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Texto: Vera Brito
Fotografia: Inês Ventura
Publicado a: 20/01/2019

Beautify Junkyards com Nina Miranda no Musicbox: um sonho de uma noite de Inverno

Texto: Vera Brito
Fotografia: Inês Ventura
Publicado a: 20/01/2019

De que cores são feitos os vossos sonhos? Aceitariam que por uma noite vos pintassem as memórias de outros tons e vos levassem a percorrer mundos que não foram sequer ainda imaginados? Ontem acedemos a este convite para a noite mística que os Beautify Junkyards prepararam no Musicbox com a sua performance: Sonhos Tecnicolor, acompanhados de Nina Miranda, que dispensa apresentações para todos aqueles que, há duas décadas, mergulharam no sonho aquático de “Underwater Love” dos Smoke City.

O ambiente era sereno à entrada do Musicbox enquanto se aguardava a abertura de portas e nem parecia ser uma noite de sábado na sempre agitada Rua Cor de Rosa. Lá dentro fomos recebidos por uma projecção de vídeos de arquivo, retalhos nostálgicos de memórias tão diversas como: o “Enterro do Tostão” da Banda do Casaco, que em 2019 ainda nos parecem ser tão vanguardistas como já o eram no distante ano de 1978; ou ainda, uma década antes disso, o vídeo da bizarra performance de “Caminhante Noturno” d’Os Mutantes; pelo meio sorrisos às ingénuas publicidades a preto e branco dos caldos Knorr e da comida para gatos Tareco, e para terminar o perturbador vídeo de “Solar Flares Burn For You” dos Soft Machine de Robert Wyatt a deixar-nos algo atordoados.



Completamente absorvidos por estas memórias colectivas, até os que entre os presentes não eram sequer nascidos à data de muitas delas, ao final desta meia hora de projecção de vídeos, demos por nós em espaço físico e temporal incerto, poderíamos estar em 1968, como quem sabe em 2068, ali no Musicbox ou num outro qualquer universo paralelo. Imersos nesta hipnose foi fácil deixar-nos envolver pelas brumas que os Beautify Junkyards levantaram quando subiram ao palco para a onírica “Sybil’s Dream”, um portal para esse encantado e “estranho mundo” nocturno onde habitam seres mágicos — um perfeito sonho para esta noite de Inverno, tal como Shakespeare terá idealizado para uma noite de Verão.

Da era de druidas de “Sybil’s Dream” — uma ideia a que é fácil chegar pelo embalo da voz cristalina de Rita Vian e ontem complementada pela projecção de uma imagem a retratar um círculo de mulheres em torno de rochas erguidas — seguimos para o tropicalismo de “Aquarius” feita de ritmos tribais e exóticos, que nos sacodem a mente e o corpo em movimentos soltos, que João Branco Kyron em palco não se coibiu de expressar. É esta pluralidade musical que faz dos Beautify Junkyards um caso isolado na música portuguesa, e possivelmente na internacional, e que os torna tão difíceis de definir. Pastorais, psicadélicos, tropicais, concretos, tudo se encaixa com a fluidez de um rio, e não fossem as intervenções de João Branco Kyron por entre músicas, nem nos teríamos apercebido que estávamos a seguir um faixa-a-faixa. Intervenções essas importantes para nos recordar um dos principais objectivos desta noite de Sonhos Tecnicolor: deixar claro que “a música tem a capacidade de derrubar muros” e mesmo que neste momento “os idiotas estejam a ganhar o jogo, todos sabemos que no final a luz irá prevalecer” — o sonho por um mundo justo e em paz pode até ser o mais antigo da humanidade, mas nunca nos pareceu tão urgente como agora.



Seguimos noite adentro pelo último disco da banda, The Invisible World of Beautify Junkyards, com “Ghost Dance” e “Shelter”, e ainda uma paragem a meio para a obrigatória e luminosa “Pés na Areia Na Terra do Sol”, de The Beast Shouted Love de 2017, em português, provando que para além da musicalidade e da estética, também não existem barreiras de língua para os Beautiful Junkyards, a sua linguagem é universal em todos sentidos, e não nos surpreenderia portanto vê-los num futuro próximo arriscar outros idiomas.

Chegada a hora para a convidada especial da noite: Nina Miranda entrou em palco como um raio fulgurante de sol para uma versão de “Fuga Nº II” d’Os Mutantes. Expansiva no seu português do Brasil salpicado de inglês, completou o quadro com a sua energia contagiante e “Underwater Love” impunha-se no alinhamento, desde que o seu nome surgiu no cartaz dos Sonhos Tecnicolor, um dos momentos mais aguardados por todos. Nina Miranda não desiludiu e resgatou-nos de volta a memória desse fenómeno do trip hop que tanto marcou o final dos anos 90, serpenteante entre suspiros e pequenos gritos provocadores. O mundo subaquático voltou a parecer-nos ser o único lugar onde o amor faz sentido.

Despedimo-nos dos Beautify Junkyards com “Manhã Tropical”, numa versão muito especial de Rita Vian e Nina Miranda, que regressaram assim a esse seu mundo verdejante e fantástico, uma floresta tropical que os “esconde” e os “envolve”, deixando-nos a nós suspensos “como as folhas em busca de um lugar ao sol”. Mas o portal não se fechou, descobrimos ontem afinal que esse lugar mágico sempre existiu dentro de cada um de nós.


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