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Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 04/05/2023

Bom rap com amor se paga.

Smino no Lisboa ao Vivo: um performer completo sem mácula na voz

Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 04/05/2023

Sexta-feira, 28 de abril, foi um dia especial. Nos 16 graus celsius que se sentiam em Lisboa, de mão em mão com um vento mais impetuoso, no ar pairava um aroma a St. Louis. O criador de Luv 4 Rent, um dos melhores álbuns do ano passado, Smino, iria tocar no início da noite no LAV, num espetáculo organizado pela Versus, que tem sido um dos maiores proponentes da cultura do hip hop em Portugal, já tendo organizado uma mão cheia de concertos de nomes que talvez não passassem cá de outra forma. Antes de anoitecer, os bilhetes da 2ª fase ainda não tinham esgotado mas, à medida que a sexta-feira foi decorrendo, também os ingressos foram voando e, no início do concerto, dava para perceber que não haveria razões para preocupação – o povo veio ver Smino. A sala estava completa, mas não se perdeu o sentido de intimidade que estes concertos têm passado através das redes sociais do rapper, e entre as 22h30 e a meia-noite dessa especial sexta-feira, todos os que estiveram naquela de sala de espetáculos sentiram uma particular ligação tanto com Smi, como com os que partilharam aquele espaço. 

Entrando em palco de rompante, carregando uma vontade transparente de que todos os olhos estivessem vidrados nele, Smino apresenta-se, refere que nunca tinha passado por Lisboa e que estava extremamente agradecido por ter vindo cá mostrar a sua música e por poder ver a beleza natural da capital. Não se alonga, no entanto, em introduções, e o cintilante início de “KLINK” rebenta nas colunas, rendendo imediatamente o seu público aos seus sensuais vocais que, com o decorrer da noite, se expandem ao longo de todo o seu alcance. Com umas ajudas de backing vocals, mas nunca deixando que a maioria das suas canções não passassem pelo seu microfone, segue o crescendo com “Rice & Gravy”, numa versão ao vivo com graves aumentados, e o ambiente sente-se logo ainda mais quente e um pouco mais familiar. A ligação fica mais próxima e dá para ouvir, na voz que nos canta, que a sua história construiu-o de uma ponta à outra. Felizmente, os problemas de som que se sentiram nestas duas faixas (a mistura estava muito densa e era difícil perceber Smi atrás dos 808’s trovejantes) pararam aqui, e o resto do concerto correu de vento em popa. 

Os sensuais vocais não se ficam pelos refrões melosos e carinhosos, pois em “SUMMER SALT” temos direito a uma exibição de flows em que a respiração não é obstáculo, com zero sílabas a faltarem em cada rima, o tom a manter-se pujante, mas afetuoso, numa performance que não pára e cujo público também se recusa a parar. Obedecendo aos comandos do seu chefe, de mãos no ar em jubilo com cada verso a sair da boca de Smino, ele próprio a aproveitar esta simbiose e a dançar, convidando Jeff, seu engenheiro de som, para partilhar o seu palco, rimar uns versos e dar uns pezinhos de dança (isto aconteceu várias vezes durante o concerto. Bonitos momentos). Em “Z4L”, com o seu refrão icónico, a audiência ajuda MUITO, repetindo como pedido todos os seus versos (e que bem que acompanharam), com o aparte de adicionar “and then she said: ‘I’m too fucking grown to teach you ride a clit’” ao final da canção, acabando esta primeira passagem por NOIR com risos e aplausos.

Depois de uma introdução a Luv 4 Rent, o seu último álbum, e de uma pergunta sobre quem o tinha ouvido – respondida com entusiasmo – os acordes de “Ole Ass Kendrick” iniciam, e é aqui que conhecemos verdadeiramente o talento e a força nas cordas vocais de Smi. O flow transporta-se entre o rápido e arrastado, de barra entre barra, o refrão é uma paragem para sentir no coração este poder, e ao final do primeiro verso a sala rebenta com adulação, e canta-se o refrão bem alto: “She… Bad!” Mas lembro – ainda estamos a começar, e com “90 Proof”, o nosso trovante pede para descerem as luzes e para os que o vêem levantarem lanternas, isqueiros, telemóveis — o que quer que seja que emita luz —, e o acompanhem na viagem que infelizmente é interrompida antes do verso de J. Cole, com a sala iluminada através da audiência, no que foi um dos momentos mais bonitos da noite, uma bonita união através da música. 

No final desta “90 Proof”, Smino escolhe alguém à sua frente, perguntando-lhe o nome – Max – e pedindo para que escolha uma das metades da audiência para onde se inserir, pois iria escolher a metade que fosse mais barulhenta, criando-se aqui uma competição de quem se conseguia fazer ouvir mais alto. O resultado talvez não interesse tanto como saber que o esforço foi valente de ambas as partes, até às últimas filas, e se sentiu ali que se estava numa comunidade ligada por um forte afeto à magia que estava em palco – magia que tomou um teor ainda mais escaldante com o início de “Netflix & Dusse”, um dos seus maiores hits. Até as paredes suavam com os luxuosos harmónicos no vozeirão sulista, com direito ainda a movimentos bastante… sugestivos. Talvez tenha sido este o momento alto da noite em termos de performance vocal – Smino é indiscutivelmente um dos melhores cantores no hip hop game, e isso transparece até nos seus concertos, sem ajudas externas (os backing vocals diminuiriam a experiência, e ele sabe isso). Puro.

