Chama-se Chão de Cobras, o novo trabalho de Ricardo Martins, incansável músico que aqui acrescenta voz e sintetizador modular à bateria que tem espalhado por tanta e tão relevante música portuguesa. O músico com que nos fomos cruzando em projectos como Bruxas/Cobras, Jibóia, Lobster, Chão Maior, Fumo Ninja ou Papaya — para listar apenas uma ínfima parte do seu currículo — toma agora inspiração na música criada para cinema para nos dar uma nova aventura que recebe carimbo da Revolve. Música que se faz de vontade de experimentar e de inquietação criativa, dois eixos que costumam garantir ideias novas e relevantes. Para nos apresentar este Chão de Cobras, Martins respondeu a algumas questões.
És um colaborador nato e já integraste mais bandas do que as que conseguimos contar com os dedos de duas mãos. Não é a primeira vez que fazes música em nome próprio, mas já há algum tempo que não acontecia. O que te levou a querer pisar este Chão de Cobras?
Esta viagem começou em 2009 e nos últimos anos tem sido constante. O Furacão foi editado mensalmente pela Jeff durante 2016 e materializado em vinil em 2018 e o Incerteza Absoluta pela Revolve o ano passado. Comecei a criar mais música para teatro, [algo] que implica processos de criação mais longos que enfrento sozinho. Talvez por isso, e influenciado pelas máquinas que vou usando, a vontade de fazer música a solo tenha sido amplificada.
Bateria, synth modular: que música é esta? Como a descreves? Ou como a sentes?
Tenho uma relação diferente com a ideia de projecto a solo, sinto uma ligação muito profunda a estes temas. Sinto tudo com muita intensidade, sofro mais… mas é parte da vida de cientista punk. Isto tudo resulta da eletricidade que está na sala no dia da gravação, de como me sinto nesse dia, nessa semana… da amizade e familiaridade com o Bruno Xisto e com o João Descalço, mas também da narrativa das músicas, do desenho de som e do pós-gravação (nas cadeias de pedais de guitarra, delays de fita, processos de reamping, etc.).
Há algo de muito telúrico nesta música, quase como se estivéssemos a sentir as placas tectónicas a mexerem-se. A energia é tremenda. De onde vem?
Acabo uma gravação a pensar já na próxima. Pode vir daí, desse ferver. Sinto que descubro sempre algo novo que depois uso em banda ou noutros contextos. Nesta gravação comecei a usar um synth vocal e de repente abriram-se novas portas. Vejo novas músicas e isso contagia.
Podes apontar-nos referências para este som?
É muito difícil, tem sido uma viagem tão pessoal que vou perdendo referências. Sem dúvida que a busca mais noise, mais do movimento do som. Da relação entre a bateria e o CV (Control Voltage). Tenho ouvido muito música para cinema, provavelmente é um ingrediente importante neste momento.
Que vitaminas dão aos bateristas portugueses que nestes últimos tempos temos sentido incríveis ideias a nascerem-lhes dos pés e mãos. Sentes-te parte de um movimento maior?
É um gosto ouvir vários desses discos de bateria, de quem toca bateria e a tem na imaginação. Ver tantos discos com ritmo como ponto de partida. Acho que há muita música boa, nova e fresca. A bateria também faz parte dela.
Tens o Bruno Xisto como convidado. Como aconteceu?
Aconteceu de uma forma muito orgânica e natural, o Bruno tem sido uma constante nesta viagem, gravou muitos dos discos que fiz com várias bandas no Black Sheep Studios, em particular o Incerteza Absoluta. Nesta gravação ele estava lá dentro na régie, com o Moog ao lado, começou a tocar e fez todo o sentido. Há esse à-vontade, essa proximidade. Deixa-me contente que o que eu estava a fazer o tenha inspirado a participar e isso acabou também por influenciar o que eu estava a fazer.
Planos para apresentar este Chão de Cobras ao vivo?
Por agora dois ou três concertos em Abril. Este ano gostava de fazer uma tour grande. Vamos lá ver…