Rua Feio Terenas, 31A, 1170-176, Lisboa. A seis minutos do metro do Intendente, uma árdua subida a pé depois por entre ruas recheadas de multiculturalidade, umas mais gentrificadas que outras, encontram-se, no interior de uma antiga garagem, os estúdios da galeria MONO, local onde, entre o passado dia 28 de Agosto e o próximo dia 8 de Setembro, se fixa a residência do Phonetics, festival nómada cuja terceira edição decorre na cidade em Lisboa entre esta quinta-feira e 11 de Setembro.
Durante os 10 dias de residências, o elenco do festival – que surge de uma parceria com a Filho Único – envolvido nas actividades foi passando pelo interior da galeria, dialogando entre si, criando pontes entre universos artísticos e linguagens que, à partida, talvez não conseguissem comunicar directamente. O Phonetics, portanto, serve como elo de ligação entre esses espaços, e o cartaz não podia ser mais actrativo e interessante, surgindo da sobreposição da temporada cultural francesa com a portuguesa.
Além dos DJ sets de nomes como King Kami ou DJ Danifox e da performance de Romain Mascagni (aka Territoires), que vai apresentar uma série de composições com captações dos sons do Tejo e o contributo de 12 alunos de Saint-Denis, os escolhidos para a residência são o maior destaque da programação, tendo em si a missão de criar espectáculos únicos para serem apresentados ao público do festival (o factor surpresa e o diálogo intercultural sempre à cabeça aqui): Photonz junta-se a Keumel e Clothilde para capturarem a energia crua do Planeta Manas no dia 9, Lula Pena une esforços com Riccardo La Foresta e Bérangère Maximin para criar uma performance electroacústica a apresentar no dia 10 no Museu Nacional do Azulejo, Herlander, DJ Lycox, Epsilove e NSDOS estão responsáveis por criar algo para apresentar no dia 10 no Arroz Estúdios; no dia 11, o fecho do festival fica a cargo de Lucas Gutierrez, Terrine e Carincur para um espetáculo audiovisual na MONO.
Depois de conversarmos com Wassyl Abdoun-Tamzali, co-fundador e director artístico do festival, o Rimas e Batidas esteve presente em dois dos primeiros dias da residência – 29 e 30 de Agosto – para falar com alguns dos intervenientes e perceber expectativas, o que esperar destes espetáculos inéditos e como cada grupo irá tentar encontrar a sinergia apropriada entre os seus elementos.
[Carincur]
Quais as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Sinceramente, não tenho expectativas porque não gosto muito de as criar. Cheguei hoje, adoro o trabalho tanto da Claire [Terrine] como do Lucas, e acho que vai ser incrível – já está a ser – trabalhar com eles e experimentar coisas. Acho que vai ser assim muito poderoso. Pronto, e toda a programação, não é? Acho que é muito pertinente e é uma abordagem muito fixe estar a programar estas residências e estas colaborações com artistas com linguagens tão diferentes.
Vais apresentar com a Claire [Terrine] e com o Lucas uma performance audiovisual. Como é que vai funcionar a colaboração entre vocês os três? O Lucas, enquanto designer, vai fazer a parte visual e tu e a Terrine vão trabalhar em conjunto na componente áudio?
Acho que ainda estamos a tentar perceber. Eles chegaram ontem [28 de Agosto], eu cheguei hoje [29 de Sgosto], e ainda estamos a tentar perceber. Por enquanto, estamos só a fazer algumas sessões, eu e ela a tocar e ele também a tentar perceber qual é o conceito. Também estamos a tentar perceber se há alguma narrativa ou não, ou qual a dramatologia da cena ou qual é a energia que temos todos juntos. Por agora, estamos só a perceber isso. Mas cada um vai fazendo propostas. Também já falámos um bocadinho antes de começar a residência, mas não sei ainda muito bem o que é que vai acontecer. Sabemos os elementos que vão lá estar, agora como é que eles se vão conjugar, ainda estamos a tentar perceber.
Há três anos, contaste em entrevista ao Rimas e Batidas que, para encontrar “o lugar de pura intuição”, era preciso desconstruir “ideias pré-estabelecidas”. Como é que essa abordagem pode ser aplicada num contexto de residência colaborativa como esta?
Tem a ver com a primeira pergunta que me fizeste, com a [tal questão da] expectativa. Claro que, conhecendo o trabalho deles os dois, eu crio logo uma imagética toda. A minha imaginação vai para muitos sítios, mas, no fundo, isso não me interessa muito. Então, também preciso de desconstruir um bocadinho essa expectativa, para estarmos disponíveis e encontrar[mos] também esse lugar que sejamos nós os três juntos e em que não se sinta essa separação, que possamos encontrar esse sítio mais de uno. Então, é preciso desconstruir todas essas expectativas para encontrarmos assim um sítio mais orgânico, assim mais no campo da intuição, para que possa ser mais “verdadeiro”.
A desconstrução da ideia individual para dar lugar à ideia colectiva?
Isso, ya.
Eu estou um bocado curioso com a vossa performance porque tenho interesse em como vocês conseguem chegar a um lugar uno entre os três. Tu tens uma abordagem muito específica à desconstrução do som, a Terrine tem uma carreira musical no mínimo curiosa e o Lucas é um designer com um pedigree gigante. É um desafio conseguir chegar a esse lugar?
Sim, sem dúvida, e estas colaborações pode ser tudo muito orgânico ou pode ser muito difícil encontrar um universo que pertence aos três, e é super desafiante também por isso. Mesmo, sei lá, comigo a questão performativa está também muito presente. Eles também me questionaram, “ah, vais usar o teu corpo? Vais andar pelo espaço?”, e eu também não sei. É mesmo encontrar esse lugar colectivo e, até agora, já está a existir alguma simbiose entre os três. Acho que funciona super bem.
