Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça. Por dentro e por fora.
[Sensei D.] “Paz com Veneno” feat. ORTEUM & Vegeta
Ainda nem há um mês Sensei D. nos confidenciava ter um novo projecto a solo em vista, e já Apotheosis vê um primeiro avanço dado. “Paz com Veneno” surge, assim, como a primeira dose do sucessor de Vivificat, trabalho que promete cumprir a mesma matriz daquele que lhe precede: o cabecilha da Godsize Records enquanto anfitrião do disco propriamente dito, com convites estendidos a uma série de rappers que hão-de contribuir para a composição deste longa-duração. Os ORTEUM chegam, dessa forma, como os primeiros convidados de honra, para celebrarem um velho casamento entre o rap e o fado com João Loy (aka Vegeta).
[Nameless & Didi Fuego] “Sin Nombre”
Desaparecido do radar, “Caramelo” havia sido a faixa pela qual demos conta da reapresentação de No1 sob novo alter-ego: na verdade, o regresso, já em nome de Diego Fuego, foi assinalado com “Big Puns”, faixa paradigmática — do título à letra — da linha enveredada por Didi, que aqui se vê acompanhado por um cúmplice da mesma fibra. Nameless é, para o bem e para o mal, um dos rappers mais identitários do panorama nacional, e essa identidade, apesar de bem vincada, encontra pontos comuns com a do seu parceiro — designadamente no que diz respeito à punchline com recurso à manipulação da palavra.
[DJ Sims & Cachapa] “No Ponto” feat. TNT
Na mesma lógica arquivista, recuemos até à segunda edição (que é como quem diz cento cinquenta e quatro atrás, por meados deste mês, mas em 2020) desta coluna semanal para assinalar o primeiro destaque feito nesta sede à parceria estabelecida entre DJ Sims e Cachapa sob o Sistema Intravenoso do primeiro: à data, era “Perfil” que, enquanto segundo single do primeiro álbum do rapper eborense, 2ª Gaveta, merecia menção de honra; agora, é “No Ponto”, quarto single — no qual participa, também, o veterano TNT (ele que ainda no mês passado editou um disco instrumental em nome próprio) — do segundo álbum concebido pela dupla alentejana, Detalhe, que é hoje referido por aqui. Tem sido longa e frutífera a caminhada conjunta. E bem se vê que está longe de se ver concluída.
[Osémio Boémio & Real GUNS] “Gana Di Vivi” feat. LEV GUNS
Se falarmos dos nomes que desde sempre — e mais vezes — apontámos neste espaço, o de Real GUNS é um dos mais óbvios. E a culpa é toda dele, há que deixar bem claro. Da parte que nos toca, fica a garantia de que o critério sempre se pautou, tanto quanto possível, por uma imparcialidade face ao reconhecimento de qualidade ou, pelo menos, de potencial. Daí que o invariável destaque que Ovilton Santiago tem merecido por aqui se deva, precisamente, à obra que tem desenvolvido ao longo dos últimos anos. S.C.M. (Street Culture Music) é, assim, mais um importante capítulo na sua jornada, com Osémio Boémio responsável pela sua concretização. E tanto o mote inscrito no título do projecto como a faixa aqui evidenciada representam por excelência a essência deste rapper irreverente como poucos.
[Farrusco] “Doce de Leite”
Permitam-nos a extensão de um fio condutor nesta senda de lançamentos, apenas pela razão de que, casualmente, se têm alinhado numa ordem não premeditada, mas ainda assim convenientemente lógica: Farrusco não é dos que sempre cá esteve, mas é dos que mais vezes vai estando. Novamente, a responsabilidade recai inteiramente sobre o rapper de Odivelas. Não é a primeira vez que vemos um pico de consistência emergir, mas a ética de trabalho do autor d’O Cão Que Encontrava Trufas no último ano tem sido admirável. Esta semana é exemplo disso mesmo: além de ter partilhado a receita de “Doce de Leite”, partilhou também o microfone com Parker — que produziu ambos os instrumentais — em “RELAXA”.
[Ace] Biografia de uma Consciência
É um histórico, quer em nome próprio ou, sobretudo, a partir do legado que deixou enquanto membro dos Mind da Gap. Mas esse posto, como muitas vezes acontece, não o fez recostar-se na prateleira dos pioneiros reformados, bem pelo contrário. Só nos últimos três anos, Ace editou três álbuns — e o terceiro chegou-nos há bem pouco tempo: Biografia de uma Consciência — dissecado em entrevista conduzida por Ricardo Farinha — estreia no ano em que o “Padrinho” celebra 50 anos de vida, tantos quantos a cultura à qual se dedicou há praticamente três décadas. Simbólico quanto baste.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)