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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/10/2021

A loucura da normalidade.

#ReBPlaylist: Setembro 2021

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/10/2021

Por esta hora, Billie Joe Armstrong já estará bem acordado, bem como muitas das pessoas que puderam voltar a sair com liberdade e, esperemos, responsabilidade nos últimos dias. No entanto, muita da música que escolhemos para esta selecção mensal ainda vinha com o selo de “canções para ouvir bem alto quando os bares e discotecas regressarem ao seu normal funcionamento”.

Da internacionalização de uma fadista de Barcelos com co-sign de Flying Lotus ao encontro de almas castelhanas, passando por resultados de sessões de quarentena ou cantigas da paisagem electrónica moderna, a banda sonora do desconfinamento total pode ser encontrada aqui.


[Neil Landstrumm] “Dog Falls”

Dia 1 está aí, e com ele o regresso das pistas de dança — e que falta fez esticar as pernas, agitar braços e fazer algum cardio depois de vários confinamentos em apartamentos mais pequenos do que o recomendado para evitar a decadência de músculos e ossos. Isso acabou e a editora Sneaker Social Club não podia ter escolhido melhor timing para lançar aquilo a que, commumente e nestes meandros, se chama de banger: “Dog Falls”, do EP Yell Yell de Neil Landstrumm, cumpre todas as regras do bom d&b hardcore, passa pelo inevitável amen break e ainda usa samples familiares para quem curtiu largo em 1992. Quase 30 anos depois, que parece o tempo que passou desde Março de 2020, podemos celebrar os BPMs elevados, a par com a vontade de dançar que acompanha as massas. Se isto rebentar num sistema de som desse mundo fora, espera-se uma comoção.

– André Forte


[Dave Okumu] “RTN”

É possível que o nome de Dave Okumu a poucos soe familiar, mas é praticamente impossível que alguém ainda não se tenha cruzado com a sua música. Nascido em Viena de Áustria, mas a viver no Reino Unido desde os 10 anos, Okumu sofre da maldição de fazer música maior do que si mesmo. Como produtor, assinou trabalhos de grupos e artistas como Disclosure, Duval Timothy, Ghostpoet ou Jessie Ware. Já como instrumentista, tem participações em álbuns de Us3, 4hero, Jordan Rakei, Sons of Kemet, Adele, Lianne La Havas, entre muitos outros. Mas a sua extensa lista de colaborações não acaba por aqui, tendo também já trabalhado com nomes tão sonantes como Amy Winehouse ou Tony Allen, para além de ser membro dos The Invisible e OHS Trio. Ora, de alguém profundamente conhecedor das cores, formas e texturas da música das últimas décadas, não poderíamos esperar menos do que o que nos é apresentado em Knopperz, álbum lançado no passado 24 de Setembro pela londrina Transgressive Records no qual Okumu se estreia como autor em nome próprio. 

O single aqui apresentado, “RTN”, é uma síntese absoluta das ideias que o multifacetado artista incorpora neste disco. Num registo que pretende emular uma fidelidade sonora tangencial ao lo-fi, não fosse este um projecto que homenageia o clássico Donuts de J Dilla, Okumu saltita habilmente entre vários géneros estilísticos, frequentemente mesclando-os entre si, com o hip hop e o jazz a surgirem como os mais preponderantes. Aos breaks e beats de base são, assim, adicionados samples, muito deles retirados de Sen Am de Duval Timothy, e instrumentos a gosto, com a guitarra, o piano e o saxofone a serem os predilectos, surpreendendo sempre com a frescura das suas intervenções. E, claro, tudo isto surge misturado numa tela que se vai partindo e desformatando à medida que cuts drops sincopados rompem inesperadamente, deformando o solo como se de toupeiras emergindo à superfície se tratassem. Um álbum não só essencial para produtores e beatmakers, mas que também agradará a todos aqueles que procuram obras alternativas esculpidas com matéria mainstream.

– João Morado


[The Jeggas] “Don’t Wait For Me”

“Don’t Wait For Me” é o terceiro e último single de apresentação do primeiro álbum dos lisboetas The Jeggas, que tem lançamento previsto para os primeiros dias de Outubro. Com fortes ligações ao jazz, “Don’t Wait For Me” é uma canção de blues sempre a abrir com espaço para linhas de baixo orelhudas e que termina num curto solo de guitarra que pode ressoar à de John Frusciante. 

