pub

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/09/2023

De Noname a Batz.

#ReBPlaylist: Agosto 2023

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/09/2023

O hip hop comemorou 50 anos de vida em Agosto deste ano e, mesmo sem ser planeado, acabou por dominar as escolhas da nossa redacção para a mais recente playlist mensal. As rimas oriundas dos E.U.A. estão em destaque, mas também há espaço para passar a lupa sobre novos talentos da cena nacional, bem como exemplos que puxam pela electrónica e pela África lusófona para esta equação. Ora atentem.


[RAMZi] “coucou mon ami” feat. DJ Python

Phoebé Guillemot (aka RAMZi) sempre nos habituou à sua estranha forma de eletrónica, em que mutações dos arquétipos desse género musical se metastizam numa expressão muito sua, não menos dançável, não menos ambiental, sempre envolvente. Nunca desapontou ao longo dos vários LPs que lançou, e o mais recente Feu Follets não foge das regras, pendendo embora mais para a pista de dança do que para as expressões ambientais. “coucou mon ami” é um música gingona, que não aponta aos movimentos de anca, mas também não os nega com os seus ritmos quebrados a sucederem-se em arpeggios inebriantes e samples orgânicos — apontamentos que não disfarçam o condão de DJ Python, que surge enquanto convidado. Esta malha, ligeira e ideal para o tempo estival, é um ótimo resguardo para o que Few Follets proporciona de seguida. 10/10: não me importava de ficar em loop.

— André Forte


[Supershy] “Keep it Rising”

Pré-aviso à navegação: não há nada de extraordinariamente novo na música que Supershy – o mais recente alter-ego do bem conhecido bedroom-producer-turned-music-star Tom Misch – apresenta em Happy Music. No entanto, e porque o verão também pede por alguma laxação no que concerne à rigidez dos critérios musicais, os beats emanados por este disco de estreia são mais do que suficientes para elevar o espiríto e conduzir o corpo à dança. Acresce, além do mais, o facto de este trabalho representar muito fidedignamente alguns dos movimentos musicais que o tecido cultural traçou nesta época estival.

Numa recente passagem pelo We Out Here de Gilles Peterson, as várias idas às pistas de dança do festival revelaram indiscutivelmente que o (tech) house contaminado pelas ondas do disco, boogie, jazz, funk e balear está, de facto, num processo de renovação. Os DJs são muitos e bons, e o público parece mais ávido do que nunca para festejar ao som de música que não carece de boas vibrações. Esta nova (velha) mistura parece não só congregar pessoas de várias gerações, como também gente advinda das mais diversas subculturas (se é que essa fragmentação ainda existe). Os elementos sónicos são suficientemente diversos para que a inclusividade esteja garantida, sendo porventura dificíl de falhar o alvo quando a tradições antigas se aliam novas técnicas de produção.

“Keep it Rising”, o tema escolhido para esta playlist, apesar de não ser o single de Happy Music, é, ainda assim, um dos temas do álbum em que esta tendência simplificado do house-meets-disco-in-2023 se encontra plenamente vincada. E que bom que é o resultado. Afague-se, pois, o saudosismo com frescura e polimento – e de preferência de bebida na mão.

— João Morado


[Noname] “namesake”

Longa e farta vai a folia, que cinco décadas não se festejam todos os dias, e de uma cave no Bronx para o intervalo da Super Bowl vai uma longa distância. Tempo para celebrar? Talvez sim, embora nesta cultura não haja festa que não seja devidamente interrompida. Quem melhor que Noname para vir estragar um pouco o ambiente? Ao segundo longa duração, a rapper de Chicago, qual “Scooby-Doo in a haunted house”, fareja com apuro os fantasmas na sala, enfrentando-os com uma ironia franca, mesmo que isso implique suspender por momentos as festividades. É, mais uma vez, a recusa firme de pousar numa passadeira que lhe estaria destinada, para em vez disso nos lembrar, como por cá também fez Chullage, que talvez haja uma festa no telhado de uma casa sem alicerces. 

Tanto na forma como no conteúdo, Sundial não deixa de revelar como a evolução do hip hop igualmente representou a afirmação cultural, poética e política de comunidades a quem o poder sempre negou o seu lugar de fala. Mas ao mesmo tempo, o crescimento do género não deixou de revelar a extraordinária capacidade que o capitalismo tem para de tudo se apropriar, higienizando e mercantilizando até as manifestações culturais que se ergueram nas suas margens. Noname nunca foge à contradição, à tensão e ao conflito e nada há de gratuito ou moralista neste novo trabalho. Entre uma poética do quotidiano e uma crítica à sociedade do espetáculo, à mercantilização da indústria e à apropriação da cultura, Noname nunca se esquiva às linhas de fogo. 

Em “namesake”, uma das mais contundentes do novo disco, entrega-se com coragem, mesmo que isso signifique apontar a mira a alguns dos mais poderosos da indústria: “Go, Beyoncé, go / Watch the fighter jet fly high / War machine gets glamorized / We play the game to pass the time”; afirma-se com honestidade, mesmo que isso signifique lembrar que o palco da NFL onde o hip hop brilha é também o palco da propaganda patriótica e militar americana: “I ain’t fuckin’ with the NFL or Jay-Z / Propaganda for the military complex / The same gun that shot Lil Terry out west / The same gun that shot Samir in the West Bank / We all think the Super Bowl is the best thing”; expõe-se sempre com verdade, porque nunca se exclui da contradição: “Go Noname go / Coachella stage got sanitized / I said I wouldn’t perform for them and somehow I still fell in line, fuck”. 