Num contexto de residência, há mais uma procura da tua parte de colocar-te à disposição do que podes oferecer aos outros num contexto criativo?
Eu sou assim uma pessoa um bocadinho reservada, então a palavra é um bocadinho difícil para mim e não sou muito aquela pessoa que propõe. Por exemplo, o Lucas usa bastante a palavra e está sempre a dizer “estou a pensar fazer isto e aquilo”. Todas as minhas propostas vêm sempre só através do som e também vou percebendo se lhes interessa, ou não, e vou tentando, nesse sentido, fazer as propostas. Nunca sou muita incisiva.
Encontro relação com aquilo que dizes – muitas vezes, não sei o que dizer quando quero comunicar sugestões, ideias ou pitches. Fico nervoso para isso. Já estou melhor nisso, mas ainda sinto insegurança.
A mim ainda é um bocadinho difícil falar, assim usar mais as palavras. Tanto que no som, pronto, também é igual. Eu uso muito a voz, é assim o meu principal instrumento, e é raro haver uma palavra ou, se houver, está totalmente desconstruída, e eu própria nem sei muito bem que palavra é essa. Mas, sim, eu gosto de ficar só disponível e ir vendo e sentido o que aquilo me está a transmitir. Mas é interessante também porque depois, por exemplo, nós agora fizemos uma sessão em que a Terrine – claro que eu esperei que ela começasse [risos] e tentei perceber o que é que se encaixava – e ela agora perguntou-me se não podíamos fazer o exercício ao contrário, se podia ser eu a começar a propor algo.
Recentemente, (re)apresentaste aqui no MONO Echos from a Liquid Memory. Depois de cada performance tua, seja a solo ou nestas residências, tiras ilações que aplicas em projectos futuros?
Claro, sem dúvida. O meu trabalho criativo nem sequer era um trabalho, é a minha vida, então é um caminho que está em constante construção. Tudo o que vai acontecendo ao longo dos dias, ou todas as referências que vão chegando, claro que isso acaba por afectar mais cedo ou mais tarde, mesmo que não seja uma questão consciente, mesmo que seja inconsciente. Mas claro que sim, sem dúvida.
Há sempre algo de novo para tirar deste tipo de colaborações.
Claro que sim, mesmo aquelas que correm menos bem ou que são mais difíceis – nunca correm menos bem, só são mais difíceis. Acho que trabalhar em grupo é mesmo um trabalho super complexo e eu, antes de fazer trabalhos mais a solo, fiz bastante em colectivo e, de alguma maneira, também criei algum cansaço sobre isso, porque exige mesmo muita energia e disponibilidade, e capacidade também de ouvir o outro. Às vezes pode tornar-se um bocado cansativo. Mas acho que também me eleva para outro lugar, e também me traz questões, mesmo para o meu próprio funcionamento individual, que depois também me leva para outros sítios porque estamos constantemente a partilhar e a comunicar com outras pessoas. Mesmo que eu diga que estou a trabalhar a solo, nunca estou, não é? Se estou a apresentar uma coisa, o próprio espectador já está a fazê-lo comigo. Então, isso também faz parte. Também é preciso escutar, é preciso saber como estou a ecoar, e essas questões são coisas que se adquirem muito destas colaborações.
[Lula Pena]
Quais as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Nenhumas. [Risos] Não se pode ter expectativas. Quer dizer, podes pensar em algum set, em algum equipamento que queiras usar, em alguma forma de fazer, mas expectativa é impossível. É uma residência, envolve outras pessoas, tens é de estar disponível para essa interacção, e é dessas interações que saem as formas, não é? A expectativa é conseguir levar até ao fim e manter a harmonia, no sentido das pessoas envolvidas. Há um factor humano que conta também, e isso está a acontecer, por isso não posso estar a criar expectativas – nem devo. Nem pessoalmente nem para ninguém.
Tu vais trabalhar nesta residência com o Riccardo e com a Bérangère para criar uma performance electroacústica. Qual esperas ser o teu papel aqui? Vais “emprestar” a tua voz ou será algo que vão descobrindo com o passar dos dias da residência?
Neste momento, no nosso caso em particular, estamos à espera do terceiro elemento que teve um problema e ainda não chegou. No primeiro dia [28 de Agosto], pensámos numa forma de fazer, no segundo dia [29 de Agosto], por interação, isso foi-se modulando. Imagino quando a Bérangère chegar, isso vai passar a outra forma de se modular. Ou seja, não é emprestar. Eu vou submeter, vou transformar a minha voz com eles, não é? Vamos tentar criar, com as três propostas, uma coisa que faça sentido, para os três. Não é a minha voz que se conhece do trabalho anterior que tenha feito, não é necessariamente isso. Pode nem ser de todo isso, pode até nem ter voz. Daí não ter, de todo, expectativa, porque há muitas variáveis, sempre, e isso é que é interessante nas residências.
Falaste aí do trabalho anterior que fizeste no passado. Como é que este lado de electroacústica acabou por chegar à tua carreira artística?
[Risos] Acho que foi a EDP. Foi a EDP que trouxe a eletricidade à casa das pessoas e transformou a minha perceção acústica de tudo. Electroacústico é uma forma, é uma categoria que se dá às coisas que até podem não corresponder a 100%. Mesmo que tudo seja electrónico, há sempre um espaço acústico quando ele é preciso acontecer, não é? Que reverbe e ressoe. É sempre electroacústico para mim, e era por isso que estava um bocadinho a disparatar. Mas chega como chega a toda a gente. Agora, filtrar, ou seja, perceber que equipamentos se podem usar, que maquinetas se podem usar e que isso faça alguma ressonância com todos os teus interesses e explorações, isso já é algo, pronto, é subjectivo, não é? Ou seja, não estranho, entranho. [Risos]
A coisa mais peculiar, para mim, sobre a vossa performance é o local onde vai acontecer, o Museu Nacional do Azulejo. Como é que é pensada a performance para um local como este?
