CD / Cassete / Digital

Tyler, The Creator

CALL ME IF YOU GET LOST

Columbia Records / 2021

Texto de Gonçalo Oliveira

Publicado a: 28/07/2021

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Há dois tipos de donos de Rolls Royce: os que estimam em demasia a viatura e, por ventura, pouco ou nada aproveitam dos seus atributos e aqueles que usam e abusam de toda a luxúria inerente à máquina, não importando se, nos tapetes, ficam as migalhas das bolachas ou o preservativo que não chegou a ser usado (como aconteceu em “WILSHIRE”).

Escusado será tentar explicar qual destes dois modos de vida possa ser o mais divertido ou em qual das categorias se insere Tyler, The Creator, ele que, aos 30 anos de idade, é um dos principais rostos da cultura pop, não sem antes ter deixado a sua própria marca no circuito hip hop mais cru, experimental e alternativo. E quem cruza estes dois universos, à partida tão distintos em toda a sua essência, com o grau de mestria com que se tem exibido até então, só pode mesmo estar montado numa boa “carroça”. Com umas quantas idas ao bate-chapa pelo meio, claro, e um sem-número de histórias para partilhar, até porque quem não “vive” pouco ou nada tem para contar.

“Tenho de dizer que estou feliz por teres encontrado o caminho até aqui”. As palavras são de DJ Drama, um histórico na arte de acompanhar MCs e o anfitrião escolhido para nos guiar por este CALL ME IF YOU GET LOST. Feliz pelo sucesso do seu novo parceiro, mas, muito provavelmente, mais feliz ainda por este regresso de Tyler aos discos de rap. Condimento esse que nunca foi completamente deixado de lado nos seus projectos anteriores mas que vinha a perder força para a locomotiva neo-soul e r&b que vaporizou os aromas de Flower Boy ou IGOR. E numa era em que temos nomes como Griselda — Westside Gunn foi um nome fulcral nas inspirações que o trouxeram de volta a este registo —, Earl Sweatshirt — ex-pupilo nos Odd Future — ou Boldy James a elevar a fasquia na entrega de rimas, o artista californiano, à sua maneira, mais glamoroso, não desiludiu.



Com “MASSA” como único defeito — a intenção de traçar o seu próprio trajecto talvez o tenha limitado na escolha das palavras —, este passeio de quase uma hora tem tudo aquilo que se pretende para quem adora consumir álbuns de hip hop. Com Genebra, Suíça, como pano de fundo, CALL ME IF YOU GET LOST tem braggadocio regado de estrangeirismos franceses, egotrips que parecem disparos de uma AK-47 tingida de rosa, declarações a um amor impossível como poucos ousaram já mostrar ao seu público e referências a um merecido estilo de vida pleno de luxúria. Dizem que os homens não se medem aos palmos e, no caso de Tyler, nem dava: os pés estão enterrados na mesma lama que banha os cultos mais undeground — notem-se os climas de tensão e desconforto que moram em “CORSO” e “LUMBERJACK” — e a cabeça está está “high above the clouds”, como nota Drama em “RUNITUP”, capaz de imaginar cenários mais vistosos, por vezes quase a soar aos pesadelos que Beyónce teve mas que foi incapaz de transcrever para o seu último Lemonade — quem conseguir remisturar a voz da diva em “LEMONHEAD” e “JUGGERNAUT” será sempre bem-vindo.

Um outro ponto que se deve sublinhar por cá é a contribuição imaculada dos vários convidados resgatados para este passeio de barco com vista para os Alpes. Lil Wayne volta a confirmar o estatuto de GOAT que muitos lhe reconhecem ao alinhar os sete chakras em “HOT WIND BLOWS”, canalizando nos seus versos as forças que absorve da natureza para lidar com os obstáculos resultantes da vida que leva, das perseguições dos paparazzis aos efeitos secundários do consumo de lean. Já Ty Dolla $ign, montado a cavalo pelas montanhas, acena à embarcação do Creator enquanto trauteia frases romanceadas num registo country, a evocar a mesma paixão ardente, mas em ácidos, pela qual ouvimos Willie Nelson chorar no passado. Também Lil Uzi Vert não respondeu à chamada para CALL ME IF YOU GET LOST apenas para somar mais um featuring em “JUGGERNAUT”, faixa que tem como surpresa maior o regresso de Pharrell Williams ao formato de MC — com quase 50 anos e sem nunca se ter afirmado como rapper de mão-cheia, o veterano dos The Neptunes, um dos heróis pessoais de Tyler, conseguiu segurar a fasquia do tema com enorme sucesso e dar, assim, uma nova prenda ao seu pupilo.

Quem não tem estômago para este carrossel de emoções, faça o favor de não levar sequer o carro da montra do stand. O que não falta por aí é gente disposta a abraçar as vertigens que uma vida levada ao limite não esquece. Mas liguem, se se perderem. Seja daqui a cinco ou dez anos, havemos de nos encontrar por cá novamente.


https://open.spotify.com/album/45ba6QAtNrdv6Ke4MFOKk9?si=96046a7d17d2417a

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