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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/02/2020

Agora é a sério.

#ReBPlaylist: Janeiro 2020

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/02/2020
O primeiro mês do ano é a altura perfeita para se fechar um ciclo e iniciar outro, este último da melhor maneira possível, idealmente. Por aqui, olhamos para Janeiro de 2020 por lentes diferentes para, esperemos nós, ditar o tom para os meses que se seguem: há trap infanto-juvenil made in Brasil, música electrónica de dança vinda de diferentes origens e, entre outras coisas, canções de rap para homens feitos.
[Lil Zé] “For Real” Apresentemos Lil Zé: tem 11 anos, é de São Paulo, mais concretamente de Presidente Epitácio, e desde 2018 que publica músicas no YouTube — e lançou o álbum Sauce no ano passado. Com esta idade, o rapper apresenta já uma qualidade digna de se tirar o chapéu, não só por escrever as próprias letras, mas também pela produção e mistura dos beats estilo cloud rap sob os quais rima. Lil Zé representa a geração que cresceu a ouvir trap. Desde a utilização de termos anglo-saxónicos como shawty no meio das suas letras cantadas em português do Brasil, ao próprio bucket hat que usa sempre nos seus videoclipes, o jovem artista brasileiro dá os primeiros passos no hip hop e apresenta já mais de 100 mil visualizações em “Heart”, “Skype”, “Fusca Drift” e “Kirby” no YouTube, lançadas em 2019 e nas quais mistura referências a uma cultura de ostentação e de luxo com a sua realidade enquanto pré-adolescente que ainda gosta de desenhos animados e brinca com nerf guns. Em “For Real”, última música a solo que lançou, Lil Zé mostra os seus sentimentos a alguém que gosta, convidando-a a ir comer um “McLanche Feliz” (Happy Meal) e oferecendo-lhe bolsas da Hello Kitty e da Louis Vuitton para a deixar feliz. O instrumental trap com melodias etéreas e 808s parece enquadrar-se perfeitamente no mundo de uma criança, que cria uma canção leve sobre amor com um refrão contagiante que nos dá vontade de querer dedicar a alguém especial, muito em parte pela sinceridade nas palavras dele; como sabemos, as crianças têm a virtude da sinceridade nas suas acções e palavras. Este pequeno artista abre-nos as portas a um universo de pequenos grandes rappers como Jeezrel Neery e YungKid’Raph, cujo trap lhes corre pelo corpo sem sequer terem atingido ainda a puberdade. Este fenómeno revela a importância que o trap tem tido na cultura não só brasileira, mas global, atingindo com maior impacto a geração que nasceu no virar do século.

– Francisco Couto


[Four Tet] “Baby” Janeiro, o início de mais uma temporada, e, consequentemente, aquele mês em que estamos ansiosos para saber o que nos espera em mais um ano de música. Já no final do primeiro trimestre, podemos contar com Sixteen Oceans de Four Tet. Depois da já distante e mais soturna “Teenage Birdsong”, o músico britânico Kieran Hebden lança agora “Baby”, um tema que nos desvia suavemente do bar da discoteca para onde está a acção.  Depois de ter recorrido a um sample de Nelly Furtado em “Only Human”, desta vez a musa é outra: Hedbden recruta Ellie Goulding e a sua voz é distorcida e ligeiramente fragmentada com uma melodia e entrega que se adequam perfeitamente ao ambiente descontraído da música. Mas enquanto que a excelentemente orquestrada “Only Human” demorava o seu tempo a desenvolver-se, “Baby” é de muito mais rápido efeito, e pela calada vai directa ao assunto, destacando-se com um buildup de oito minutos administrado por via oral para mostrar uma injecção subcutânea de efeito instantâneo. No entanto ambas têm o mesmo objectivo: pôr os pés na pista.  Há nuances sonoras que são impossíveis de apreciar sem um bom subwoofer, detalhes que ficam perdidos, como o bombo seco e comprimido que se ouve lá atrás na mistura de som especialmente nos primeiros segundos do tema. Mas o essencial continua lá para todos ouvirem: o bombo silenciosa desagua numa batida infecciosa acompanhada por acordes meditativos que nos preparam para alguma coisa, nos incitam a agir. É a premonição de algo importante e Four Tet executa-o com perícia.  A meio da música parece afastar-se da atmosfera e oferecer um espaço contemplativo; ouve-se a água e apontamentos esparsos que emulam gotas de água a cair no oceano sonoro onde Hebden nos deixa. É um inspirar, um fechar de olhos até tudo voltar ao normal, e a rotina ser retomada com a mesma melodia de Goulding e a mesma batida dançável, acabando a dissipar-se no infinito do eco, sem aparentar deixar grande mossa. Mas isso acontece porque o objectivo deste tema é outro: sem nunca exceder a sua visita nos nossos canais auditivos, a música mostra-nos através de uma abordagem relaxada mas efectiva a beleza da discrição, a mestria na simplicidade, e a ansiedade de nunca mais ser Março.