Isso vai ser a condição final, a variável final. Tudo o que nós fizermos num espaço que não é o Museu do Azulejo vamos traduzir e transpor para o Museu do Azulejo. E obviamente vai ter que se adaptar alguma coisa. Equalizações que não estamos a considerar fazer agora, que o espaço é outro, reverbera de outra maneira. Mas eu não sei, a escolha não foi nossa, o local do concerto foi proposto pelo Phonetics. Tem espaços interessantes lá de explorar…
É uma improvisação construída à medida que vão explorando o espaço?
Não, eu acho que até lá o trabalho vai ser explorado de várias formas. Lá vai ser o dia do concerto [10 de Setembro]. Lá está, vamos transliterar para ali, e ajustar qualquer coisa que seja necessário. Portanto, o espaço em si não vai afectar por aí além, à partida.
[Riccardo La Foresta]
Quais são as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Questão difícil! [Risos] Basicamente, estou bastante excitado com esta oportunidade, em trabalhar em tantos dias porque, para mim, 10 dias é um período longo e, na minha experiência, nunca trabalhei tantos dias seguidos com mesmas pessoas. Eu venho de um background em música experimental e, durante muitos anos, toquei música improvisada. Então, grande parte dos concertos que dei nos últimos 10 anos têm sido ir para palco e tocar com pessoas que não conhecia ou com as quais não tinha tocado antes. Eu também tive bandas e projectos e, mesmo assim, como músico profissional, é muito difícil alinhar os calendários de toda a gente e ter tantos dias seguidos para trabalhar. Geralmente, tens três, quatro, cinco dias se tiveres sorte. Então, 10 dias é um período bastante longo de tempo que permite manter as coisas focadas, sem stress, e provavelmente bastante funcionais. Então, por isso, estou excitado [para a residência]. Sobre o resultado final? Vamos ter de ver [risos], porque, por agora, ainda estamos à espera do terceiro elemento, que, quando chegar, vai mudar tudo. Ontem e hoje já tocámos, estamos a experimentar diferentes ideias, mas quando ela [a Bérangère] chegar, vai mudar tudo.
Disseste que esta será a tua residência mais longa até ao momento. Como é que, para ti, em termos criativos, abordas um período assim tão longo em que vais trabalhar sempre com as mesmas pessoas?
Pessoalmente, acho que um bom ponto de partida é levar as coisas devagar e não te focares tanto no resultado final logo no início porque há tempo suficiente para trabalhar e experimentar mais possibilidades, mais materiais. Até podes nem chegar a usar, sabes? Mas podes experimentar e ir criando conexões com os outros, criando texturas, e ir moldando o som e a personalidade do grupo – não só a tua contribuição, como o trabalho orgânico dos três em conjunto.
A coisa mais peculiar, para mim, sobre a vossa performance é o local onde vai acontecer, o Museu Nacional do Azulejo. Como é que é pensada a performance para um local como este? Existe algum estúdio prévio do local ou a performance é adaptada conforme a circunstância?
Nós vamos ter de ir ver o local porque o local é tudo. A única diferença entre o local onde praticas, seja uma sala ou um estúdio, e o local onde tocas live, é o espaço porque, teoricamente, estás a tocar a mesma música e o que muda é o local. Portanto, tens de jogar com o sítio. Isso é normalmente o que eu faço com os meus ensaios a solo, porque os meus concertos a solo funcionam com trabalho e instalações especificas geralmente, e nunca pratico aquilo que faço ao vivo, porque não é possível. Eu trabalho principalmente com a arquitectura [do espaço], então todos os concertos são diferentes e, então, nós temos definitivamente de ir ver o local. Não só pelo som, como também para a componente visual do espectáculo, que é também importante para mim. A forma como fazes o setup, a forma como é concebido para a audiência enquanto performance visual. Tudo isso importa.
A ambiência, toda a experiência da performance.
Exactamente. Toda a cena. Estás ali no local, e não é só o som. O local, as características do espaço onde tocas – isso muda tudo.
Tu tocaste umas quantas vezes em Portugal durante este Verão, não foi?
Ya, este ano foi, definitvamente, o ano de Portugal. Vim muitas vezes a Portugal este ano.
Como é que têm sido essas experiências?
Bem, basicamente, eu tive de arranjar uma forma de apresentar algo diferente todas as vezes. Porque em Lisboa, toquei há tipo dois dias [27 de Agosto] – apresentei uma instalação de som no Teatro Romano –, e é um trabalho diferente do que vou ter de fazer agora. Foi uma instalação que vem das minhas performances a solo, que são baseadas no Drummophone, um sistema que estou a desenvolver há uns seis, sete anos. Então, fiz isso, e há um mês [em Julho], estive cá [em Portugal] em tour com uma banda, e tocamos em Coimbra, nas Caldas da Rainha, no Porto. Agora, estou a trabalhar nesta residência, onde também uso os materiais que uso a solo, mas foco-me principalmente na bateria, porque sou um baterista – apesar de, quando toco ao vivo, ser mais uma espécie de percussionista. Ainda no mês anterior a esse [em Junho], estive também num festival em Beja, então basicamente foi todo o Verão passado em Portugal e foi incrível. Há tantas ligações entre as cidades e toda a cena musical, e acho isso muito particular. É tudo muito bem ligado culturalmente ou, pelo menos, foi essa a impressão com que fiquei enquanto outsider.
