo para ele meter na Internet.”

Publicado a: 10/04/2017

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Direitos Reservados

DJ Zacatraca editou o seu primeiro EP. Geminus Dancing EN-111 é uma ode a um mítico e místico espaço de diversão nocturna sob a forma de 4 produções de house music.

O produtor de Sandelgas, perto de Coimbra, é uma nova, e velha, cara a surgir no espectro da electrónica nacional. Embora tenha começado a fazer música ainda antes do virar do milénio, a carreira de Zacatraca nunca chegou sequer a existir. A culpa, segundo o artista, deve-se a uma gravidez indesejada que teve de assumir, colocando de lado o seu sonho artístico de vingar no mundo da música enquanto produtor. Quase duas décadas depois, é com a ajuda de um primo mais novo que começa a recuperar o seu próprio material para o disponibilizar e comercializar através da internet.

Gemini Dancing EN-111 é a prova de que nunca é tarde para colocar em prática um sonho. E embora Zacatraca possa nunca vir a ser uma super-estrela da electrónica, basta-lhe que consiga, pelo menos, pagar as contas da EDP com a música que agora edita. As primeiras faixas chegaram durante o ano passado e, já em 2017, deu entrada na última compilação da Extended Records antes de editar o primeiro EP de forma independente.

Em conversa com o Rimas e Batidas, o produtor fala da sua experiência precoce no já encerrado Gemini Dancing e da forma arrojada com que aborda os samples que usa nos seus temas.

 


Em que sentido a Geminus Dancing influenciou este teu EP?

Para mim e para qualquer pessoa que tenha crescido na zona do Baixo Mondego, entre os anos 80 e 90, a Geminus Dancing sempre se revestiu de um enorme mistério envolvido numa núvem de transgressão. É um edifício colorido (já foi amarelo e agora é cor-de-rosa sujo) que, inevitavelmente, captura a nossa atenção à beira da EN-111. Para quem não sabe, fica no caminho para ir para a praia se morarem entre a Cidreira e Sandelgas, e a caminho de Coimbra para quem é de Sandelgas até à Figueira da Foz. É um marco. A parte do mistério tem a ver com a natureza do modelo de negócio de noite e com os rumores de se poderem ver mamas à mostra lá dentro.

Neste momento, a Geminus está encerrada, mas posso-te contar a história da minha visita a esse espaço, não tinha eu mais de 18 anos. Eu sei que não pediste, mas cá vai.

Estava com dois amigos meus, numa noite de verão meio aborrecida e o Matoso, um café em S.Silvestre onde estávamos nessa noite, ia fechar. Como não estávamos prontos para ir para casa e cada um de nós tinha 10€, decidimos, finalmente ir conhecer esse local mítico. Não sabíamos o que iríamos encontrar, porque geralmente não se contam histórias da Geminus, e isso deixava-nos ansiosos. Chegámos ao local, batemos à porta, abriu-se uma viseira e um senhor pequenino, de bigode e vestido com indumentária de garçom, disse “Olhem que são 10€ de consumo mínimo.” Perfeito. Entrámos.

Lá dentro, encontrámos um ambiente a meia luz com sombras estratégicas e gente ainda mais estrategicamente posicionada sob essas sombras, música ligeira esquecível, um névoa de fumo subtil e sofás feios estampados com motivos florais meio estilizados. No centro havia um pequeno palco de mármore com um varão – íamos ver mamas ao léu na Geminus. Sentámo-nos numa pequena cabine de sofás para quatro pessoas, pedimos uma mini cada um a 5€ cada e, completamente alheios a qualquer tipo de protocolo deste tipo de espaços, chegam três senhoras para acompanhar cada um de nós. Foi desconfortável. Por um lado, não estávamos preparados nem tínhamos interesse em interagir e, por outro lado, já só tínhamos 5€ cada, portanto qualquer tentativa de extorsão de uma garrafa de champanhe estava morta à nascença. A nós incomodava estarem ali aquelas senhoras a esforçarem-se para nada. Para além disso, uma delas tentou dar a mão a um dos meus amigos, o que foi estranho, e outra disse-me que era do Brasil, mas depois confessou que era da Figueira da Foz quando se cansou de fazer sotaque. Dissemos que tínhamos muita pena, mas estávamos ali com o dinheiro contado e só para ver. Depois de sermos espremidos até ao último tostão que não tínhamos, vimos uma senhora de meia-idade fazer striptease fraco, ainda que esforçado, ao som de “Take My Breath Away” dos Berlin. Voltámos para casa com o sentimento agridoce de mistério resolvido, mas magia perdida.

Este disco é sob várias maneiras, a tentativa de recuperar uma magia que eu julgava perdida. Depois de ser pai e começar a trabalhar na Fapricela, nunca pensei em voltar a interessar-me por música, mas o meu primo encorajou-me a terminar estes temas. Durante o período de revisitação do que ficou para trás veio também a nostalgia, por isso, Geminus Dancing EN-111.

Quem quiser ver como é a Geminus Dancing, pode ver este vídeo clip com a Raquel Ralha (que é muito boa artista, mas é pena ser do Campone) a cantar lá dentro. Eu não sabia que este videoclipe existia, mas mandaram-mo hoje e vale a pena.

 



O teu som, embora contenha óbvias características do house dos anos 90, vem embrulhado numa edição e mistura muito fieis à qualidade que se pretende hoje em dia. Como é para ti recuar tão atrás no tempo para oferecer ao público algo que ainda nos pode soar a actual?

A edição deixo a cargo do meu primo. Ele mete as músicas na internet, faz sites e essas coisas. Já em relação à mistura, o facto de revisitar estes projectos com a ajuda dele, deu para afinar alguns aspectos técnicos. Para mim, recuar no tempo para oferecer este disco ao público é como o Van Damme a lembrar-se do treino com o mestre quando, no Bloodsport, ele fica todo ceguinho devido ao Chong Li lhe ter atirado com aspirinas esmagadas para a vista. Acho que há muitas similaridades. Primeiro fico um bocado assustado, mas depois concentro-me, trabalho no que está para trás e deixo a coisa fluir.

Vais continuar a diggar no teu próprio arquivo para editar novo material, ou há ainda espaço para dar novamente asas ao DJ Zacatraca para que possa trabalhar em novos temas?

Para já, tenho mantido aquilo que o meu primo já me disse para eu descrever como “inconsistência conceptual”. As quatro faixas do Geminus Dancing EN-111 fazem sentido todas juntas, por isso faz sentido lançar como EP. Há depois uma série de temas que vão do techno, a pop acid baile funk, a edits de Abba e Jafumega, a sei lá eu o quê, que eu vou recuperando ou fazendo de novo e que o meu primo faz o favor de meter na Internet.

Há umas semanas o meu primo disse-me que um gajo chamado Joy Orbison fez um tema com um beat quase igual a um que eu já tinha feito anteriormente. Até aí tudo bem, porque usar o mesmo sample pode acontecer, a diferença é que eu tive tomates para samplar Enya e ele não.

O futuro não sei o que guarda. Agora vou aproveitar o facto de me ter reencontrado com a música e qualquer coisa que for fazendo darei ao meu primo para ele meter na Internet.

 


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