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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/10/2023

De 09/10/2023 a 15/10/2023.

Rap PT — Dicas da Semana #157

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/10/2023

Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.

De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça. Por dentro e por fora.


[Mura] “Matilha” feat. Cevas, Vácuo, Óssio, Buba, Rumo e João Pestana

CHOPS reúne uma matilha ainda mais expressiva do que aquela que aqui se junta para a primeira faixa de FRENZY, compilação que resulta da rubrica arquivista protagonizada por MuraFrames & Friends poderia, por isso, ser um nome alternativo para o projecto que o rapper de Almada acaba de estrear pela Godsize Records : um EP com produções de Cabril, Nineties Kid e Catalão, scratch de Tommy El Finger e Stereossauro — com quem o MC está a desenvolver o sucessor d’O Álbum do Desassossego —, e ainda beats de gente como Joe Corfield, Lee Scott e The Alchemist ao longo de seis faixas feitas no calor da inspiração.


[Real GUNS] “DAVIDS”

Quanto mais falamos dele, mais Real GUNS nos dá razões para o fazermos. E sobre DAVIDS, álbum que o rapper luso-são-tomense editou em Junho passado pela MAR Records, já tínhamos dado a conhecer a nossa perspectiva — mas impõe-se agora um reforço sobre a faixa homónima, que abre o disco de Ovilton Santiago na pele Edgar Davids. Não só é faixa paradigmática de um trabalho que elevou a fasquia do próprio autor (daí ser a primeira e ter o mesmo título) — muito por culpa, também, da profunda instrumentalização oferecida por MikelPotter e EU.CLIDES —, mas revela-se ainda exemplar da mensagem conscienti que GUNS sempre passou. Um vislumbre do que em Santiago (pequeno documentário realizado por Mariana Domingues, estreado no mês passado) se pode ver.


[Farrusco] “32 Barras Até À Lua” feat. Morkê

Olha outro… O repto feito na semana passada, de que gente como Real GUNS e Farrusco são presença recorrente — por direito — nesta coluna semanal vê-se, novamente, confirmado logo na edição seguinte. Assim, também o rapper de Odivelas voltou em menos de nada com mais ou menos “32 barras até à lua”, à boleia de um instrumental adequadamente melancólico de Romeu Rocha, e com Morkê a trazer uma textura ainda mais ébria a este rap nocturno. Talvez seja a própria Lua que, comovida com os versos deste “rafeiro” do hip hop, se tenha desfeito em lágrimas tempestuosas lá de cima.


[Montblanc] “Pérolas a Porcos” & “Danny Jacobs”

Duas de uma só vez por via das dúvidas. Porque dois é também o número do volume que se avizinha: os Montblanc, colectivo recém-formado originalmente entre GriLocks, Krayy, Crate Diggs, Adilson e Salomão, têm já um segundo capítulo em desenvolvimento depois do primeiro ter sido inaugurado em Junho passado. E são, desta vez, GriLocks, Krayy, Noiatt e Ray DLC quem se chega à frente nesta dupla investida que antecipa um disco de 12 faixas e, ainda, um documentário de todo esse processo.


[Conjunto Corona] ESTILVS MISTICVS

Saiu a uma sexta-feira 13. Com 13 faixas. O simbolismo é evidente e assumido: afinal, ESTILVS MISTICVS aponta directamente ao culto do obscurantismo. No sexto disco de Conjunto Corona (número que já não augura nada de bom), a dupla composta por David Bruno e Edgar Correia (aka Logos) volta a vestir a pele do dito “corona”, mas desta vez o mal é outro: assola-lhe a morte, atormenta-o a superstição, constrange-o a bruxaria. E a cura para essa sina? Só pode estar numa de 25 saquetas de Chá Místico que os próprios hão-de distribuir a quem se vir assombrado por tais nuvens demoníacas.


[nastyfactor] “europa central freestyle”

“Se eu te disser que eu sou bom, não é ambíguo, mano” — factos. Mas não basta dizê-lo. Essa é, aliás, a grande diferença entre nastyfactor e uma série de outros egotrippers: na hora de encarnar essa faceta, há que sacar das divisas, mostrar as patentes, puxar dos galões e pôr todas as cartas na mesa. No rap não há espaço para bluff, e quem queria ir a jogo com o homem-forte dos (agora extintos, mas nunca esquecidos) GROGNation tem de ter truques na manga. Ainda para mais quando a parada já vai num full house de freestyles além fronteiras.


[DansLaRue] “Niggas Sta Trap”

“Opções eu não tive, resultado: porcaria / A viver na rua com a barriga vazia / Drogas e armas, coisas que eu não queria, coisas que eu não queria…” É apenas uma de várias sequências de versos que dão que pensar. E não pelas razões que normalmente nos fazem puxar pela massa cinzenta no que ao rap diz respeito. Não é pelas métricas complexas, pelos duplos sentidos subentendidos ou pelos significados subjacentes a determinadas linhas. Em “Niggas Sta Trap” está lá mesmo tudo, bem explícito. E só nos vêm à cabeça os sucessivos episódios de confrontos, alguns acabados fatidicamente, em que o hip hop, primeiro, e o drill, depois, surgem na opinião pública como causa para um efeito, como razão de ser de toda uma trama que — ignora quem a interpreta superficialmente — tem tantos factores concorrentes invisíveis à superfície. Nada justifica a criminalidade, mas há muita coisa que a explica. E, sem a pretensão de mergulhar em moralismos, a pobreza, a falta de educação (em casa e na escola), ou a exclusão social, podem ser facilmente apontadas como vicissitudes primárias de resultados, muitas das vezes, inevitáveis. Daí que a linha, por vezes demasiado ténue, entre o texto e a realidade, entre a imagem e a prática, seja consequência — sempre. Nunca causa. Agora, essa representação, mesmo que em causa assumidamente própria, não deixa de configurar uma chamada de atenção para a tal realidade alheia na sua totalidade a quem a julga lá de “bué, bué longe”. Cinjamo-nos ao que nos respeita enquanto meros espectadores, não juízes: peças como “Niggas Sta Trap” são tão válidas como esses La Haine‘s que todos glorificamos enquanto obra artística. Dêem-se, por isso, as devidas flores a gente como DansLaRue (uma nova voz muito bem-vinda), além de Rvquire, Wydsun, OnunTrigueiros e Epic 131. Eles bem merecem.

(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)

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