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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/04/2019

GROGNation, Injury Reserve, Nenny, Flume, Rosalía, Eva 00, Nick Murphy, Four Tet, Helado Negro e Luniz nas escolhas de Março.

#ReBPlaylist: Março 2019

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/04/2019

A volta aos géneros musicais em 10 canções é o título da nova compilação de “contos” da equipa do Rimas e Batidas, que junta artistas como Nenny, Injury Reserve, Animé, Flume, JPEGMAFIA GROGNation, Sam The Kid, Four Tet, Luniz, Michael Marshall, Rosalía, J Balvin, El Guincho, Eva 00, Helado Negro e Nick Murphy numa autêntica roda-viva de sons.

 


[GROGNation x Sam The Kid] “Pescoço”

“O bounce vem de Chelas, mas o flavour vem de LS.”

“Pescoço” é uma combinação mortífera entre a Linha de Sintra e Chelas que nos faz realmente abanar a cabeça. Depois de ouvir a música, é impossível não mexermos o pescoço, e é curioso que o nome da canção e parte do refrão sejam sobre isso mesmo – mais óbvio não podia ser.

A produção de Sam The Kid flui, soando muito divertida neste caso e mostrando-se cada vez mais versátil, prova de que o produtor e rapper consegue fazer de tudo um pouco. Nos vocais, os destaques vão mesmo para Harold com uma rima que é capaz de se tornar dizer popular: “E eu ’tou focado em ver-te pedrado/ Com esta pedrada que vai de LS a Chelas, ya”. E Prizko que se afirma com um tom de voz contrastante e um flow que já lhe é conhecido mas que nem sempre parece encaixar de forma tão suave no conjunto. O que acontece em “Pescoço” é, porém, o contrário, já que “O Gordo Da GROGNation” se destaca com a secção mais forte da música dando-lhe aquela atitude que faltava.

No geral, há-de tudo no novo tema que faz bater o pé, abanar a cabeça e sorrir num videoclipe que se vê como algum humor físico, o que realmente contribui para a vibe que vai de “LS a Chelas”.

– João Daniel Marques


[Injury Reserve] “Jailbreak the Tesla” feat. Aminé

Ritchie with a T, Stepa J. Groggs e Parker Corey iniciaram as colaborações em 2012, mas tiveram de esperar três anos até ver o primeiro resultado na forma de um disco. Live From The Dentist Office mostrou que, mesmo não existindo uma linhagem relevante de hip hop feito a partir de Arizona, o grupo tinha os ingredientes certos para se conseguir catapultar até patamares consideravelmente altos.

Seguiram-se Floss e Drive It Like It’s Stolen, em 2016 e 2017, respectivamente, trabalhos que ajudaram a cimentar a ideia de que os Injury Reserve são um dos nomes a ter em conta na renovação estética das rimas e das batidas. O último dos seus projectos chamou a atenção de Aminé, MC habituado a montras de maiores dimensões, que apresentou o trio ao seu público através da colaboração directa em “Campfire”, uma faixa solta que ajudou a fazer a ponte entre os seus últimos dois LPs.

Os quatro newcomers voltaram a colaborar em “Jailbreak the Tesla”, tema que serve para antecipar o álbum de estreia dos Injury Reserve, agora que se encontram sobre a alçada a Loma Vista, editora habituada a operar dentro do circuito do rock indie e experimental — Denzel Curry era o único MC da label até à chegada do trio.

Ainda sem título ou data de edição, sabe-se, para já, que “Jawbreaker” também entra nas contas para o alinhamento final, música que colocou um ponto final no silêncio editorial dos Injury Reserve no arranque deste ano.