Ora lá em cima, ora cá em baixo, “Don’t Wait For Me” (disponível no Spotify e em formato live session no YouTube) ilustra bem aquilo que os The Jeggas gostam de tocar na escola de jazz da maioria dos membros, mas esconde um lado mais teatral da banda que tem marcado as últimas actuações ao vivo e tornado mais evidente no álbum. 

Com uma sonoridade que foge aos ritmos mais recorrentes nas páginas do Rimas e Batidas, os The Jeggas são uma banda a manter debaixo de olho tendo, a pouco e pouco, conquistado o seu espaço na cena lisboeta e nacional com, por exemplo, a conquista do primeiro prémio no Festival Metamorfose, este Verão.

– João Daniel Marques


[Tom Misch] “Parabéns – Quarentine Sessions”

O teletrabalho tem os dias contados e, para muitos, vai deixar saudades, para outros, nem tanto. Curiosamente, na altura da sua “morte”, somos obrigados a falar e a pensar nele, nas suas consequências e no que ele criou. Isto porquê? Não nos enganemos na ideia de que a música não fez teletrabalho, fez e muita! Não havia outra forma de ser. Com as salas fechadas e as agendas comprometidas, os músicos dedicaram-se com uma necessidade imperiosa de marketing e, por vezes por simples sanidade mental, à criação de conteúdos virtuais.

O fenómeno foi de tal maneira extenso que muito nos passou ao lado. As sessões de Tom Misch são um caso desses. Desconhecidas para muitos, onde eu me incluía, estes momentos foram agora editados num EP, e percebe-se o porquê do britânico não querer estes clips simplesmente (e apenas) perdidos no YouTube. 

Entre vários momentos brilhantes, “Parabéns”, é talvez o mais reluzente. Muita subtiliza e doçura são emanadas das teclas de Marcos Valle — mago brasileiro da bossa — que acompanha Tom Misch nesta sessão. Um momento de ritmo, partilha, amor e sobretudo de admiração para com as figuras (atenção à letra) e a música brasileira. Algo que é cada vez mais cristalino quando olhamos para estes meninos do novo jazz.

– Luís Carvalho


[Sensible Soccers] “Cantiga da Ponte”

Se há coisa que os Sensible Soccers já nos mostraram é que sabem construir um ambiente sonoro. Ao longo da sua carreira habituaram-nos a uma mestria na composição e na progressão instrumental, e “Cantiga da Ponte” não é excepção. Ainda assim, o primeiro single de Manoel mostra também que é possível fazer muito com pouco tempo. A electrónica atmosférica do trio português ganha outra dimensão com bonitas composições para sopros que dão um toque mais doce e natural ao seu universo mais digital. Há uma aposta num som mais directo, mas nota-se que é uma viagem sonora planeada, com uma progressão cativante, daquelas que os Sensible Soccers tão habilmente sabem construir.

– Miguel Santos


[Maxo Kream x Tyler, The Creator] “Big Persona”

Se a vontade era a de adormecer neste mês de Setembro e só acordar no primeiro dia de Outubro, já com as últimas restrições para o sector artístico por cá levantadas, houve quem tratasse de nos manter bem acordados, do início ao fim: a concorrer para o encontro mais improvável do ano tivemos Maxo Kream com Tyler, The Creator a abrir o mês e Milkavelli e Lee Scott com Playboi Carti, Harold com Lunn e L-ALI ou benji price e Mizzy Miles com Prodígio a fechá-lo — todos eles big personas do hip hop, quer norte-americano, quer britânico, quer lusófono.

Em “Big Persona”, as elevadas temperaturas do Texas e da Califórnia foram propícias a esta primeira simbiose que nem as leis da natureza explicam. A carroçaria de Tyler Okonma foi bem recebida no asfalto da terra dos slabs, e o autor do ainda fresco CALL ME IF YOU GET LOST continua a falar sobre aquilo que o motivou o regresso ao rap puro e duro: voltar a rimar, agora com um leque de capacidades mais apuradas, sobre algumas das suas coisas favoritas — “big money, big cars, big jewels, big yard”…

Uma identidade ainda mais forte é a de Maxo Kream, que já merecia um sub-género exclusivo dentro do trap, pela forma — agressiva, cadenciada, acelerada e liricamente não menos certeira — como se apodera de batidas industriais. Ainda assim, os trompetes fatídicos e as progressões floreadas denunciam, de imediato, a mão de Tyler sobre o instrumental, ele que já havia enviado um conjunto de beats ao rapper de Houston. Tudo isto à boleia de barras carregadas de flex. E o maior deles é mesmo este: “I don’t flex, n…, I just say whatever I got”. 

