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Fotografia: Guilherme Cabral & Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 16/07/2023

Provavelmente o alinhamento mais sólido da edição deste ano.

SBSR’23 — Dia 3: L’Impératrice e Ezra Collective brilharam na despedida do Meco

Fotografia: Guilherme Cabral & Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 16/07/2023

Que melhor maneira haverá de começar um festival do que com um concerto dos Ezra Collective? Embora sejam uma banda que merece um lugar de maior destaque no alinhamento, os londrinos foram perfeitos para dar o arranque ao terceiro e último dia desta edição do Super Bock Super Rock.

O quinteto liderado pelo baterista Femi Koleoso e também composto pelo trompetista Ife Ogunjobi, pelo saxofonista James Mollison, pelo baixista TJ Koleoso e pelo teclista Joe Armon-Jones deu-nos música. E isso não é dizer pouco. Fosse através de um registo mais jazzístico ou afrobeat, passando por sonoridades reggae, os cinco virtuosos tocaram sem parar um elevado conjunto de notas que, em harmonia, encaixaram na perfeição e fizeram maravilhas pelos nossos ouvidos não houve um acorde fora do sítio, uma qualquer falha rítmica. Foi realmente a definição de música.

Como fizeram questão de frisar, “alegria” é a palavra que define o seu som e energia e, aos poucos, conseguiram despertar a plateia que ia crescendo a olhos vistos —, tornando o Meco na “maior pista de dança de Portugal”. Quando deixaram o palco e levaram os instrumentos até ao fosso, e depois, logo a seguir, foram ainda mais longe e irromperam mesmo pelo meio da multidão, mostraram que não é necessário voz nem palavras para conseguir mover um público e fazê-lo verdadeiramente vibrar, com todos a dançar efusivamente como se já estivessem no terceiro ou quarto concerto do dia. O Meco ficou rendido, as expectativas foram superadas e este verdadeiro festão só provou (mais uma vez) o quão extraordinária é esta banda.

— Ricardo Farinha



Jessica Smyth, que na música assina como Biig Piig, era para se ter estreado em Portugal no festival ID No Limits mas a pandemia trocou-lhe as voltas e a estreia ficou adiada para a edição de 2023 do Super Bock Super Rock. A artista irlandesa apresentou-se então no Meco ao pôr do sol, num registo que coincide bem com a sua música, mostrando aquilo de que é feita.

Acompanhada por uma banda de cerne mais jazzístico (destaque para a portuguesa Raquel Martins na guitarra), a sua música expande-se em muitas direcções, desde canções amorosas próximas de uma estética neo soul, ligeiramente dançáveis, até à explosão electrónica de alguns temas que até levaram a que se começasse um pequeno moshpit. O facto de tanto cantar em inglês como em espanhol também a diferencia, claro.

Acima de tudo, Biig Piig é liberdade. A forma como se movimenta ao vivo, a dançar e a correr pelo palco como se estivesse num prado irlandês, liberta e a sentir cada excerto das suas canções, foi essencial para contaminar o público com esta energia e criar ali um certo espírito de comunhão, ainda que o ambiente estivesse algo morno. Seja como for, nota mais do que positiva para Biig Piig, que provou ser uma bela performer através de canções recentes e outras não assim tão novas.

— Ricardo Farinha



Era um dos nomes mais aguardados da noite e não desiludiu. Poucas semanas após ter feito a abertura de The Weeknd no Passeio Marítimo de Algés, KAYTRANADA voltou onde já tinha sido feliz em 2019, para um set no Meco recheado de beats dançáveis, que naturalmente muito passou por aquele que continua a ser o seu disco mais marcante, 99.9%, editado em 2016.

Ao longo dos anos, o produtor canadiano de origens no Haiti tem-se vindo a afirmar cada vez mais na música popular, e isso sentiu-se quando assistimos à verdadeira enchente para o ver no palco principal do Super Bock Super Rock. Quando tudo fazia crer que seria um dia muito menos concorrido, o set de Kaytranada coincidiu com a chegada de mais uns quantos milhares de festivaleiros, que foram preenchendo o recinto.