– Gonçalo Oliveira


[Nenny] “Sushi”

No mesmo mês em que na Altice Arena se celebrou A História do Hip Hop Tuga, apenas com uma mulher no cartaz — Capicua –, Nenny fez ela própria história. Não há, em toda a caminhada do rap feminino nacional, alguém que se tenha estreado com um single que se tenha tornado um autêntico hit. Isso nunca existiu em Portugal. No último dia deste mês, “Sushi” somava perto de um milhão e 700 mil visualizações no YouTube, além de 41 mil gostos. Claro que os números foram o resultado de um óptimo produto musical que se criou — e que isto só é possível nesta era em que o hip hop vive um momento de enorme popularidade e em que há condições técnicas para tal.

“Sushi” reúne todos os ingredientes para ser uma receita de sucesso: uma rapper refrescante com rimas de egotrip que ostentam a feminilidade, um talento para equilibrar na perfeição barras puras com partes mais melódicas (com um óptimo uso do auto-tune), além de uma produção moderna, em que Charlie Beats terá estado envolvido. E, claro, há o vídeo bastante competente que cria toda a estética que foi vital para o sucesso deste single.

“Filha dos filhos do Rossi”, Nenny é mais um talento saído do prolífico bairro de Vialonga, nos arredores de Lisboa, e mesmo que as rimas possam não ser da sua autoria — não é assumido e teríamos de entrar na grande discussão sobre se é “legal” haver rapper com ghostwriters — é uma excelente intérprete que tem tudo para dar certo. E é aquilo mesmo de que precisamos: uma mulher forte, talentosa, a trazer algo de novo. Mostrou que existe um público enorme disposto a ouvir e pode ter aberto uma porta (que esperemos que seja gigante) para tantas outras rappers, cantoras, DJs ou produtoras de hip hop. Uma autêntica lufada de ar fresco no primeiro mês da Primavera. Esperemos que seja o início.

– Ricardo Farinha


[Flume] “How To Build a Relationship” feat. JPEGMAFIA

Flume já tinha dado a dica e com o seu novo projecto Hi This is Flume mostrou-se definitivamente presente na nossa vida musical em 2019. O produtor australiano de future bass revelou uma mixtape com a sua sonoridade habitual a caminhar para terras mais experimentais, e quem melhor que JPEGMAFIA para deixar isso bem claro? “How to Build a Relationship” é um destaques do novo trabalho do produtor e muito se deve à maneira como a batida de Flume se conjuga com a entrega dispersa e efusiva de Peggy. É uma música rápida e esparsa, pronta para dançar de forma visceral numa cave obscura e de colunas distorcidas, no meio de fumo denso e alucinogénico.

Nos primeiros momentos do tema, uma melodia aguda e mirabolante alia-se a um baixo redondo e possante que aparece de tempo a tempo e sem hipótese de ser ignorado, enquanto JPEGMAFIA destila a sua consciência por todo o lado, uma viagem misteriosa por um universo que apenas vislumbramos barra a barra, com referências que vão desde Game of Thrones aos seus amados ícones de wrestling. O seu flow e entrega são hiperactivos, não conseguem ficar no mesmo lugar durante muito tempo, e a primeira estrofe fanfarrona é contrastada por uma frontalidade brutal do refrão, o único momento da música em que vemos Peggy realmente focado. “There’s no friends, no feels, this kid’s stupid”, ouvimo-lo dizer. Alienação assertiva cuspida com veemência.

Na segunda estrofe, a mudança de batida é a mostra mais clara da mão do rapper norte-americano na sua construção, com um bombo seco reconhecível que se assemelha a socos, e lasers incessantes como sombra das palavras de Peggy, e imaginamos o artista no estúdio de mãos em riste a empunhar uma arma imaginária tornada real na sua carreira de tiro sonora. No final do curto tema, depois de Buttermilk Jesus nos prendar com algumas das suas outras hilariantes alcunhas, ouvimos a resposta à problemática referida no título: “Don’t call me unless I gave you my number”, declara, mas depois desta agressiva amostra sonora, será que queremos?

– Miguel Santos


[Eva 00] “Untitled #29”

“Untitled #29” tem um título adequado: a faixa do produtor francês remete descaradamente para o house, ou seja, para uma qualquer pista de dança enevoada pelo fumo do tabaco.

