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Fotografia: Tomás Oliveira
Publicado a: 10/10/2022

Com resiliência, optimismo e paixão num campo (minado) de jogos e ilusões.

Rochelle Jordan: “Torna-se complicado quando amas tanto algo e depois começas a fazer disso um negócio”

Fotografia: Tomás Oliveira
Publicado a: 10/10/2022

Exposta a música desde tenra idade e decidida a vingar, dos subúrbios do Canadá para o mundo, Rochelle Jordan lançou-se numa aventura com toda a garra, resiliência e determinação que até hoje a acompanham. Brilhando que nem bola de espelhos e agora pronta para tomar de assalto todas as pistas de dança, munida das suas músicas de fusão dos mais expressivos géneros que convidam a esse mesmo acto, Jordan mostrou o quão longe se consegue ir quando se têm as ideias no sítio certo, o ritmo na ponta dos dedos e a soul na voz.

O Rimas e Batidas esteve com a artista antes do seu concerto na edição deste ano do Iminente para uma conversa sobre a sua carreira, projectos futuros e todos os obstáculos que ultrapassou para aqui chegar, tudo isso com uma transparência tão bonita como inspiradora vinda de quem parou de contrariar a mudança e começou a brincar com ela.



Ao teres nascido em Inglaterra e crescido em Toronto, como é que sentes que isso influenciou a maneira de criares música?

O som e a energia da música de Inglaterra vieram comigo, de certa forma, para o Canadá, porque os meus irmãos são mais velhos do que eu. São uns 10/15 anos mais velhos, então sabiam muita coisa, já estavam na indústria musical e andavam sempre em raves e assim, traziam cassetes, malas cheias de cassetes – especialmente o meu segundo irmão mais velho — com garage, drum’n’bass, jungle.

Alguns títulos que te vêm à cabeça?

Ele não tem os títulos. O meu irmão é autista, mas é obcecado com música, então ele costumava tocar as canções mesmo muito alto pelo quarto e eu era uma criança pequena que ficava só a ouvir [risos]; ouvia aqueles acordes incríveis e vocalistas cheios de soul e acho que foi aí que se formaram as minhas raízes, que até hoje mantenho, a partir desse tipo de som que ouvia do meu irmão. Mas também o Canadá é um melting pot, com muito dessa cultura das Índias Ocidentais e da Jamaica, e todas estas diferentes coisas influenciaram a minha música de certa maneira e isso permitiu-me ir em busca da minha própria sonoridade, retirando e juntando esses pequenos elementos de tudo.

Também um melting pot de música, portanto.

Um melting pot, ya! E isso não é necessariamente fácil de se fazer, fico muito grata de ter tido a oportunidade de me encontrar entre todos estes mundos diferentes; foi basicamente isso que aconteceu.

Quando é que te apercebeste que era isto que querias fazer e como é que começaste?

Eu já canto para aí desde os meus cinco anos; foi aí que os meus pais se aperceberam que eu cantava muito [risos] e depois quando eu estava no sétimo ou oitavo ano cantava em eventos da escola, em concursos de talento. Também sempre quis e soube que era isto que eu queria fazer, mas não sabia como é que o ia fazer, porque eu estava lá para trás do sol posto nos subúrbios do Canadá, não se passava lá nada [risos], só pensava: “Como é que eu vou fazer isto? Será que é possível?”

Como é que aconteceu? Foi a Internet?

Exactamente. Pus-me no YouTube depois do Justin Bieber ter alcançado a sua fama [risos].

Pensaste mesmo: “Agora vai” [risos].

Eu fiquei tipo: “Ohhhh, YouTube, hum?” [risos]. Comecei a gravar músicas e a pô-las no YouTube e depois fui encontrada pelo meu produtor KLSH, que produziu Play With The Changes, o meu álbum novo. Estamos a trabalhar juntos desde 2009. Ele é simplesmente incrível e juntou-se ao Machinedrum e ao Jimmy Edgar, foi como se o universo estivesse a conspirar no tempo certo e a empurrar-me, eu toda do género: “wow, o que é que está a acontecer, estou a conhecer estas pessoas todas, não estou a perceber”. [Risos] Mas é mesmo incrível como tudo funcionou no fim.

God’s plan [risos].

Exato [risos]. Shoutout ao Drake.

Como descreverias a tua sonoridade?

É definitivamente uma fusão. Acho que simplesmente usamos essa palavra, mas a minha música é uma fusão de soul e música de dança electrónica, um pouco de house. A intenção é mesmo criar pontes entre estes gaps que existem no universo da música soul e no universo da música de dança electrónica. Tudo o que estiver aí no meio é onde eu estou.



Na música “Count It” — presente no teu mais recente álbum — dizes: “I was living like a prisioner in my own mind”. Quais foram os obstáculos mais desafiantes que enfrentaste para chegares ao sítio onde estás agora?

Falando dessa música em específico, eu inspirei-me muito no filme Waiting To Exhale. Nesse filme, a Angela Bassett estava numa relação duradoura com um homem, tiveram filhos, ele era muito bem-sucedido e ela queria começar o seu negócio, mas ele dizia sempre: “Não, espera até eu chegar a um certo nível”; e quando ele chegou onde queria chegar acabou por deixá-la e arranjar outra pessoa e ela ficou sem nada. Eu definitivamente “bebi” dessa mensagem, sabes? Quando digo: “living like a prisioner in my own mind, now I stash it high” é porque tu nunca sabes o dia de amanhã, então ponho dinheiro de parte para ter o meu pé-de-meia, em caso de emergência. Isso é tão importante, não só para mulheres, toda a gente o devia fazer. Se és independente, nunca sabes o que a vida te vai trazer, mesmo tendo um parceiro. Se alguma coisa acontece, tu tens o teu, eles também têm. Mas também falando sobre a indústria musical, tens estas editoras que fazem o mesmo tipo de cena, em que põem o dinheiro acima de ti e andas ali a segui-los e se disseres não ou estiveres contra algo sais prejudicada e depois percebes que foste completamente enganada. Cais numa depressão e lá vais tu. Então, essa música surgiu com o propósito de empoderar mulheres para terem o seu próprio dinheiro, é ok. Não importa o que acontecer, assegura-te de que és capaz de te sustentar a ti própria. Foi a minha mãe que me passou este ensinamento.