Em todas as pausas em que um silêncio mais longo ocupava mais que cinco segundos, o público começava espontaneamente a gritar o nome de Smino, enchendo sempre a sala de vibrações positivas. Foi mesmo bonito de ver e sentir o apreço que o rapper tem por cá, o que certamente trará ainda melhores experiências de concerto para Portugal – a cultura está viva e bem acordada.

Aproveita o fade out para uma pequena conversa motivacional, e percebe-se que vem aí uma canção que lhe fica perto do coração. Smino ordena a quem o ouve que nunca deixe que um “motherfucker” lhes diga para parar, independentemente de quem é – agarrem os sonhos e façam-nos acontecer. Refere que vir à Europa já era algo que queria há muito tempo, pois teve a sua primeira tour por cá (marcada para 2020) cancelada devido à pandemia de Covid-19, mas que nunca parou de trabalhar para completar esse sonho que, agora na prática, tem sido incrível — mesmo com inúmeras noites sem dormir e com mais de 100 dias de viagens consecutivas, numa odisseia começada nos EUA o ano passado. E é com “I Deserve” que reivindica todos os seus direitos – depois de todo o trabalho, ele merece. Nós concordamos, e reforçamos o talento absurdo e a bela feitiçaria melódica a sair daquele microfone. Can’t nobody fuck with Smi’s kitchen

Seguimos com um dos momentos mais caricatos da noite, que destoou do resto do concerto talvez por um menor apreço em Portugal por “PIZANO”, que é largada duas vezes — a segunda por obséquio do rapper, que não sente o público a apreciá-la integralmente. Talvez pela canção ter passado ao lado em Portugal, sentiu-se ali que Smino estava à espera de uma efusividade maior – ela existiu, mas a sala não rebentou como talvez tenha rebentado noutros palcos europeus. De qualquer maneira, se “Netflix & Dusse” foi o expoente da performance vocal, “PIZANO” foi o expoente do rap da noite, com um controlo de respiração incólume e uma claridade nas palavras impressionante, sem espinhas, mesmo com moves durante a performance toda. Zero Fatigue, não é?

Começa “Matinee”, uma pequena pausa para puxar uma dança mais suave, numa celebração menos exacerbada, nunca destoando da alegria, preparando a cena para a faixa que recebeu a maior quantidade de apreço pelo público, como seria de esperar. “Wild Irish Roses” é introduzida com um conselho de Smi: se trouxeram algo para fumar, é agora o momento certo para o seu consumo. A batida ostentosa e tépida embala o público para uma performance hipnotizante com um alongar do refrão final para o nosso cantor puxar do seu tenor mais charmoso repetidamente, harmonizando a pergunta que se impõe: “Wanna ride with me to get some more / Pick a couple of wild irish roses” colocou toda a sua audiência em coro. Na noite anterior, Smi tinha finalmente conseguido as suas rosas diretamente da fonte, pois tinha estado em Dublin pela primeira vez e fez uma nota a mencionar isso e no quão sortudo e agradecido estava. Esta gratidão morna continua com as seguintes canções do concerto: “Curtains”, precedida por uma menção à quantidade de pessoas de cor no concerto (especialmente às ladies), e por um pedido de que naquele momento se celebrasse esta blackness; “Louphoria” é ternurenta e monta o cenário para mais um dos hits incontornáveis, “Anita”, que finaliza esta etapa com um condão afetuoso, com amor a propagar-se pela sala de concerto, com uma variedade de carinho a ser dado e recebido em jeito de abraços e beijos pelos casais que lá estavam. 

Já na reta final do concerto, os níveis de energia sobem outra vez, numa explosão final com “Pro Freak” e “No L’s” a fecharem (por um bocadinho) o espetáculo, com o último verso da primeira a ficar-nos na memória – nem na penúltima canção do concerto a voz de Smi acusa quaisquer falhas, um performer completo em todas as vertentes que isso abarca. O ar soalheiro de “No L’s” é respirado por todos, com uma melancolia já presente por sabermos que é a última faixa, mas isso não previne o público de chamar por Smino para mais uma canção, que faz o favor de reaparecer em palco, avisando, no entanto, que precisava de cuidar da sua voz, e por isso iria pedir-nos a nós o favor que o encore fosse com uma música mais emocional e menos energética. Não há problema nenhum connosco e as paredes suam pela (pelo menos) segunda vez nessa noite com “Amphetamine”, que vai ecoando até à despedida final. Um perfeito fechar da noite, com um amor palpável na ambiência do LAV. 

Um obrigado à Versus pela experiência e ao Smino pelo carinho especial que cá deixou. Nasceu e cresceu naquela sala muito amor ao hip hop.


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