No que é que consiste esse teu projecto do Drummophone?
Bem, o conceito é ser capaz de tocar a bateria como se fosse um instrumento de sopro, ou seja, que consegues tocar com o ar. Quando comecei a dar concertos, utilizava muitas técnicas enquanto baterista, e depois encontrei esta e decidi-me focar nela. Deixei todos as bandas em que estava e abandonei todos os meus outros projectos para me focar especialmente nisto. É por isso também que lhe dei um nome, porque não é só um efeito, é um instrumento musical, com uma linguagem e vocabulário musical próprios que eu estou a desenvolver. É por isso que tenho dedicado muito do meu tempo a isto e existe tantas possibilidades – é um instrumento com características sonoras muito particulares.
Incorporas o Drummophone e aquilo que aprendeste a desenvolver esse projecto neste tipo de residências?
Sim, claro. Eu escolhi ter aqui, como base, uma bateria, porque sou um baterista. E, na minha experiência, quando trabalhas com outros, especialmente com pessoas que não conheces… A bateria é a minha zona de conforto, sabes? Mas depois, claro, posso usar o Drummophone por cima. Então, vou usar de acordo com aquilo que acharmos ser adequado à situação, seja através do ar, de motores, ou de coisas do meu setup para os meus concertos a solo.
[Lucas Gutierrez]
Quais são as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Estou super excitado por esta ponte que posso criar entre a Terrine e a Carincur. Eu acho que elas têm um enorme potencial para complementarem aquilo que faço e espero conseguir desenvolver uma ponte visual entre estas duas perspectivas diferentes de composição. No geral, sinto-me bastante próximo da edição [do Phonetics] em Lisboa porque vivi aqui durante um ano e meio – com algumas pausas pelo meio. Estou muito feliz por ter a chance de regressar com uma ambição diferente, digamos. Estava a fazer muitas cenas de vídeo quando estava a viver aqui, mas desta vez estou muito curioso para ver os resultados em termos da composição do espectáculo. E acho que isso é o poder desta residência, em que vamos todos em direção ao mesmo afunilamento, digamos, e sinto que isso é uma direção super bacana, porque permite que toda a gente se foque em construir algo em conjunto.
Enquanto artista digital, em termos criativos, como olhas para tentar criar essa ponte que falas entre a Terrine e a Carincur?
Eu estou mesmo a tentar identificar quais são os pilares na sonoridade da Carincur e da Terrine. Ontem [28 de Agosto] e hoje [29 de Agosto], estivemos a pensar em qual é a ideia, qual é a intenção em cruzar estas linhas. Mas eu tento focar-me naquilo que, provavelmente, a Carincur não sabe o que está a ser visualizado nos meus olhos, no meu espectro, para tentar extrair elementos do que ela faz com a voz. Hoje tivemos a primeira oportunidade de sentar e ouvir em conjunto, pensar o espaço, em como nos vamos distribuir, a nossa presença em palco, se será sequer um palco ou uma mesa com três pessoas à volta. E com a Terrine é tentar descobrir o processo por trás da sua composição. Algo que pode começar como uma jam, mas que tem uma estrutura lógica por trás em termos de camadas. Então, estou-me a focar no que pode ser a representação disso, em termos visuais e em palco. É mais: o que é que pode, realmente, representar-nos nessa ponte? Eu trabalho com vídeo e LEDs então, sim, a intenção é tentar apresentar algo que seja óbvio aos nossos olhos daquilo que estamos realmente a fazer.
Acho essa cena da vossa perspectiva interessante, dado que alguns dos teus trabalhos passados abordaram temas sociais, distópicos ou não, a partir da tua perspectiva, e sinto que criar essa “ponte” não é assim tão diferente. Como é que encontrar esses padrões na Carincur e na Terrine te ajuda enquanto artista para o futuro?
Eu também componho som, mas o que realmente me inspira é… uma forma mais saturada de ver o processo a acontecer à minha frente, digamos. Eu estou aqui para, de certa forma, visualizar som, se quisermos ser mais directos. Mas a forma como as vejo a construir as suas conexões e a sua dramatologia – chamemos-lhe isso, acho que é fascinante, para mim, tentar entender essas diferentes linguagens dentro da linguagem som que as pessoas esperam dentro de um espetáculo. Claro, as ferramentas que usamos são totalmente diferentes. Se quisermos ser técnicos, estou neste momento a lutar com software de gaming, só para ver se consigo chegar ao nível de identificar camadas, linguagens e conseguir usar essa ferramenta de forma diferente. Existe um estereótipo comum que, num espectáculo audiovisual, tudo tem de estar sincronizado, com o software a falar um com o outro, em que apenas configuramos um IP ou um número e os dois softwares trabalham em conjunto durante o resto do espectáculo. Então, temos uma grande limitação, não porque estamos a utilizar ferramentas diferentes, mas porque temos formas diferentes de construir coisas. Então, no final de contas, essas pontes, nós somos os limites para elas. E acho super romântico que, apesar da complexidade das nossas ferramentas, ainda estamos a escolher trabalhar com elas de forma manual. Nós estamos a brincar com ferramentas precisas com a intenção de as desconstruir de uma forma em que somos donos delas, e acho que o nosso espectáculo vai mostrar, ou pelo menos espero, esse lado visceral de usar os elementos. Podemos ser precisos, podemos estar sincronizados, mas isso pode ser aborrecido.
Interessante comparar com aquilo que a Inês [Carincur] me disse. A ideia parece ser desconstruir, seja som, dramatologia, visuais, e como isso se pode juntar durante esse processo.