Noname explora as tensões, expõe-nas sem receios, provoca-as, mete ao barulho gente que estaria mais confortável no silêncio, a começar por si própria. Sundial não será o álbum mais ouvido no cinquentenário do hip hop, mas será um dos mais importantes para se compreender a sua múltipla, complexa e contraditória história.

— João Mineiro


[Mick Jenkins] “Show & Tell” feat. Freddie Gibbs

Agosto trouxe-nos um encontro que não sabíamos que precisávamos. Chicago e Gary, Indiana, unem-se pela mão de dois dos seus pródigos filhos, respectivamente Mick Jenkins e Freddie Gibbs. O primeiro convida o segundo para um dos temas do seu novo álbum The Patience e o resultado é o sónico erguer de punhos neste “Show & Tell”.

O instrumental surge mais recatado, de bateria fluida e baixo penetrante com uma discrição característica que não atrai atenções, mas nunca deixa de fugir ao confronto que as palavras de Jenkins e Gibbs transmitem. Não é tanto uma batalha, é mais um “mostra o que vales”. Não interessam as opiniões de terceiros, ambos os rappers sabem o seu valor.

A música culmina num desabafo, um solilóquio de Jenkins em que se impõe contra os clout chasers. “They spend so much to be desired”, ouvimo-lo declarar sem grandes adornos. Os gastos do rapper são literários, não poupa nas palavras, afastando as más auras e avisando para a ilusão que as fotografias retocadas escondem. E é por isso que aqui não existem falsidades, apenas barras honestas.

— Miguel Santos


[Action Bronson] Tiny Desk Concert

Junta-se mais uma performance à por esta altura infindável lista de actuações memoráveis no acolhedor cantinho da NPR Music, que promove o Tiny Desk Concert desde 2008. Mas a de Action Bronson, conhecendo a persona de ginjeira, teria de ser especialmente especial. O carismático (e ponham carismático nisso) rapper de Queens, Nova Iorque, anda por estes dias de novo em demandas gastronómicas, agora num spin-off da série F*ck, That’s Delicious tal qual a concebeu em parceria (entretanto quebrada) com a Munchies da Vice. Música em nome próprio não lança há mais de um ano, desde que editou Crocodrillo Turbo. Mas quem sabe não esquece. E se o Bronsolino desde cedo se notabilizou como um MC com uma identidade muito própria e uma capacidade ímpar de rimar com admirável facilidade, numa linha ténue entre a severidade — que se exige a um puro nova-iorquino — e a bonacheirice, é a actuar, no contacto próximo com o seu devoto público, que Ariyan Arslani se revela, novamente, um performer nato que tem na mão qualquer plateia que se lhe apresente. “How do you play music still?”, “Fuck me up with the funk, man”, “I’ve been able to touch my toes for about three years now”, “I also wanna let you know that the edibles just hit” ou “I was in another world, excuse me for a second” são deixas paradigmáticas dessa presença magnânima. Mais ainda toda a forma como Bronson conduz as operações ao comando da Human Growth Hormone, banda que tem a nada fácil tarefa de o acompanhar. E desde que entra com “Dmtri”, uma das melhores faixas da sua discografia — produzida, claro está, pelo seu fiel parceiro The Alchemist (instrumental que bem poderia ter servido inebriados versos de um Serge Gainsbourg) — até que termina com as incontornáveis e irresistíveis “Terry” (mais uma vez, produzida pelo alquimista de serviço) e “Baby Blue” (com produção do galáctico Mark Ronson), passando ainda por “Live from the Moon” (beat majestoso do mestre Knxwledge) e “Latin Grammys” (super-single carimbado por Tommy Mas), to steal the show como só ele sabe. Mais emblemática que esta? Digam uma.

— Paulo Pena


[Eneida Marta] “Boca D’aluguer”

Embora seja um nome experiente da música lusófona, a cantora guineense Eneida Marta tem mantido uma vitalidade impressionante ao longo da sua carreira. Mais de 20 anos após o lançamento do seu primeiro disco, Nô Stória (2001), a artista continua a lançar música de forma regular e com uma sonoridade refrescante, juntando o melhor da tradição com uma produção contemporânea de qualidade. O seu mais recente single, “Boca D’aluger”, é um ótimo exemplo disso, com um balanço moderno que preserva as suas raízes musicais. Ruben Azziz, Alxx Produtions, Gogui e Dodas Spencer estão nos créditos deste tema luminoso onde Eneida Marta, com o seu crioulo guineense, demonstra mais uma vez como uma nação inteira pode caber na sua voz.

— Ricardo Farinha


https://youtu.be/w6DGg4G7pOs

[Batz] “No Quê Que Vai Dar”

A opinião pode muito bem ser biased, mas o que é facto é que eles andam aí. Mem Martins já tinha visto nascer fenómenos como Landim, Da Blazz, GROGNation, Tristany, Bispo, Julinho KSD, Migz ou Fumaxa, mas a zona da Linha de Sintra que ergue o código 2725 continua a ver “No Quê Que Vai Dar” o seu futuro a nível musical. Se vão vingar ou não, ainda é cedo para dizer, mas há por aí artistas novos a surgir capazes de trazer um flavor diferente para cima da mesa: desta proposta cinematográfica de Batz até ao jersey club de “Sintra Zoo” (quadro pintado por Monteiro GMB e Paulinho SZ), passando pelos Avan Gra ou o vasto leque de afiliados do autor de Sabi na Sabura, com Harley KSD, Trista, Yuran ou Kibow à cabeça.

— Gonçalo Oliveira

pub

Últimos da categoria: #ReBPlaylist

RBTV

Últimos artigos