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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/03/2022

Atenuantes falsos.

#ReBPlaylist: Fevereiro 2022

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 03/03/2022

O mundo lá fora nunca foi para grandes brincadeiras e, de quando em vez, isso é relembrado de maneiras mais agressivas. Quando tudo desmorona, a música não resolve, mas atenua; não transforma, mas ajuda; não cura, mas dá ânimo na recuperação. Ignorando — e é aqui que se sente o privilégio –, o estrondo de fundo, escolhemos seis canções que, esperamos nós, ajudem a esquecer por alguns momentos o que de mais horrível se passa…


[Yawn Society] “Garden”

Chamam-se Yawn Society, mas no som deste trio não há espaço para bocejos, faltas de energia ou apatias. 

Recentemente editaram Soma, um ambicioso e refrescante EP em que a procura de inovação através da mistura de diferentes elementos sonoros é uma constante. O que daí advém são temas como “Garden”, uma verdadeira viagem sonora, altamente orgânica, onde nunca sabemos quando vamos ser surpreendidos por intensos e robustos momentos de dubstep, ou por elementos prog que elevam o ouvinte de uma delicada e melódica base de jazz “moderno” altamente embebido em hip hop e soul. 

Há aqui tanto de contemplativo, como de dançante, mas, sobretudo, tanto de novo e aparentemente inusitado como de lógico. Uma bela revelação para seguir com muita atenção.

– Luís Carvalho


[Cordae] “Chronicles” | A COLORS SHOW

A faixa original é de Janeiro e inclui versos de H.E.R. e Lil Durk. Na “Chronicles” de From Birds Eye View, o novo longa-duração de Cordae que, editado no primeiro mês do ano, passou consideravelmente despercebido, o instrumental de Don Mills já nos convence — mas o rapper de Maryland não. 

Depois de The Lost Boy — um álbum que, enquanto estreia a solo, e apesar da nomeação para melhor álbum de rap nos Grammy Awards de 2019, foi tudo menos consensual —, o grande desafio de Cordae tem sido encontrar-se. Deixou cair a sigla YBN do seu nome artístico para se afirmar individualmente, mas perdeu ainda mais identidade. Viu-se comparado a uma versão barata de J. Cole, rapper que criticou anos antes em “Old N*ggas” como resposta ao tema “1985” do autor de KOD. Falhou sucessivamente em corresponder ao estatuto atribuído por si próprio, mesmo tendo sido apadrinhado por gente respeitada como Dr. Dre, Eminem, Q-Tip ou Young Thug, e de ter trabalhado com importantes figuras como Lil Wayne, Freddie Gibbs, Anderson .Paak ou Pusha T. E na versão primogénita de “Chronicles” a desilusão sobre alguém aquém do seu potencial confirma-se: esconde-se no beat, mas mostra-se (demasiado) confiante no vídeo; perde protagonismo para os seus convidados (como, aliás, é frequente nas suas colaborações); corta versos nos picos, é displicente na entrega, come transições e desce tons quando a melodia pede exactamente o contrário.

Bom, mas tudo isto é sobre a “Chronicles” 1.0. Vamos lá, então, à versão 2.0, apresentada no início de Fevereiro, no A COLORS SHOW.

Agora sozinho, traje descaracterizado e discreto, postura introvertida e cabisbaixo, Cordae arranca com a mesma entoação a cantar “On this road…” — mas, desta vez, não cai mais. Canta, sim. Coisa que da primeira vez não fez e que, em boa verdade, não sabíamos ainda se sabia realmente fazer. Agarra no chapéu, fecha os olhos e lá vai ele atrás das batidas gordurosas de Don Mills, atrás da “darling que se sente muito mais concreta aqui do que anteriormente figurada num vídeo encenado. Agora, sim, acreditamos nele quando diz “They say love is no miracle and lust ain’t no thing/ But trust is something you should know, but we both been through pain”, pela forma como canta, e pela forma como mostra sentir aquilo que canta. Afinal era só isso que faltava. Temos cantor.