Sim, eu concordo. Nós provavelmente estamos aqui para destruir os padrões ou, pelo menos, os padrões que o Phonetics leu a partir de fora – e acho isso muito belo. Descobrir que podemos brincar com isso para podermos mostrar uns aos outros durante o processo. Eu posso ler isso de forma diferente e elas talvez entendam. Eu trabalho com 3D, mas também estou a tentar conceitos 3D e a ideia da digitalização. Posso receber uma mensagem da Carincur que a voz não é só sobre, por exemplo, respirar e movimento corporal, mas também é sobre sentido e transformação. Então, eu acho super interessante perder este tempo e ver o quão longe podemos ir com estes elementos.
[DJ Lycox]
Quais são as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Fazer o meu live com people que não conhecia, hoje conheço, e fazer uma festa bonita com eles, não é? É a minha expectativa.
Esta edição do Phonetics Lisboa conta com co-curadoria da Filho Único e, com isso, traz o envolvimento da Príncipe Discos, editora que te tem acompanhado ao longo da tua carreira. É sempre bom ver esse tipo de reconhecimento pelo trabalho da editora?
Sim, é. É muito bom porque, antigamente, não era assim muito reconhecido. Vocês podem notar, né, o tipo de artistas que tem dentro da label e o tipo de som que eles estão a empurrar ou que nós estamos a empurrar para o mundo, e era meio complicado antigamente. Hoje em dia, o people já associa mais a Príncipe ao, por exemplo, DJ Lycox. Mesmo sabendo que ele está na label, tem sempre a Príncipe behind. E isso é muito bom.
Achas que em Portugal a Príncipe tem ganho cada vez mais destaque?
Eu creio que sim. Pessoalmente, não vivo cá, então não posso dizer que sim ou não, mas, pelo que vejo na Internet, creio que sim.
Estás a viver em França já há alguns anos – em Paris, especificamente –, e queria perguntar-te sobre o crossover entre a temporada cultural portuguesa e a francesa que vimos no último ano, como é o caso do festival Iminente, que agora ocorre em ambos os países, ou mesmo o Phonetics. Como é que esta residência pode ajudar a fortalecer os elos culturais e criativos entre a cultura de ambos os países?
Não te sei explicar bem, mas eu creio que o crossover que, por exemplo, acontece aqui [na residência] é um bom crossover porque envolve a cultura francesa e a portuguesa. Na portuguesa temos a batida, e na francesa eles têm outro estilo musical e tudo mais — fazendo a junção disso num estilo único que se vai criar aqui, creio que é bom. Não só para as culturas, mas também para a música e é uma cena que só mesmo quando estivermos no live é que vão poder ver.
Nessa questão do live, e neste contexto de residência, como será para ti abordar o desafio de unir a tua sonoridade de club com, por exemplo, a estética de Epsilove ou as explorações mais teatrais do Herlander e do NSDOS?
É um desafio, mas, no final do dia, somos músicos. Se o Herlander começar a criar algo, é fácil para mim, hoje em dia, que já tenho a mente mais ampla no que toca a construção musical e tudo mais, não ficar bloqueado. Se eu tiver o que eu preciso — o meu computador e o meu pianinho –, é só começar a entrar no movimento dele e a gente aí começa a mergulhar nas águas profundas da música.
Este tipo de residências também te ajuda a expandir mais a tua “mente” e influências?
Ajuda, ajuda, porque certamente, e falo por mim, acabo por ser um pouco fechado. Fechado do tipo não vou muito às noites, não saio muito. Então, para eu ouvir uma nova música era só através da Internet. Mas quando estás a ouvir a música de outro artista live e vês como ele constrói o som dele e tudo muito mais, aquilo claro que te vai empolgar. Vais dizer, “oh, este tipo de instrumental que ele usou aqui, se calhar seria fixe também na minha cena”. Ou, sei lá, ele usar por vezes um pianinho ou uma melodia que te faz pensar em algo e tu dizes “wow, também poderia usar isso”, estás a entender? Então, é por aí.
[Herlander]
Quais as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Eu vim sem expectativas, mas tava um pouco nervoso. Eu sou um artista um pouco individualista na maneira como trabalho e, com esta residência, estava à espera mais de, se calhar, conseguir abranger mais o meu lado colectivo, no sentido em que vou poder estar jamming com outros artistas — e obviamente o [DJ] Lycox é um artista que toda a gente conhece e já admiro há anos, desde que eu estava na escola! [Risos] E tem sido incrível. A Isabelle [Epsilove] as well, está a ser bué satisfying porque não me considero um artista de freestyling ou jamming porque sou muito calculista como produzo e ter só pessoas a, se calhar, porem um beat em loop, e depois uma pessoa adiciona, outra pessoa adiciona, outra pessoa adiciona… Tem sido algo novo, nunca fiz nada assim. Por isso, o que quero tirar desta residência é mais, talvez, esse sentido colectivo para também os meus futuros projectos não serem tão solitários [risos].
Se calhar ainda vão sair daqui colaborações para o universo Herlander.
Sim, eu espero que [sim] – e nem tem que ser especificamente com as pessoas com a qual estou a colaborar agora [na residência] –, mas com pessoas no futuro e ter aquela abertura e mais confiança em dizer, “olha, vamos sentar e fazer alguma coisa juntos”. Porque eu sou o tipo de pessoa: my space, my work moment, não quero ninguém perto, é algo espiritual. E quero um pouco abrir. 2022, honestly, ensinou-me um pouco que tenho de abrir mais o meu espaço a pessoas e, por isso, [a residência] está a ser uma boa oportunidade para fazer isso.