Rodeado de um enorme set de iluminação, a performance de KAYTRANADA também passou por BUBBA (2019) e pelo seu mais recente projecto, KAYTRAMINÉ (2023), construído em parceria com o rapper Aminé. Não foi uma actuação surpreendente, mas cumpriu tudo aquilo a que se propunha, deixando a plateia bem-disposta e a balançar os corpos através do seu som digital muito carregado de melodias analógicas. Embora os efeitos de luzes tenham resultado melhor quando o dia deu lugar à noite, compreendemos o apelo de ter KAYTRANADA como DJ de uma verdadeira sunset party. “Lite Spots”, como não poderia deixar de ser, com a voz doce de Gal Costa, foi um dos momentos altos do alinhamento.

— Ricardo Farinha



As sonoridades britânicas que tomaram conta da electrónica durante a transição do milénio estão de volta e são quer para miúdos, quer para graúdos. Os mais novos deliram com a frescura de géneros que ficaram ofuscados durante muitos anos, os mais velhos certamente sentem a nostalgia do tempo das rádios pirata, dos videoclipes das Mis-Teeq e de Dizzee Rascal ou das bandas sonoras de alguns jogos da Playstation. Um dos principais nomes a representar este imbróglio de emoções é PinkPantheress, que está a trilhar um caminho bem singular e em clara ascensão no espectro da pop, com recurso a estéticas musicais que chegaram a estar em sério perigo de extinção, como o garage e o drum & bass.

Há algo no ADN dos portugueses que faz de nós um povo sedento por cultura e com especial aptidão para navegar e ir em busca de novas tendências. Essa é uma das razões pelas quais vemos com frequência algumas enchentes em palcos ditos “secundários” dentro dos grandes festivais do país, e no SBSR isso parece que se nota ainda mais. Dito isto, já esperávamos que a cantora inglesa tivesse bastantes pessoas na expectativa de a ver e escutar, só não estávamos propriamente a contar que essa expectativa fosse resultado de uma vincada admiração pela sua proposta de hyperpop, ao ponto de haver muitas letras decoradas por entre as cabeças da audiência. A julgar pela sua cara, nem a própria PinkPantheress sabia que ia por ali encontrar tanta gente realmente interessada naquilo que anda a fazer, algo que parece tê-la deixado meio desorientada ao longo do espectáculo.

Se arrancou com “Break It Off”, é porque começou da melhor forma possível. Reminiscências de Roni Size promovem passos de dança mais frenéticos que fazem contraste com os desgostos versados pela artista. Quando chegou a “Passion”, a cabeça andou à roda com ambiências ao estilo de bedroom pop sobre um break despido que tão bem serve as vulnerabilidades da sua autora. Entre as suas primeiras interações connosco, ficou claro o espanto em perceber que tem tantos fãs em Portugal, aproveitando ainda a presença de KAYTRANADA no cartaz para deixar uma homenagem ao canadiano, com quem já partilhou um tema, “Do You Miss Me?” — “Ele é uma das razões pelas quais faço isto. Uma das minhas grandes inspirações, a seguir a My Chemical Romance.”

Ouvimo-la sussurrar à banda — trouxe consigo uma DJ, um teclista e um super-baterista — para saltar uma canção do alinhamento e, não muito depois, voltava a dirigir-se a nós para garantir que todo o amor que estava a receber em palco ia ser recompensado — “Vou usar a minha hora inteira de concerto, mas não tenho assim tanto repertório. Por isso vou fazer algumas paragens entre temas para ir conversando com vocês.” Recolheu um dos cartazes em exposição na frontline, foi prendada com um panamá verde e tocou mais algumas faixas, como “Pain”, “Just For Me” e, claro, “Boy’s a Liar Pt. 2”, um dos mais estratosféricos êxitos que 2023 nos reservou — e fez muito bem em deixar o verso de Ice Spice animar a multidão. Acabaria por sair da nossa vista sem cumprir a tal hora de show que tinha prometido, parecendo meio desnorteada com o apoio que estava a receber por parte dos portugueses, sem que isso em nada tenha afectado a sua performance.