– Paulo Pena


[Ogi] “I Got It”

“Did you want more flavor in the game?” You got it! Ou melhor: She got it! Ogi Ifediora pode ser um nome ainda desconhecido para muitas e muitos de nós, mas arriscamos que poucos corpos permanecerão indiferentes aos primeiros segundos deste seu single de estreia. Cantora, compositora e multi-instrumentista, esta americana de origem nigeriana traz na bagagem um universo muito próprio, construído nos trilhos da soul, do jazz e da música a cappella, aos quais acrescenta uma cadência lírica própria de quem se quer inserir e conquistar um espaço na realeza do hip hop. Veremos o que segue, mas este avanço não deixa dúvidas quanto ao seu empenho e potencial. É claro que ajuda ter consigo No. I.D, produtor premiado e experimentado nos encontros do rap com o r&b e que a terá conhecido através de uma cover de PJ Morton. Seja como for, nenhum mérito pode ser retirado à forma como nos alcança desde os primeiros versos e nos convoca instintivamente para o seu mundo. Tentamos decifra-lhe o texto desde o início, ao mesmo tempo que somos arrastados pela sua musicalidade. É difícil antecipar o que nos trará ao longo do ano, mas acabou de conquistar a nossa plena atenção. Fiquemos atentxs!

– João Mineiro


 [Denzel Curry] “Zatoichi” com slowthai

Depois de se ter estreado em 2022 com “Walkin”, Denzel Curry salta dos westerns americanos para terras nipónicas a todo o vapor: “Zatoichi” é o segundo single a antecipar o álbum Melt My Eyez, See Your Future, e neste tema, o rapper norte-americano utiliza um célebre personagem japonês como uma metáfora para a sua própria caminhada na vida. Com o mesmo brio que o exímio espadachim cego demonstra no seu percurso, Curry mostra-se focado, empenhado na união e a incitar à acção.

A batida é fresca, permeada por uma melodia expectante que soa ao longo de toda a música, tanto nas estrofes de trap acelerado como no refrão de drum and bass veloz. Auxiliadas por um hook disparado e incisivo de slowthai, as palavras de Curry revelam uma ponderação fugaz. O artista cinge-se ao que realmente interessa, empenhado em mudar o status quo, um Super Saiyan refinado, com novo alento e uma maturidade que rivaliza os seus contemporâneos. Em terra de cego quem tem olho é rei, e em terra de rappers Denzel Curry mostra que pertence definitivamente à realeza.

– Miguel Santos


[The Alchemist] “Diesel” (com Kool G Rap)

Chegou mesmo no recta final do mês de Fevereiro, mas ainda a tempo de deixar a sua marca: “Diesel” foi o combustível que The Alchemist deu ao veterano Kool G Rap para mostrar que pouco mudou desde que se estreou há mais de 30 anos em Road To The Riches (1989).

Em cerca de três minutos — e num instrumental ancorado num loop que pede classe e elevação –, o rapper (que em 2018 actuou no Iminente) apresentou os argumentos necessários para clarificar a sua importância na evolução da arte da rima, recordando-nos que dificilmente teríamos nomes como Jay-Z, Roc Marciano ou Conway The Machine se nunca tivesse existido.

Muito acontece em “Diesel”, isso é certo, desde a descrição vívida daquilo que pode acontecer a um miúdo que cresce no lado errado da cidade até à explicação da relevância de figuras duvidosas para aqueles que não encontram amparo noutro lado. Uma jornada que no final do primeiro verso tem esta paragem abrupta:

“Life too short, numbers up, God don’t loan minutes
Some will see R.I.P soon as this poem ended”

– Alexandre Ribeiro


[C. Tangana] “Te Venero” (com Omara Portuondo)

Tanto parece separar Omara Portuondo de C. Tangana: a primeira, cubana de La Habana, estava em vésperas de completar 60 anos quando o segundo nasceu, em Madrid; além do oceano, há que considerar as diferentes culturas – caribenha, para Omara, europeia, para Anton -, tradições musicais — boleros e son de um lado, rap e flamenco do outro — e até os contextos históricos (colonial e imperial, respectivamente) e políticos em que ambos viveram e vivem (um sistema monopartidário em Cuba, uma monarquia parlamentarista aqui ao lado). É imenso o que os separa, de facto. Mas escutando “Te Venero”, fica-se com a sensação que tanto a Diva de Havana quanto El Madrileño cresceram nas mesmas calles, algures entre a Obispo do lado de lá do oceano e as de Chueca do lado de cá.

O tema arranca como um rigoroso bolero, de balanço solene, com Omara a confessar que ama intensamente quem só lhe dá desgostos, embrulhando a sua voz nobre (a senhora já leva 92 anos!) em veludo acústico. Já Tangana, como seria de esperar de um jovem ainda a meses de fazer 32, entra a bater o pé no tablao, depois larga graves de clube sobre o arranjo acústico e dispara uns impropérios na direcção de Paris Hilton. É de paixão e arrependimento que se faz o turbilhão de emoções que andam à solta aqui, numa pequena pérola que elimina distâncias, arrasa diferenças e estabelece pontes que cruzam oceanos e décadas, histórias e sistemas políticos para que possamos dançar, agarrados e livres, como importa.

– Rui Miguel Abreu

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