Tu tiveste um 2022 bastante ocupado…
Muito caótico! [Risos] E não nos sentidos em que eu estava à espera porque, por exemplo, o álbum ia sair no início do ano, e acabou por ser pushed back – também por problemas pessoais meus – mas porque também quero que o álbum saia in my own terms. Também estou a aprender letting go of perfeição também, no sentido em que tenho de aprender a deixar: “Ok, isto está assim, let’s move to the other layer or something”. Eu sou muito um artista que, se uma coisa não está a soar exatamente como quero naquele preciso momento, vou ficar ali um dia inteiro nisso. Perde-se bué tempo. Mas other than that, acho que as coisas com que fiquei busy neste ano foram também boas e foram rewarding no sentido em que, sei lá, algumas coisas não eram muito music-related e isso põe-me um pouco nervoso, no sentido em que não quero que as pessoas pensem que eu não faço mais música ou que a música não é o meu main focus. Já tive pessoas a mandar-me mensagem a perguntar, “ah, agora és modelo?!” [Risos] Mas, pronto, acho que era um ano necessário. Estou grato por tudo o que aconteceu este ano e estou grato por estar aqui [na residência].
E tens o novo single, “daZona”, aí à porta, para sair neste dia 2 de Setembro.
Yeees, sexta-feira, dia 2 de setembro! Estou bué entusiasmado. Acho que nunca ouviram música minha assim, I guess, mas eu acho que é o que procuro fazer com os meus singles, que é, nunca as pessoas pensarem que estão à espera de uma coisa ou pensarem que sabem o que é que vem aí e depois é algo totalmente diferente. Estou bué entusiasmado, por acaso estou bué proud deste single, e eu sou sempre bué pessimista em releases. Fico sempre, “não quero que isto aconteça”, e neste estou numa semana muito ocupada, mas estou mesmo a conseguir aproveitar e estar feliz.
Engraçado que falas nisso da surpresa entre lançamentos e quereres isso, mas depois dizes que não és um artista de jamming, onde a surpresa é muitas vezes a chave – é quase contra-natura.
Yes, yes. Eu acho que é bué! Sei lá, eu acho que é about letting go, e é por isso que estou a gostar tanto de fazer jamming. Eu nunca tive a noção de que podia sequer, como vocalista – por exemplo, o meu forte nunca é estar no keyboard, eu sei zero de music theory, eu não estudei música de todo – e, por isso, nunca pensei que fosse possível, para mim [fazer jamming] – nem toco nenhum instrumento em específico, só ukelele [risos] – e é bué bom. E estar aqui, ligar o PC – eu sentei-me ontem, foi a primeira vez que nos sentámos os três, ainda falta o NSDOS –, e eu ainda estava: “O que é que é suposto eu fazer? O que é que eu vou adicionar a isto?” O Lycox, literalmente sentou-se e pôs um loop de um beat a dar e aquilo já estava super pronto. Eu ainda disse, “ah, vou meter os fones um bocadinho para me tentar guiar”, e depois foi about letting go e nem sequer usei os fones. Tirei-os e comecei só a teclar, ou a fazer vocals. Jamming é não ter vergonha. É bué só cospe cá para fora. Se soar mal, soou mal. E aí é que se descobrem coisas incríveis.
Sobre essa questão da individualidade, quando vi um concerto teu em Agosto de 2021, em Setúbal, notei que havia uma noção muito corporal e teatral introduzida na narrativa da tua performance. Como é que essa componente do Herlander poderá surgir numa performance colaborativa como a que vocês vão criar nesta residência?
Isso é uma boa pergunta. Por acaso, eu não sei como esta performance vai dar play out. Eu ainda estou muito atrás do PC e nunca fui um performer que fica muito atrás do PC, mesmo que actue sozinho. Eu sou o meu próprio DJ, no sentido em que ponho a música e vou decidir ou vou produzir o show, mas depois vou lá para fora. E acho que neste show ainda não tenho bem noção de como vai ser e de como vai acontecer o role de cada um. Sabemos que, por exemplo, o meu forte é usar a voz, sabemos que o forte do Lycox é bué melodia, conseguir trazer umas drums, a Isabelle [Epsilove] tem o forte de conseguir bué texturas, e isso são forças bué distintas. Mas ainda não entendi muito bem como vamos misturar tudo. Eu não sei te dizer se esta performance vai ou não ser muito corporal porque, lá está, não estou zangado por estar atrás do computador, até porque acho que também vai mostrar uma nova faceta minha ao mesmo tempo.
[Epsilove]
Quais são as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Aprender novas técnicas e novas formas de trabalhar com outras pessoas com as quais colaboro. Acho que toda a gente aqui tem uma identidade forte naquilo que fazem e é sempre bom ser capaz de ver o processo por trás disso – como as pessoas começam uma canção, criam algo a partir de uma ideia, o que escolhem e que direcção leva. Ya, principalmente aprender. [Risos]
Sobre essa aprendizagem, uma das coisas que me deixou curioso sobre a tua inclusão neste grupo foi a tua sonoridade. Estive a ouvir alguns dos teus lançamentos e estava a tentar encontrar algo em comum, por exemplo, com o sound de club do Lycox. Como é para ti encontrar algo em comum com um artista como ele?
De momento, estou mais interessada em samples – acabei de comprar novas máquinas e são principalmente sequenciadores de samples – e ele [Lycox] trabalha muito com o computador, a fazer loops. De momento, estou interessada em música dos anos 90, coisas como Massive Attack ou Mad Professor, tentar dar toques mais de dub à música e ter este som mais de lo-fi à base de samples com – talvez – uma influência maior de improvisação e jazz com instrumentos electrónicos. E a escolha de samples dele até ao momento, nesta residência, está bastante de acordo com aquilo que tenho em mente. Então, estou bastante curiosa como vai ser daqui a duas semanas. Acho que vai ser bué interessante.