— Gonçalo Oliveira



Já sabíamos que Chico da Tina era um fenómeno e que as suas actuações eram explosivas, com moshpits constantes e uma chuva de insufláveis que só tornam tudo ainda mais caótico. Mas nada nos podia preparar para a experiência de assistir pela primeira vez a um concerto da Minho Trapstar, rapper de Viana do Castelo que tem vindo a trilhar um percurso ímpar no cada vez mais multifacetado mapa do hip hop tuga.

Original por cruzar a cultura minhota com os códigos e os sons do trap, Chico da Tina parece ter-se vindo progressivamente a afastar desse conceito, existindo agora no próprio universo, difícil de descrever para quem não está inteiramente por dentro, mas que está bastante na fase de demonstrar o que já conseguiu conquistar após o sucesso. Ao vivo, apresenta-se com uma comitiva de quase 10 pessoas, quase todos hypeman à sua maneira, que correm e saltam pelo palco, incitando à energia da plateia, ostentando adereços e bandeiras.

Houve um apelo constante para se abrir a roda do mosh, mesmo quando a música não o pedia de forma natural, e ficamos com a sensação de que a quantidade absurda de insufláveis pelo ar prejudica de alguma forma a dinâmica do concerto. Com vídeos conceptuais ou um autêntico discurso do seu companheiro Fredo, em palco Chico da Tina aposta numa performance que tem muito mais de entretenimento do que de música mas não é todo o seu projecto assim? 

Com letras (supostamente) divertidas, que atraem um público juvenil pelo facto de serem arrojadas mas também simplistas, combinadas com beats modernos de trap e flows cativantes, não podemos dizer que a performance não seja eficaz. Existe claramente um público para isso, que anseia por esta descarga enérgica das suas actuações. Só temos dúvidas de que Chico da Tina possa continuar a evoluir muito mais para lá do patamar que, com mérito, já construiu para si. E torna-se difícil decifrar as suas ambições artísticas quando falamos de uma persona que nunca foi desconstruída pelo seu autor. No concerto, não houve referência ao disco conceptual que acaba de lançar, Tina Dance Mixtape (Sabor 2000), embora tenha interpretado alguns dos singles.

— Ricardo Farinha



Antes de Parov Stelar ter assinado aquele que foi, provavelmente, o melhor concerto do palco principal da noite de ontem — as reservas de energia já não nos permitiram acompanhar todo o espectáculo, mas o pouco que escutámos e as reacções que recebemos vão todos nesse sentido —, a expectativa estava toda apontada a Steve Lacy. Afinal de contas, estamos a falar do génio precoce que funcionou como cérebro dos The Internet, produziu êxitos para Kendrick Lamar ou J. Cole num iPhone e que é agora uma estrela pop à escala planetária depois de se ter começado a atirar aos discos em nome próprio — o seu mais recente Gemini Rights, curiosamente, celebrava precisamente ontem o primeiro ano de vida.

Ao olharmos para a estrutura montada para o receber no Meco, percebemos logo que este seria um daqueles espectáculos com elevado nível de produção. No centro do palco havia um grande ecrã que se dividia ao meio, dando espaço para que o cantor, guitarrista e produtor surgisse perante o seu público. Por vezes, nesse ecrã, víamos a boca de Steve Lacy projectada a fazer lip-sync de alguns temas do alinhamento, enquanto que num painel ligeiramente acima estavam os seus olhos, procurando replicar-lhe o rosto inteiro em grande escala. O efeito é agradável, mas aquele mono no meio da zona de acção abafa por completo a experiência de ver todos os músicos a tocar em simultâneo. É certo que o jovem de Compton, California, seria sempre o centro das atenções, mas fez-se acompanhar de uma banda bastante grande que nunca conseguimos decifrar por completo — muito menos apreciar a forma como tocam.