A profundidade reverberada dos sintetizadores, teclados e samples de Eva 00 define esta “névoa” que é ancorada pela regularidade da tarola e pelos grooves dançáveis dos pratos-de-choque e do bombo.

A harmonia emocionante e espaçosa do teclado, que encontra paralelismos com “Samurai” de Bonobo e “Never Loved Anyone” de Shimza, reflecte a parte mais cativante deste single lançado pela editora portuguesa No, She Doesn’t.

– Vasco Completo


[Nick Murphy] “Sanity”

Estávamos em 2012 quando do outro lado do mundo saía um EP chamado Thinking in Textures. O nome Chet Faker ainda levaria algum tempo a captar atenções por cá, mas juro que quando isso aconteceu perdi a conta às vezes que o ouvi. Depois chegaram os concertos: Lux, Alive, coliseus esgotados e Built on Glass, o disco de estreia, cumpria todas as promessas deixadas pelo EP.

Entretanto, Chet Faker saiu de cena e regressou em nome próprio: Nick Murphy queria deixar o crooner no passado e comprometer-se com um som mais electrónico. Missing Link trouxe algumas ideias inacabadas que não tornaram claros quais os caminhos que o australiano iria seguir. “Sanity”, lançada este Março, é o primeiro vislumbre para Run Fast Sleep Naked, com data de lançamento para o final de Abril, o segundo e muito aguardado disco, e fala dessa perda de sanidade que a fama traz.

Embora as ideias abordadas na letra sejam o suficiente para criar entusiasmo, a melodia apoiada num piano fácil sabe a pastilha elástica: começa numa explosão de doce que depois de mastigada perde rapidamente o sabor. No entanto, o estranho vídeo que acompanha “Sanity” vale a pena algumas visualizações e novidades de nova música de Nick Murphy são sempre boas notícias, pelo que por aqui aguarda-se com expectativa o próximo álbum. E, já agora, que seja um “perfect 10“.

– Vera Brito


[Helado Negro] “Seen My Aura”

A música de Helado Negro prospera em encontrar-se a meio caminho com os seus ouvintes. É na verdade um exercício bastante repetitivo, mas de maneira nenhuma fatídico: o conforto com que cada nota, palavra e ritmo se antecipam dá-nos uma sensação de aconchego, como se voltássemos a casa depois de vários anos à deriva.

“Seen My Aura”, o ponto central do mais recente álbum This Is How You Smile, encaixa-se perfeitamente neste molde calmo e quase atmosférico. Escrita como uma obra de poesia com o intuito de diminuir os sentimentos ofuscantes e ansiosos do vocalista, a canção é uma ode viva e calorosamente iluminada aos momentos mais plácidos e aprazíveis da vida. Há ao mesmo tempo uma recursividade nebulosa, mas é rapidamente coberta pela bateria e o sintetizador cheios júbilo.

O mote deste álbum é a superação de dores e experiências traumáticas através de uma valorização interior. Em “Please Won’t Please”, a faixa de abertura deste disco, Roberto Lange declara que “Brown won’t go/ Brown just glows”: a música pega nesta mensagem e alia-a às de temas passados como “Young, Latin e Proud” ou “It’s My Brown Skin”. Esta intenção prepara o caminho para o resto da solicitude sincera de Helado Negro. Com ele, sorrir não tem de ser sinónimo de sobrevivência.

– Miguel Alexandre


[Luniz] “I Got 5 On It” feat. Michael Marshall [Tethered Mix from US]

Jordan Peele superou-se em Us, o filme que sucedeu ao superlativo Get Out, e esta aterrorizante remistura do clássico da dupla de Oakland, Califórnia, foi um dos pontos altos da excelente banda sonora. Uma segunda vida para “I Got 5 On It”, que nunca parou de rodar nas rádios americanas nos últimos 24 anos, e, se tudo correr bem, um novo alento para a carreira de Michael Marshall.