– Miguel Santos


[Mac Miller] “Good News” Em Setembro de 2018, Mac Miller perdeu, tragicamente, a vida, deixando fãs por todo o mundo com um sentimento incompleto. Acabara de lançar Swimming, o seu quinto disco, um indicativo de uma curiosidade felina de explorar o seu lado melódico e cantado, uma evolução que se perdeu no vazio da morte. Com “Good News” — a primeira vez que voltámos a ouvir a voz característica de Mac desde o seu desaparecimento — recupera as suas ambições de se revelar um cantautor confessional, aconchegado nos instrumentais melancólicos de Jon Brion, que o auxiliam a contar uma história verdadeiramente difícil de ouvir agora — um conto sobre os pequenos nadas, os acordares difíceis, as mensagens às quais não respondemos, os dias que se confundem uns com os outros. Mas, quando Miller fala de céus azuis e de tempos melhores que virão, transformamos as suas esperanças, agora aniquiladas, nas nossas, e agradecemos-lhe a última prenda que nos deixou. 

– Beatriz Negreiros


[King Krule] “(Don’t Let The Dragon) Draag On” Archy Marshall é provavelmente o nome do indie rock que mais se aproxima do universo hip hop. Da estética sónica aos versos, retratados numa neblina digna de um lo-fi melancólico e depressivo, à proximidade que mantém com artistas como Wiki, Earl Sweatshirt ou Frank Ocean e até à forma como gere a carreira, embrulhando-se num misterioso jogo de toca-e-foge ao assinar com diferentes nomes. Um deles, Edgar The Beatmaker, é inclusive dedicado à produção de beats. 10 anos após a estreia — o mágico e minimal “Out Getting Ribs” foi-nos entregue sob o pseudónimo Zoo Kid — King Krule vai regressar em breve aos discos e já tem o sucessor de The Ooz na calha para ser editado pela habitual XL Recordings. Man Alive! aterra nas plataformas digitais a 21 de Fevereiro e foi antecipado por este “(Don’t Let The Dragon) Draag On”, com o cantor e multi-instrumentista ainda a sofrer com as dores do crescimento e a transformá-las num mergulho em câmara lenta em águas mornas, uma espécie de auto-terapia para contornar a inércia que lhe é infligida por quase tudo o que gira ao seu redor.

– Gonçalo Oliveira


[Dan Deacon] “Become a Mountain” Já quase nos tínhamos esquecido de Dan Deacon, até que na semana passada nos chegou Mystic Familiar, o seu último longa-duração, cinco anos após Gliss Riffer. Não que o norte-americano tenha estado inactivo, simplesmente, no intervalo, as suas atenções dirigiram-se para o cinema e para a composição das bandas sonoras de documentários como Rat Film e Time Trial. “Become a Mountain”, a primeira faixa de Mystic Familiar, é, literalmente, a construção de uma montanha, ou de duas, pelo menos. A primeira é a musical, com o seu crescendo de camadas sobre camadas sonoras, densas, caóticas numa surpreendente harmonia, que se elevam para um cume esplendoroso, pecando apenas pelo seu final algo abrupto, quando já estávamos bem alto na nossa escalada. A segunda, e talvez aquela que mais importa, a emocional, que parte dessa incómoda questão: “I rose up, tired in my flesh, getting old now. I’m so lucky, yet I forget I’m still hungry for the future. On this day before me will I seize it or scroll?”, para a qual a voz crua e sem artifício de Dan Deacon nos vai dirigindo para o desfecho da resposta, que em certos dias nos parecerá algo ingénua ou utópica, mas nos quais existirá também o reconforto de saber que nos é sempre permitido recomeçar, basta que carreguemos novamente no play