Acho que o ambiente que a vossa música cria soa futurista e distópico, mas ao mesmo tempo inclusivo. Acho isso interessante, dado que vocês vêm de lugares bastantes distintos, então não sei se foi algo que inventei! [Risos] Os Massive Attack, por exemplo, também soavam futuristas nesse aspecto.
[Risos] Sim, na altura em que eles estavam a lançar álbuns, soava bastante futurista, e estava também ligado às máquinas que foram criadas naqueles tempos e que ajudavam a criar o som deles – eles usaram-nas de forma adequada. Eu acabei de comprar máquinas dos anos 90 que são mais ravey e lo-fi. Não sei, acho que é fixe também misturar técnicas diferentes, máquinas de diferentes tempos, porque cria algo híbrido entre aquilo que foi feito e aquilo que as novas tecnologias podem oferecer. Não há grandes limitações agora naquilo que podes fazer agora que tens um computador. A nova ideia é desconstruir aquilo que aprendemos, como quando as pessoas estavam a fazer quando estavam a fazer música jazz. É sempre: construir algo, destruí-lo, e depois construir algo diferente – mas voltar a destruí-lo. Não sei, é só uma onda sinusoidal! [Risos]
Tu e o Lycox trabalham mais do lado da produção da coisa, mas o Herlander e o NSDOD também incorporam teatro e dança – no caso do NSDOS também os sensores dele – nas suas performances. Como é que tudo isso pode ser incorporado no mesmo espaço?
Ainda não sei – estou à espera do NSDOS! Ele chega amanhã [31] e vamos falar sobre o setup dele. Não faço a mínima o que ele vai usar nesta residência, mas eu tenho a certeza que vamos encontrar uma maneira de ligar tudo junto e fazer algo divertido e estranho.
[Clothilde]
Quais são as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Crescer — mesmo! Já começamos a ensaiar e eu estou com dois músicos de música de dança [Photonz e Keumel], e eu adoro música de dança, portanto [risos], já ’tou a crescer mesmo.
A coisa mais interessante do vosso grupo é, pelo menos para mim, tentar perceber como o teu estilo mais pós-minimalista de drone se pode enquadrar no universo de música de dança do Photonz e do Keumel. Como é para ti abordar esse desafio?
Por acaso, isso foi uma questão que nós já falamos. Eu acho que está a começar a sentir-se, por exemplo, no facto de haver uma inicial tendência… Imagina, o Keumel pensava em fazermos faixas e eu estou a propor, ainda que seja dança, criarmos mesmo uma peça com princípio, meio e fim, e estamos todos de acordo. Depois, vamos ver. Também queremos brincar com eles samplarem sons das minhas máquinas e trabalharem com elas, e eu entrar com alguns momentos de improviso. Mas eu acho que, acima de tudo, não queremos fazer uma coisa para meter toda a gente assim [maluca] – depois vai haver DJs, vai haver tempo [para isso]. Eu sinto que tentar compor uma peça e não faixas é um desafio para eles também, o que é fixe – nada difícil, não é um desafio difícil -, mas são maneiras de pensar diferentes quanto a um live.
Acho fixe falares desse processo em encontrar esse lugar-comum, o compor a peça, entre vocês para a vossa performance, porque me parece ir de encontro à ideia do Phonetics de ser apresentado algo que é único.
Sim, é isso. Na verdade, se nos juntaram aos três, foi por alguma razão. E eles chamaram-nos não só como músicos, mas também, esperemos por nós, como disse o Marco [Photonz] até, pelas nossas cabeças. Então, é tentar usar isso. Já ensaiámos, já começámos a experimentar, mas temos falado muito, e é essa questão. Eu tenho uma abordagem de um concerto meu, é uma peça; eles, com a música de dança, é mais faixas. Mesmo live, é sempre mais partido em momentos, e nós aqui vamos tentar fazer essa peça com diferentes momentos, e com esse patchwork dos elementos deles com os samplers dos meus. Nós queremos partir a loiça toda [risos], queremos mesmo fazer uma coisa muito boa, estamos cheios de vontade e de energia. Acho que vamos todos crescer com esta ligação.
Já tocaste alguma vez no Planeta Manas?
Não, mas já fui lá dançar. [Risos]
Acho que é a forma correcta de ir ao Planeta Manas!
Acho que é óptima! Fiquei muito feliz quando soube que ia lá tocar, porque é um espaço que eu adoro. Identifico-me. É muito cru, é muito básico – básico no bom sentido –, ninguém vai lá para ver e ser visto.
A tua carreira artística vai além da música, com um background como colorista, no mundo do desenho e da ilustração, e na fotografia. Como é que depois esse teu historial te influencia na abordagem a uma residência como esta?
Acho que essas coisas influenciam não é só na abordagem da residência, é mesmo em tudo. Também já são muitos anos, não é? É muita bagagem. Todas essas coisas que fiz no passado – e que algumas ainda faço – tem a ver também com a minha forma para olhar para as coisas. Portanto, eu vivo a ver snapshots na minha cabeça. Tudo para mim são imagens. Quando era miúda, fazia bandas sonoras imaginárias em CDs – que agora são as playlists, mas a gente gravava CDs. Não sei, influenciam-me aqui como me influenciam em tudo. É a minha forma de olhar para as coisas.
Eu às vezes penso a música de dança um pouco como colorir texturas e acho interesse, dessa perspectiva, a tua colaboração com músicos desse estilo.