Um conselho para os mais sensíveis: não ouçam esta versão depois do anoitecer…

– Alexandre Ribeiro


[Rosalía, J Balvin] “Con Altura” feat. El Guincho

“Con Altura” é um doce pop de alto teor calórico, que adopta uma abordagem à mais irresistível tipologia do momento — o reggaeton — numa produção ritmicamente vibrante carimbada por El Guincho (quem diria, hein? De Panda Bear wannabe a orquestrador de “apropriações” poppy do flamenco…) com J Balvin a meter a cereja no topo do bolo saturado de corantes.

A canção pode até ser responsável sozinha pela presente vaga de calor, tal o sabor a Verão que carrega e o vídeo de Director “meme king” X faz o resto: delírio aviónico que parece remeter para o universo kitsch de Almodóvar ao mesmo tempo que reafirma Rosalía como ícone de moda incontornável.

Resta agora esperar por um encontro destas três estrelas no palco maior do NOS Primavera Sound. É bem provável que a Terra saia um bocadinho dos eixos se tal acontecer. E vai ser divertido ler as queixas dos fãs dos National e Arcade Fire nas redes sociais se tal suceder.

– Rui Miguel Abreu


[KH aka Four Tet] “Only Human”

Quando Nelly Furtado reapareceu silenciosamente com The Ride, álbum de pop fria em pele de new wave, devedor dos anos 80 (como os regressos de artistas desaparecidas tendem a ser), mais de uma década passara desde os seus anos imperiais. Foi em 2006 que, com o transcendente Loose (álbum que ainda vive no nosso imaginário através de “Maneater”, “Say It Right” ou “Promiscuous”), a cantora rompeu com o folk-pop leviano (que forçosamente gritámos no Euro 2004) e fez-se monarca do mainstream; Timbaland, o principal confeiteiro desse prato palpitante, ajudou a deixar Furtado literalmente devedora dos anos 80.

Num dos pontos altos de ambas as carreiras, “Do It” veio à tona com 808s bombásticos e vocais gomosos, mas a base melódica não fora uma ideia original de nenhum. O produtor recorreu a um módulo de som — derivado do Commodore 64, o quase ancestral computador de 8 bits — para extrair um sample não autorizado de “Acidjazzed Evening” de Janne Suni,  de 1984. Ao esquecer-se de pedir autorização para emular um tema clássico do chiptune, aproveitando-se também do procedimento inerente a esta subcultura musical, Timbo envolveu-se a si e a Nelly numa das grandes controvérsias de 2007, e um litígio que deu ao nome Furtado todo um novo significado.

Doze anos depois, Kieran Hebden reverte o jogo, mas sabe ter os papéis em ordem. É a Looseque KH (Four Tet) foi buscar material para um já incontornável momento de house, que no último Verão voou do seu disco rígido para as drives de Peggy Gou ou Hunee, e dominou as pistas de dança pela Europa — mas só recentemente foi aprovado legalmente o uso do novo sample. “Only Human” é serena na sua inquietude, vendaval de techno com inflexões hipnóticas, feito hino com o mantra que é retirado de “Afraid” faixa de abertura desse disco fundamental de Furtado.

Hebden soube ler e ampliar os códigos latentes de uma canção esquecida, obstinada, que num álbum urbano e sexual sobressai como tema frio: a sua ambiência digital, intimidante, atraiçoa a mensagem esperançosa e empática. Dessa fricção, Hebden consegue retirar a energia comunitária, reconfortante, que só se conhecia na canção original debaixo de todas as camadas, e é o sample de um coro que incorpora: “You’re so afraid of what people might say/ But that’s okay, ‘cause you’re only human (…)/ But that’s okay, ‘cause you’ll soon get strong enough (…)/ You’re going to break/ So, please don’t do it”. Em 2019, não só recordamos como voltamos a viver a Nelly Furtado dos anos imperiais — desta vez, sem tribunais envolvidos.

– Pedro João Santos

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