– Vera Brito


[LA Priest] “What Moves” Para Sam Eastgate, a excentricidade é normalidade. Em 2008, era líder da banda Late of the Pier e dava voz a Fantasy Black Channel, hoje um disco de culto: profanavam guitarras e sintetizadores, tocavam como se respirassem pela primeira vez, com o necessário polvilho de insanidade (“Couve! Consegues cheirar os snacks?”, gritava Eastgate, no final do instrumental “VW”). Depois, renasceu como LA Priest. O álbum Inji — arrepiante transcrição do que já estava escrito nas estrelas — lançou-o numa rota de pop hiperactiva e bizarra por natureza, não por pretensão: do espasmo prog de “Oino” à introspecção em fervura de “Lady’s in Trouble with the Law”. Votou-se a um hiato do qual só saiu para encarnar a pele de LA Wise Man, com “All I Want for Xmas Is Rock & Roll” (e para se juntar a Connan Mockasin para formar o duo Soft Hair). No primeiro lançamento não-natalício e a solo desde 2015, “What Moves” é o single inaugural de GENE — disco baptizado à luz duma caixa de ritmos que Eastgate soldou com as próprias mãos, a partir de 150 circuitos electrónicos. É também com as suas mãos que desliza numa tangente principesca, daquela boa cor púrpura: um êxtase de lambidelas, batimentos e gemidos. O groove crepitante de “What Moves”, como se embalasse a curiosidade de Dirty Mind no som limpo de Lovesexy, nunca estaciona num clímax; segue viagem estável. No final, a luxúria dum solo de guitarra não serve como congratulação:‌ é mais um troço de estrada, com tanto deleite por quilómetro como nos preliminares dos versos, ou na quase imperceptível contagem até quatro antes do refrão. Não há picos de adrenalina, mas há suor corrente a todo o segundo. A canção pulula entre grooves atómicos, como células animais fortes, puxadas pela força magnética de cada membrana — é isso que a move. Funk sintético e erógeno, num crescendo que, por convenção, dir-se-ia “lascivo”; poupem-se, que isto é sujidade pura, gloriosa e dura. Preparem-se para um ano sacerdotal.

– Pedro João Santos


[DJ Paulo] “House Party” O apelo ao 4/4, marcado pelo kick, o sintetizador contido a avisar quando inicia o compasso e os hi-hats que definem quando e como nos abanamos, próximos do breakbeat… “House Party” é a tradução do que o tema realmente é: uma festa com banda sonora house. Um telefone que toca a anunciar a quebra da batida, acompanhada pela modulação da melodia principal, coloca-nos numa dimensão possivelmente exterior à música, elevando-nos subtilmente à vida real, ou a uma história qualquer que DJ Paulo nos queira contar.  O registo é contido, nocturno e ainda mais minimalista daquilo a que João Silvestre nos tem habituado com os seus heterónimos/pseudónimos. Depois de Silvestre is Boss pela Secretsundaze ou Yeah pela Meda Fury, Sons Pa Curtir — lançado em Janeiro pela Rave Tuga — é, entre estes, o seu EP mais contemplativo, e “House Party” é a prova disso mesmo.

– Vasco Completo


[Elaquent] “Guidelines” feat. Oddisee Há encontros que parecem estar destinados a acontecer: “Guidelines”, o primeiro avanço de Forever Is A Pretty Long Time, o novo álbum de Elaquent, encaixa-se nessa ideia. O produtor canadiano convidou Oddisee para o tema e o autor de The Iceberg não se fez rogado: em cima de um instrumental que soa a algo que imaginaríamos Dilla fazer se estivesse vivo em 2020, o rapper rimou com a calma e a confiança de quem sabe todos os segredos do mundo. Se precisam de uma banda sonora para repor alguma calma na vossa vida, têm aí a canção ideal para começar.

– Alexandre Ribeiro


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