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Publicado a: 29/11/2018

Sevdaliza: não chega ouvir, é preciso ver

Publicado a: 29/11/2018

[TEXTO] Vera Brito [FOTO] Zahra Reijs

Traçar o perfil de Sevdaliza não é tarefa fácil. Algumas pesquisas na Internet revelam-nos o óbvio: dados biográficos, percurso artístico, entrevistas, críticas — informação em abundância que à partida deveria ser mais do que suficiente para resolver a questão. No entanto, quanto mais nos debruçamos sobre todos esses dados, mais a sensação nos fica de que nos está a escapar qualquer coisa, algo escondido nas entrelinhas capaz de explicar tudo aquilo que Sevdaliza verdadeiramente representa.

Comecemos pelos factos: Sevda Alizadeh, 31 anos, nascida no Irão, abandonou o país natal ainda criança com os pais refugiados para encontrar abrigo na Holanda. Aos 15 anos saiu de casa, financiou sozinha os estudos, formando-se num mestrado em comunicação. Experimentou também a vida rígida de atleta de alta competição quando fez parte da equipa nacional de basquetebol e à idade adulta já falava fluentemente várias línguas: farsi, holandês, francês, inglês e, espantem-se, até o português, através de uma estreita ligação com a comunidade cabo-verdiana em Roterdão. Com esta mão cheia de dados já conseguimos perceber um pouco melhor de onde nasce essa sua independência e resiliência, e toda aquela força tremenda que nos assombrou nas suas interpretações quando a vimos em palco (a última vez no Super Bock Super Rock do Verão passado). Sevdaliza é alguém que reclamou as rédeas ao destino, que não aceitou a vida que lhe estava à partida reservada — alguém que nunca irá permitir que escrevam por si a sua história: “I didn’t want to live the life that my past had chosen for me, because it was mostly based around suffering”, pode ler-se num artigo da Fader.

A sua carreira musical já despontou algo tarde, dentro daquilo que são os padrões normais, a late bloomer aos 24 anos, mas nunca escondeu, em várias entrevistas lidas, o papel fulcral que a música sempre desempenhou na sua vida, um suporte nas muitas adversidades que enfrentou e uma descoberta em vários momentos-chave do seu crescimento, enquanto ser humano, enquanto mulher. O disco de estreia, Ison, só aconteceria em 2017, após dois EPs, um cometa a rasgar com um brilho fulgurante o mal amado trip-hop, que desde há alguns anos para cá parece ter ficado renegado à música ambiente de bares lounge. ISON foi como uma pedrada nesse charco de batidas lentas, com aquela voz inebriante de canto de sereia e todas as questões que colocava, muitas no feminino, mas sempre reais e humanas: “It brings me back to life/ How can I suffer without the pain?/ Can we struggle without the shame?”.

 



Sentimos, no entanto, que ouvir ISON, e os outros EPs, por si só não é o suficiente para nos conseguirmos aproximar de Sevdaliza, para chegar mais perto é preciso sobretudo ver e, se possível, ver um concerto seu. Em palco, a deusa de gestos extravagantes e aparência exótica, confunde-se muitas vezes com a humana de postura e palavras humildes muito próxima a nós — não nos esquecemos dos abraços calorosos que distribuiu pelo público no final do concerto no Super Bock Super Rock ou de como agradeceu de forma emocionada, a todos os presentes, por tornarem possível que tenha hoje uma carreira independente.

Mas dizíamos que para tentar perceber um pouco melhor o mundo de Sevdaliza é preciso abraçar toda essa sua componente visual, pela qual parece muitas vezes comunicar melhor até do que através da sua música. Por vezes, a música, parece ser somente o veículo para lá chegar — basta ver o videoclipe de “Human” ou, o mais recente, “Shahmaran” (que ganhou o prémio para “Best Alternative Video International” nos UK Music Video Awards) para entender do que estamos a falar. As suas fortes mensagens embelezadas por metáforas muito ricas visualmente parecem-nos até fáceis de alcançar, e se assim é porque é que então nos fica novamente a sensação de que estamos apenas a roçar a superfície? Não queremos reduzir Sevdaliza ao cliché de misteriosa, mas parece-nos que existem ainda muitas camadas suas por revelar, muitas das quais nem a própria sabe que possui…

 


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