– Paulo Pena


[Tokischa x ROSALÍA] “Linda”

Rosalía e Tokischa, Espanha e República Dominicana, Flamenco pop e dembow. O que é que poderia correr mal? Tokischa tem provocado ondas, agitando a moral católica conservadora do seu país com a sua sexualidade orgulhosamente assumida e exposta. Esta associação da sensação dominicana com a maior exportação musical do país de nuestras hermanas é portanto tão explosiva como se esperaria, uma bomba de algodão doce pronta para explodir nas pistas de dança globais e mais um sinal evidente da ascensão do castelhano a língua-chave da grande arena pop do futuro. Provocativa, infecciosa, com um refrão mais orelhudo do que o Dumbo, “Linda” parece ter força suficiente para aguentar o Verão deste lado mais uns tempos. Só é preciso fazer play repetidamente no clipe respectivo: “Tú ere’ linda y yo estoy rulin’/ Nos besamo’, pero somo’ homie'”.

– Rui Miguel Abreu


[Gisela João] “Louca – A COLORS SHOW”

Há muito que não parava para ouvir Gisela João. Porém, a história era diferente por volta de 2013/2014, altura em que lançou o seu primeiro álbum e se assumiu como uma das cantoras mais arrebatadoras da sua geração. Foi nesse período que também tive oportunidade de vê-la ao vivo no Lux, concerto em que era convidada dos Linda Martini, e a sensação de arrebatamento não se dissipou, pelo contrário.

Há muito que não parava para ouvi-la, mas a ida ao A COLORS SHOW foi a desculpa que arranjei para voltar a fazê-lo, e, honestamente, não ia com grandes expectativas, mas, como qualquer performer que se preze, chegou-lhe o aparelho vocal e o engenho para voltar a lembrar-me o que andava a perder: a intensidade e o peso de quem carrega 1000 vidas na sua voz.

Há muito que não parava para ouvi-la, mas ainda bem bem que o fiz. “Louca”, com letra e música de Marco Pombinho, foi a escolha perfeita para a passagem pelos estúdios do COLORS, uma canção que se vai revelando aos poucos até chegar à catarse total, e é nesses instantes finais que se percebe que realmente “não é fadista quem quer, mas sim quem nasceu fadista”. Louco é quem não conseguir perceber isso depois disto.

– Alexandre Ribeiro


[Baby Keem] “first order of business”

Há uma certa resistência que se cria em quem toma a iniciativa de escutar Baby Keem pelas primeiras vezes. Por cá, a habituação do ouvido a The Sound of Bad Habit e DIE FOR MY BITCH permitiram com que o novo The Melodic Blue entrasse sem a menor das complicações. Muito antes pelo contrário, já que o tão esperado álbum de estreia deste filósofo da Geração Z é um exercício de total descontracção por parte de um jovem artista em clara ascensão mas que não abdica de casar diversão em estúdio com o rigor técnico que Kendrick Lamar e Dave Free nos habituaram e agora transpõem no seu enigmático e inspirador projecto editorial, pgLang.

À vista saltam as escolhas dos instrumentais, minimais mas arrojados, e a predisposição natural com que Keem faz deslizar os seus versos, rimados ou cantados, entre cadências sonoras tão fora-da-caixa. Um dos melhores exemplos dessa sua arte mora em “first order of business”, que assenta num daqueles beats que provavelmente ficariam eternamente na “gaveta” de Jahaan Sweet, não fossem os seus destinos cruzarem-se com os de Hykeem Jamaal Carter Jr., o mais edgy no game neste momento sem precisar de recorrer a manobras de diversão extra-musicais. Atirado para o meio dos tubarões e sem desviar os olhos da meta, o rapper californiano chega à recta final do seu último LP a agradecer à mulher que o concebeu e a afastar a toxicidade que o tenta rodear, enquanto espalha bênçãos por aqueles que lhe querem bem à espera que o karma dê retornos.

– Gonçalo Oliveira

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