Qual é o conceito de Play With The Changes?

Eu acho que na altura em que esse título surgiu na minha cabeça foi por volta de 2019; andava há muito tempo à procura de um título e estava constantemente a mudar de ideias, mas foi mais ou menos isso que aconteceu: estava tudo a mudar à minha volta. De mau management e depressão a outros problemas de saúde, estar dentro e fora do hospital e depois criar. Torna-se complicado quando amas tanto algo e depois começas a fazer disso um negócio, pode mesmo destruir o amor que tens pelo ofício. E isto são coisas pelas quais um artista tem de passar constantemente e muitas vezes quem está de fora não tem a oportunidade de ver ou não sabem o que se passa, só veem o glamour da coisa; mas não, não é glamoroso, é horrível. “Ai é tudo tão bonito!” Não, é traumatizante, não conseguimos dormir de noite [risos]. Mas, contra tudo, foi preciso acreditar, ser resiliente, manter-me fiel a mim mesma e confiar que o universo ia mudar. A vida está sempre a mudar. Às vezes as coisas vão ser horríveis e depois outras vezes vão ser incríveis, então pensei para mim própria: “sabes que mais? Pára de resistir à mudança porque isso não está a ajudar. Vamos divertir-nos com isso.”. Nesse momento estava também a criar com os meus produtores que me estavam a trazer beats de doidos, de explodir o cérebro, coisas estranhas que me mostravam as suas identidades e eu acabei por achar que esse era o título perfeito; brincar com as mudanças, divertirmo-nos neste mundo em que estamos.

Em Setembro lançaste a versão de remisturas desse álbum. Qual foi o processo para escolher quem faria parte desse projeto e quem faria cada remix? Tens o Kaytranadaaaaaa!

Tenho o Kaytranadaaaa, eu sei! Ele é tão incrível e é super bom ter outro artista do Canadá que aprecia a tua música como eu aprecio a dele, isso é muito positivo. Mas sim, ele apaixonou-se pelo álbum e houve uma conexão entre nós e eu acho que foi ele que fez o primeiro remix desse projecto; nós não tínhamos necessariamente a intenção de fazer um projecto de remixes porque o álbum original já é bastante uptempo, mas, quando ele deu o flip na “All Along” para o seu próprio ponto de vista, ficámos do tipo: “ok, temos que mudar isto outra vez” [risos] e depois todos os outros produtores incríveis juntaram-se.

São artistas que costumavas ouvir?

Sim, pessoal que costumava ouvir, pessoal que me mostraram e ouvi os sons deles e achei que se adequavam. Fundiu-se tudo, ficou perfeito no fim. 

Achas que isto funcionou como uma maneira de entenderes melhor com quem gostarias de trabalhar futuramente e “levar” para futuros projectos?

Por acaso ya, foi exactamente isso. Ouvir alguns dos seus sons foi tipo: “ok, isto é uma direcção muito fixe e talvez precisemos de os incluir”. Sou muito picuinhas com os produtores, mas é assim que consegues aquele som específico, aos manteres as cenas exclusivas, rigorosas e intencionais. Mas, sim, ajudou a mover as engrenagens relativamente a quem eu quero talvez que avance para o meu próximo projecto.

Há alguma música no álbum pela qual tenhas um carinho especial?

No projecto original eu diria que a música pela qual tenho um carinho especial é a “All Along”. Sinto que é super especial, não esperava. Eu já tinha essa música há muito tempo e tinha toda outra produção e eu e o KLSH “lutámos” durante anos por causa dela; ele só dizia “alguma coisa aqui ainda não está bem” e eu achava que já estava incrível. Passámos muito tempo a discutir e depois um dia ele despiu a cena e começou a tocar todos os acordes e eu fiquei completamente chocada. Pensei: “isto é outra música, tenho de a cantar de maneira diferente”. Depois envolvemos o Machinedrum e explodiu.

Tens uma música preferida de cantar ao vivo?

Uhhh… “Dancing Elephants”. É a minha preferida de cantar, muito divertida, super vibey, toda a gente fica bué hyped, é boa.

Há alguma mensagem que queiras passar com a tua música? Sentes que tens algum tipo de responsabilidade que surge como consequência dessa visibilidade e sucesso?

Eu acho que enquanto artista independente podes ficar muito em baixo porque sentes-te muito sozinha, mas asseguro-vos que há luz ao fundo do túnel; e é preciso ter resiliência, às vezes é preciso ser-se um pouco iludida também, tens de pensar de forma positiva a toda a hora e manter essa energia a correr. Mas eu acredito em artistas independentes, acredito na alma dos artistas, então tenta só não perder isso. E ser artista não é sempre preto e branco. As pessoas pensam que por seres um artista não podes trabalhar das nove às cinco ou que não podes estar a estudar, que tens só de fazer isto, mas não. Podes ser um artista e fazer outra coisas. Podes viver noutros universos, ser-se artista não invalida isso, tu podes fazer qualquer coisa ou até tudo ao mesmo tempo — se quiseres — e sobreviveres. 


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