A postura em palco faz lembrar uma espécie de filho mais apático que Niles Rodgers e Prince nunca tiveram. É fácil gostar da música que faz e detectar-lhe o devido talento, mas talvez lhe falte alguma energia extra para condizer com o estatuto de cabeça-de-cartaz que lhe é depositado. Faz toda a diferença e facilmente percebemos isso quando vemos a sua postura a solar na guitarra — aconteceu por duas vezes, nos finais de “Lay Me Down” e “Sunshine” —, completamente rendido ao instrumento e a transpirar emoção, um pouco ao contrário do que faz quando tem de encarar a audiência e expressar-se pelo microfone.

Ao nível do alinhamento que escolheu para aquela noite, foi a todos os pontos da sua carreira. Deu destaque ao LP de estreia Apollo XXI, passou por The Lo-Fis e até parou por breves momentos a meio do concerto para dizer que, ao contrario do que se pensa, os The Internet não só não terminaram como até estão a preparar novo material neste momento. O eixo de referência foi, claro, Gemini Rights, álbum aniversariante que lhe valeu a estatueta para Best Progressive R&B Album na edição deste ano dos GRAMMYs — a dada altura, o público uniu-se para lhe cantar os parabéns em português, mas a melodia, que é igual em grande parte do globo, parece não ter sido decifrada por Lacy. “Bad Habit” e “Dark Red”, as suas duas músicas mais populares, formaram a grande cartada que jogou antes de se retirar.

— Gonçalo Oliveira



Melhor do que ir a um festival ver artistas que adoramos é encontrar por lá algum novo nome que nos cative e nos ganhe enquanto fãs. Parece quase um pecado dar entrada no último dia do SBSR sem ter bem a ideia de quem são L’Impératrice, mas os comentários ao nosso redor eram tantos e positivos que decidimos logo tomar nota para não os perder. A aventura de ontem até era para ter terminado ao som de Moullinex & GPU Panic, mas a verdade é que a banda parisiense protagonizou uma performance arrebatadora que não deu um único minuto de descanso ao longo da hora em que tomou conta do palco Pull & Bear, não nos deixando com mais energias para continuar a dançar pela noite fora.

Achille Trocellier, Flore Benguigui, Charles de Boisseguin, David Gaugué, Tom Daveau e Hagni Gwon formam o sexteto francês que é fluente em todas as linguagens musicais possíveis de expressar o conceito de groove. Mal soaram as primeiras notas, percebemos rapidamente que tínhamos caído numa armadilha sonora da qual é impossível escaparmos sem que o concerto chegue ao fim. Deram-nos uma tareia “daquelas”, do primeiro ao último segundo, através de uma série de temas que evocam disco, funk, soul, r&b e jazz de pulsações bem firmes e alto teor cósmico.

Os corações luminosos que todos traziam ao peito podem muito bem servir apenas para nos atirar areia para os olhos, porque L’Impératrice são claramente oriundos de outro planeta que não o nosso — e as partes de baixo das suas vestimentas, todas de verde, dão mais força a essa ideia de um grupo de músicos alienígenas que aterrou a sua nave algures pelo Meco. Depois, os seus poderes ao nível da hipnose são claramente sobrehumanos: a actuação da banda foi captando tantas atenções quanto possível (provavelmente a maior enchente do Pull & Bear deu-se naquele preciso momento) e quem arriscava em lá passar, cedia automaticamente à dança e à boa disposição que os autores de Tako Tsubo oferecem. Nota 10/10.

— Gonçalo Oliveira


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