Acho que a parte do colorismo aqui entra, mas não tão directamente. Mas há uma parte mecânica muito interessante. Quando eu era colorista, obviamente, era uma máquina, uma mesa cheia de botões. Portanto, eu não tenho medo de máquinas. Acho é que, quando toco, eu penso muito mais como se estivesse a desenhar essas texturas que estás a falar, completamente. Porque há coisas que são sombras, há coisas que são texturas, há coisas mais ásperas, há coisas mais suaves. As frequências, não é? Quadrada, sinusoidal. A sinusoidal é mais doce. Portanto, tu estás a desenhar, na verdade, com sons, e eu vejo a coisa muito assim. Sinto perfeitamente que, quando estou a compor em casa, quando sinto falta de uma coisa, é mesmo de um elemento. Na minha cabeça estou [a pensar] que preciso ali de uma coisa áspera, uma coisa mais afunilada, mais bicos, ou mais pontinhos – são texturas. Penso mais através do desenho, acho eu.
E aqui vai ser feito um desenho colaborativo, de certa forma.
Sim, completamente, e acho que estamos no bom caminho. Estamo-nos a dar muito bem os três, é tudo muito fácil. Estou cheia de vontade para ver onde isto vai dar [risos]!
[NSDOS]
Quais são as tuas expectativas para o Phonetics Lisboa?
Acho que o ideal, quando vens para uma residência como esta, é não ter nenhum tipo de expectativas. É a segunda vez que trabalho com o Phonetics, então já sei como funcionam algumas das cenas, entre conhecer as pessoas, visitar a cidade para absorver a energia e, depois, partilhar experiências sobre música electrónica live. Vejo-o como um bom exercício para partilhar o amor por música electrónica.
Estava a ler sobre o teu trabalho e fiquei curioso: vais trazer os teus sensores para a residência?
Sim, claro, porque é o meu trabalho [risos], então, claro que venho com as minhas ferramentas, sim.
Como é que funcionam os sensores, exactamente?
Basicamente, os sensores não criam nenhum tipo de som, são apenas uma interface que pode ler os movimentos que faço – giroscópio, coordenadas XYZ, acelerómetros –, mas também há coisas como um algoritmo AFD [autómato finito determinístico] que calcula a dinâmica do meu movimento a cada 15 segundos, interpretando-o como se é fractal, se é repetitivo — há fases diferentes. Os dados dos sensores são enviados para um ambiente de live coding, chamado Orca, onde depois de interpretados os resultados são enviados para um MIDI, onde posso gerar, interagir com cenas visuais e sons, redes, robótica – coisas assim que estou interessado em hackear.
Como alguém que trabalha em engenharia, estou fascinado como inseres estes ambientes de live coding na tua forma de desconstruir som.
Acho que isso também se aplica a escrever código. Para mim, o futuro de escrever código tem de ser dinâmico. Há toda uma forma de escrever código, com cenas como node-based coding – como Max/MSP – ou formas de repensar arquiteturas, percebes? Isto é a próxima fase para programação e creative coding tem de ser um movimento. Isto é uma forma de tudo aquilo que eu faço – claro que por trás estão coisas como Java, C++, Python –, mas aquilo que eu faço é uma tradução com Orca, uma linguagem de programação esotérica, para o meu ambiente. Então, eu digo que pego numa forma bastante aborrecida de fazer código em algo criativo, que está vivo e orgânico.
Numa residência como esta, como é que o teu sistema de sensores pode ser utilizado num formato de jam?
Para te ser sincero, este é o meu primeiro dia, só cheguei hoje [dia 30], então ainda não vi o setup dos outros. Mas acho que o que devemos fazer, nesta situação, é ver as ferramentas de cada um e como cada um trabalha porque em maior parte do tempo, nós trabalhamos como artistas a solo, então geralmente nós somos a própria banda ao vivo. Então, temos de tirar todos os materiais para fora e ver o que cada um pode oferecer, ver onde existe espaço, onde se pode fazer espaço, e desfrutar da coisa. Acho que vai ser interessante porque usamos todos setups diferentes e temos todos formas abordagens à música.
Quando conversei com os teus colegas de residência, especialmente o Herlander falou da diferença da abordagem dele com o Lycox, que simplesmente chegou e começou a meter um loop a rodar enquanto ele ficou a perceber como trabalhar com essa abordagem. Acho que vai ser interessante perceber como a tua abordagem pode funcionar nesse contexto.
Para mim, o que eu gosto mais é mesmo essa desconstrução e tentar ver como podemos fazer as coisas parecerem abstractas e orgânicas ao mesmo tempo. Acho que é fixe. O que eu quero experimetar mais é mesmo desconstruir o som e ver se, com a ajuda de live coding, como podemos reajustar o tempo, o midiclock e ver o efeito disso. Mesmo com os sensores, ver como o meu movimento pode interagir com o som e ver como isso tudo pode funcionar. Temos muitas possibilidades.
O teu último disco, Micro Club, aborda bastante essa temática de desconstruir sons.
Sim!
Li a entrevista que deste à The Quietus em que discutiste a noção contemporânea de clubbing e de como pode ser mais interactiva e inclusiva. Pôs-me a pensar num local como o Planeta Manas, um club em Lisboa onde um dos espectáculos do Phonetics vai acontecer. Achas que o Phonetics pode ajudar também a remodelar essa noção?
Se pensares no Phonetics como alguém que está confortável com o seu corpo, no sentido em que sabe que a música [de club] é mesmo para dançar, sim. Se não, se considerares música porque tu gostas apenas de ouvir música porque tens, não sei, de escrever um artigo ou fazer bolachas, então não. Para mim, se estiveres à minha frente enquanto faço música e deres mesmo a tua energia, eu sinto-a e dou de volta. É uma ideia de pergunta e resposta e eu adoro isso. Isso, sim, pode dar vida outra vez aos clubs. Mas isso é algo também entre as pessoas, como elas comunicam umas com as outras. Não é só estar em frente ao DJ ou do produtor, mas é ter consideração onde se está no espaço, sabes? Esta reflexão, eu diria, pode ser boa e pode ser refletida na festa imediatamente.