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Fotografia: Ana Viotti
Publicado a: 15/09/2021

Afro-flamenco é a próxima tendência?

De Cádiz a Lisboa. Da pressão nasce um novo balanço para ver no MIL 2021

Fotografia: Ana Viotti
Publicado a: 15/09/2021

Quem acredita que a pressão é inimiga da perfeição, desengane-se. Sem ela não existiria carvão, petróleo e — quando a coisa corre mesmo bem — diamantes. Mas o princípio aplica-se à música? O que ouvimos no ensaio geral de Pedro da Linha e Álvaro Romero sugere que sim. Depois de uma curta residência artística de cinco dias (conheceram-se na quarta-feira passada, dia 8), o duo foi capaz de compor sete temas que vai mostrar ao público no dia 16 durante esta edição do festival MIL, que começa hoje no Hub Criativo do Beato e decorre até ao dia 17 de Setembro.

O concerto enquadra-se numa proposta potenciada pela LIVEUROPE e pelo próprio MIL que, sem motivos aparentes para além da possibilidade de ver concretizado este encontro inédito, levaram à colaboração improvável entre o produtor do último álbum de Ana Moura e de Pedro Mafama e o cantor espanhol. O resultado soa estranhamente orelhudo e familiar.

É difícil qualificar com apenas um rótulo o que se ouviu ontem à tarde na sessão restrita que decorreu no Musicbox, em Lisboa, e, em vez de uma fusão de géneros, os artistas preferem falar numa “linguagem própria e natural” que tem fluído desde que deitaram mãos à obra. Com pouco mais do que uma troca de mensagens e a partilha de referências a nível musical, os artistas instalaram-se num estúdio em Lisboa e trabalharam até ao ponto de nos apresentarem sete temas originais que cruzam o flamenco nos vocais de Álvaro Romero com as batidas afro de Pedro da Linha.

No final da apresentação, aquilo que fica na memória são os dotes vocais intensos de Romero, que remetem para cânticos religiosos à boleia de uma roupagem com apontamentos árabes trabalhada pelo produtor. Esta é uma simbiose curiosa onde há espaço para destacar ambos consoante as faixas que ouvimos. Os temas mais vocalizados e com secções rítmicas que giram à volta da percussão apoiam-se na interpretação sentimental do espanhol, que à boa moda do flamenco (e poderia dizer-se o mesmo do fado, que não é tão estranho assim ao produtor) canta também com o corpo. Depois, dá-se o contraste óbvio com temas “mais produzidos”, aos quais acrescem tambores, violinos e algum instrumento electrónico que lembra uma gaita de foles. A melhor parte é que tudo isto é naturalmente dançável.

Já parece complicado montar um projeto musical em cinco dias. Agora imaginem oleá-lo, testá-lo e pô-lo em andamento – por sete vezes. Para que isso aconteça, o melhor passa, na perspectiva destes artistas, por reduzir o processo criativo ao máximo. Ao Rimas e Batidas, o produtor da mais recente parelha musical ibérica conta que a maioria dos temas nasceu de ideias de Álvaro Romero, que lhe foram transmitidas em curtas gravações. Daí, cantor e produtor trabalharam em conjunto para levar as ideias a bom porto alterando, umas vezes, o registo vocal, por outras, as ideias do instrumental que flutuam num limbo entre o afro que atribuímos a Pedro da Linha, o flamenco de Álvaro Romero e o chula e o fandango – aqui invocados graças às semelhanças rítmicas entre os géneros e à tal linguagem musical que nasceu com esta relação.

E se o trabalho de Pedro da Linha é conhecido dos leitores mais assíduos do ReB, o trabalho de Álvaro Romero pode não ser, e por isso convém mencionar um percurso ligado ao flamenco desde cedo (o cantor nasceu em Cádiz, um dos berços do género) mas que, ao mesmo tempo, sempre fugiu às roupagens tradicionais. Um dos seus últimos projetos, que apresentou na Monkey Week de 2020, em Alhambra, juntou-o ao produtor espanhol Toni Martín na interpretação de obras de poetas homossexuais num ambiente que foi descrito como “electrónico e glitchy”.


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