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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/12/2021

O segredo está na mistura.

#ReBPlaylist: Novembro 2021

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/12/2021

Primazia à palavra e aos mestres que a abordam da maneira mais sagaz nesta selecção — de Blasph e NERVE a Freddie Gibbs, Jadakiss e Earl Sweatshirt –, mas também aos ambientes sombrios e tranquilos, em doses iguais e com cunho português, dos “clubes sociais [e instrumentais] de jazz-drill” e da música electrónica. Ainda em Portugal, cruzámo-nos em esquinas plurais e “r&boys” apaixonados. Porém, começamos (e fechamos, de certa maneira) nas asas de um guia que já não se encontra fisicamente entre nós — podemos dizer que o elixir para a eternidade está mesmo nas canções.


[New Age Doom & Lee “Scratch” Perry] “Holy Wings”

Lee “Scratch” Perry partiu este ano, e não serão poucos os que dizem que foi cedo demais — apesar de uma carreira de seis décadas recheada de qualidade. Para quem acha que o mítico Upsetter já tinha dado as últimas cartas, eis que nos seus derradeiros meses a lenda do dub aceitou o convite da dupla New Age Doom para explorar os cantos mais obscuros da sonoridade jazz com ascendência doom, naquilo que é um empreendimento de supergrupo (à séria): aos canadianos juntam-se Tim Lefebvre e Donny McCaslin, que tocaram no último disco de Bowie, Dahm Majuri Cipolla, dos MONO, Ryan Dahle e Cola Wars. Perry fica aos comandos da voz e, claro, do dub em que mergulha os espíritos para este Lee ‘Scratch’ Perry’s Guide to the Universe, a sua última viagem como comandante da sua nave espacial sonora. Se isto não vos chega, tenham em conta este lançamento de New Age Doom, que sucede a Himalayan Dream Techno, um tento que, parafraseando os autores do Bandcamp Daily, se pode descrever como uma abordagem à la Bitches Brew do som dos Lightning Bolt. Não sei se têm razão, mas sei que o álbum é de se ouvir e chorar por mais.

– André Forte


[BEIRO & PEDRA] “Moonlight” (com Meireles)

Novembro foi, definitivamente, o mês em que o drill se apresentou à maioria dos portugueses e não se pode dizer que tenha sido da melhor maneira. Enquanto a televisão conspirava contra o fenómeno — e onde a música é culpada pela violência, pela marginalidade e pelo terror (como se este ramo do rap fosse uma “Grândola Vila Morena” do crime) –, três produtores nacionais decidiram fazer o inverso e apresentaram um drill mas com boas maneiras. Beiro, Pedra e Meireles formaram o Jazz Drill Social Club, um projecto que, como o nome indica, funde a bruteza dos 808s com a beleza do jazz. O resultado é um film noir sonoro que partilha as mesmas noções do seu par cinematográfico. É sombrio, nocturno, altamente misterioso, positivamente lento e com doses certeiras de sensualidade e pecado. A coisa promete e novidades esperam-se para breve. Enquanto isso, temos a cativante “Moonlight” para escutar e para nos fazer pensar que nasceram os Bohren & Der Club of Gore do hip hop.

– Luís Carvalho


[Dino D’Santiago] “Esquinas” feat. Slow J

Nos derradeiros versos em forma de prosa com que Jorge Amado conclui Capitães da Areia, pode ler-se que em todos os lares há uma porta aberta para receber Pedro Bala: “a revolução é uma pátria e uma família”. O mesmo ensinamento que connosco partilhou Emicida: “em qualquer lugar onde você receba amor, você tem um lar, e onde quer que você tenha um amigo, você tem um país”. É também com essa hospitalidade ancestral e essa generosidade fundada no encontro e na luta que Dino D’Santiago nos convoca para BADIU, o derradeiro álbum que conclui, e que ao mesmo tempo amplia, o gesto inaugural que começou com Mundu Nôbu, em 2018, e que nos abraçou com KRIOLA, em 2020. Dino traz no seu corpo um voo longo que aqui se encontrou, para nosso privilégio, deambulando em todas esquinas onde os encontros fortalecem a mistura de onde nascem todas as utopias concretas.

“Esquinas”, a terceira canção do álbum, é provavelmente o mais polido diamante deste seu trabalho. Com produção de Charlie Beats, e acompanhado de Slow J, esta é muito mais que uma belíssima canção. É um manifesto implicado e íntimo, social, sonoro e político, sobre como coletivamente nos podemos apropriar disso a que chamamos identidade: essa terra que é o “chão que trazemos na mente”; essas curvas de bairros “onde nem todo o tuga é luso”; essa ideia de futuro com “más um skina pa nu dobra”; esses corpos políticos “que também são pátria”. Esta é uma daquelas raríssimas canções onde a ternura e a dureza coabitam em harmonia, em que a música comunica tanto quanto a palavra, reflexos íntimos e profundos da vida que é feita de dor e de cor, de sofrimento e de esperança. Se Slow J já o havia dito, nós aqui o repetimos, com especial emoção e com um abraço fraterno: por esta tuga todas e todos vestimos a camisola. Nu bai!

– João Mineiro


[Earl Sweatshirt] “2010” 

11 anos depois do choque, Earl Sweatshirt é hoje um artista completo. Prova disso é o seu mais recente single, “2010”. O seu talento continua presente, e a sua agilidade fonética e criativos jogos de palavras continuam a destacá-lo dos seus contemporâneos, mas há agora mais clareza e introspecção na sua mensagem. Sobre um beat sujo munido de reboliços digitais lo-fi, o rapper nascido Thebe Kgositsile leva-nos numa viagem pela sua mente, reflectindo sobre o passado com os pés bem assentes no presente.

Seja a cuspir dentes ou barras destras, há vontade de fazer mais, ser mais, elevar a sua escrita a níveis mais engenhosos, algo que sempre foi transversal à carreira de Kgositsile e que o artista faz questão de referir: “In the dark inside, we was real hungry”. A fome é de Earl Sweatshirt mas o proveito é de quem o ouve. Bom apetite!

– Miguel Santos


[Freddie Gibbs] “Black Illuminati” feat. Jadakiss

Não confirmamos nem desmentimos a existência dos “Black Illuminati” do rap. Mas que são macabras as formas como Freddie Gibbs fala sempre dos mesmos assuntos sem se repetir e, por isso mesmo, se reinventa constantemente, nunca mudando de registo, disso não se duvide. Foi isso que Kane fez, mais uma vez, lado a lado com Jadakiss, que depois de dois minutos de rimas incessantes do “Big Rabbit” entra (à letra) a matar com “I don’t do the Chrome Heart, I just do the home art/ You can catch a headshot or you can catch a dome dart/ Go ahead and put the kids to sleep, this the grown part/ ‘Fore we knew what Billboard was, we had our own chart”. É disto que se trata quando se fala de “magia negra”, não é?

– Paulo Pena


[Moreno Ácido] “_50C878”

Os recantos da música house não são suficientes para formar a casa de Moreno Ácido. You Deserve Love. You Don’t Need To Question It Anymore. é o novo trabalho do produtor português, um disco que tem mais espaço fora das batidas e da pista de dança e ruma em direção a uma dimensão mais etérea e de estruturas mais impressionistas.

“_50C878”, a terceira faixa do álbum, flutua sobre os pads ténues, com acordes férteis, assim possibilitando a melodia doce. Entre música contemplativa emocional e canção de embalar vivem alguns destes temas, desenhados por sintetizadores. Falar de uma faixa apenas é uma injustiça enorme para este trabalho. Assim seja: é ouvir do princípio ao fim: a contemplação exige tempo. 

– Vasco Completo


[IL-BRUTTO x BLASPH x NERVE] “BONASERA”

Frankie Dilúvio garante que “estas merdas vão ser googladas” e um gajo acredita. Explica que “Se vens para ouvir o canto das cigarras/ Deixa-te tar onde tavas, põe te no teu canto” e um gajo encaixa. Afirma que é um “ícone” e um gajo pensa “pois é”. *RESPIRAR FUNDO + RECUPERAR O FÔLEGO* Depois entra o sacana nervoso mais tranquilo do universo e a pancada prossegue. Há que aguentar. “‘Tou a escrever em pedra, só rimas excepcionais”. Sim. “Tudo aquilo que eu rimo ’tá fera”. Da selva, mesmo. “Tenho para aqui frases, p’ecem falas d’O Padrinho.”. Épicas. “À tua frente, tens um boss e um don.”. Pura verdade. *RESPIRAR FUNDO + RECUPERAR O FÔLEGO* Neste filme em que Blasph é De Niro e NERVE é Pacino, Il-Brutto é Coppola e Morricone, um director de tensões, um maestro de sombras sonoras, que carrega orgão e guitarra em cima de uma bateria fúnebre num beat que poderia servir Roc Marci, mas que usado aqui só sublinha a classe superior de dois sopranos da nossa elite rimática.

– Rui Miguel Abreu


[Mike11] “Não me canso”

Não foi escolhido como um dos singles de 19.2k, mas se há um sleeper no disco de certeza que é “Não me canso”, uma canção de amor “r&besca” com todos os condimentos para se tornar um hit nas mãos certas, no timing certo e no local certo — não é difícil imaginar esta faixa a transformar-se num sucesso internacional se estivesse na posse de, por exemplo, alguém como o americano Blxst.

Porém, os “ses” não interessam grande coisa para aqui: independentemente da tracção comercial que possa ou não ter, o tema é elegantemente construído a seis mãos, as de Mike11 (o homem do leme), André Areias e yeezyuri — e talvez seja importante mencionar o trabalho de engenharia musical de Michael “Mic” Ferreira. E é uma equilibrada junção de guitarra flamenca, synths a piscar o olho à Costa Oeste americana, sub-graves, bounce e harmonizações/apontamentos vocais irresistíveis que fazem a cama para um refrão a pedir vidros abertos e Verão (guardem-na para o próximo, não se esqueçam — Vodafone FM, podem começar a bombá-la já). Aqui há ouro e a produção r&b portuguesa pode beneficiar, e muito, do knowhow de Micael Henrique.

O tempo corre e ainda não nos cansámos desta música. Alguma coisa quererá dizer sobre ela (e sobre nós)…

– Alexandre Ribeiro

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