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Publicado a: 17/04/2017

O passado, presente e futuro do hip hop, segundo Tom Silverman

Publicado a: 17/04/2017

[TEXTO] Tom Silverman [FOTO] Os Fredericos

No passado dia 4 de Abril, a Pitchfork avançou com a notícia de que o mais recente álbum de Kanye West, The Life of Pablo, atingira o estatuto de disco de platina. Tudo normal até aqui; felizmente, esta ainda é uma fasquia facilmente alcançável no mercado de música norte-americano. O grande feito esconde-se, porém, no formato. TLOP é o primeiro disco sem edição física – está apenas disponível nas plataformas de streaming – a conseguir uma certificação RIAA (Recording Industry Association of America). Desde o seu lançamento, o álbum foi escutado via streaming mais de 3 mil milhões de vezes e foi também o único trabalho neste formato a entrar para o top Billboard 200. Todas estas conquistas denunciam alterações no paradigma da música actual, não só no que diz respeito às vendas analógicas e/ou digitais (streaming incluído) mas também na representatividade do estilo em si. O hip hop está, mais que nunca, a conquistar o mundo. E não há como negar.

 



Tom Silverman, fundador da editora Tommy Boy (selo que desempenhou um papel importantíssimo em carreiras de artistas como Afrika Bambaataa, De La Soul, Naughty By Nature e Queen Latifah, entre outros) e co-fundador do New Music Seminar (um congresso onde se debate, discute e transforma o mercado musical, ajudando artistas, editoras e profissionais da área a vingar na indústria), marcou presença na edição deste ano do Westway Lab Festival, em Guimarães, onde conduziu uma palestra precisamente dedicada à Internet e ao streaming. Desenganem-se aqueles que pensam que ele trouxe consigo um daqueles exemplos que julgamos sempre inatingíveis, dada a distância abismal que os separa da nossa realidade. Nada disso. O caso de estudo que colocou em cima da mesa foi o nosso. Sim, o português. Silverman atravessou o atlântico para nos tentar mostrar o que está mal na nossa engrenagem e sugerir formas de melhorar o seu funcionamento. E diga-se que fez um trabalho de casa inacreditável (ler a terceira página do diário do Rimas e Batidas na cidade-berço).

A visão sempre foi um dos sentidos mais apurados de Tom Silverman, prova disso foi o facto de ter percebido, no início dos anos oitenta, que algo estava a acontecer na cidade de Nova Iorque, mais precisamente no bairro do Bronx. “Aquilo que se fazia ainda não era hip hop”, afirmou o empresário em conversa com o Rimas e Batidas, “havia DJs como Grandmaster Flash, Kool Herc e Afrika Bambaataa a misturar soul, funk e r&b de forma muito peculiar, e era nas discotecas gay que estavam a ganhar maior expressão”. Tom Silverman estreou-se no negócio da música na era do disco, ao criar uma newsletter inteiramente dedicada a DJs, a Dance Music Report, através da qual dava a conhecer novas músicas e tendências, e que o levou a explorar, também, a indústria musical e tudo o que nela estava incluso, dos artistas às editoras. “Eu tive acesso a muita informação, conheci muitas pessoas, sabia perfeitamente o que estava a acontecer nas ruas e não só, por isso, posso dizer que estava muito envolvido no meio”, rematou.

 



Fundada em 1981, a Tommy Boy foi, a par de editoras como a Sugarhill Records e a Enjoy Records, uma importantíssima catapulta para um movimento que estava em clara fase de desenvolvimento. A memória de Silverman leva-o até ao seu primeiro contacto com Afrika Bambaataa, o artista que foi a pedra basilar da sua editora. “Lembro-me que estava a fazer um artigo para a Dance Music Report sobre uma loja de discos em Nova Iorque, a Dowstairs Records, que tinha um espaço inteiramente dedicado a breakbeats. Fui lá e deparei-me com uma série de putos a comprar discos de um modo algo desconexo, ou seja, que pouco ou nada tinham a ver uns com os outros. Rock, soul, jazz, tudo e mais alguma coisa. Perguntei-lhes o porquê de estarem a comprar estilos tão variados e sem um fio condutor aparente, e eles responderam-me que era a música que Afrika Bambaataa andava a tocar. Percebi logo que algo se estava a passar. Tinha obrigatoriamente que conhecer aquele DJ”, recordou Silverman.

Afrika Bambaataa tocava num clube chamado T-Connection, no Bronx. Foi nesse mesmo clube que Tom Silverman lançou um convite ao DJ para entrar em estúdio. O ambiente dentro daquelas quatro paredes será muito difícil de imaginar mas em muito se deverá assemelhar ao que a série The Get Down nos consegue aproximar, com o público a dançar em profundo estado de êxtase e pequenos grupos, os b-boys, a ensaiarem passos daquilo que mais tarde se viria a chamar breakdance. “O que mais me impressionou em Afrika Bambaataa nem foi o facto de misturar músicas de James Brown, Parliament-Funkadelic ou Sly Stone, o que é perfeitamente normal derivada a localização do clube e a esmagadora maioria de jovens negros na pista de dança, mas sim a ousadia de incluir bandas como Kraftwerk nessas misturas, algo que nunca me passaria pela cabeça. E as pessoas ficavam loucas com isso…”.

 



“Planet Rock” é, sem grande margem para dúvidas, um dos maiores clássicos de hip hop de sempre, a par de “Rapper’s Delight” dos Sugarhill Gang e “The Message” de Grandmaster Flash and The Furious Five. Quando o produtor Arthur Baker, o teclista John Robie e Bambaataa se fecharam no estúdio para gravar o tema estavam certamente a milhas do sucesso que este iria alcançar. Tom Silverman, porém, não tinha dúvidas quanto a isso. “Eu senti que aquilo iria longe. Aquilo era algo novo, fresco, com pernas para andar”, garantiu ainda ao ReB, “sempre gostei de artistas desafiantes que não delimitassem os seus trabalhos, que procurassem algo novo. E isso acabou por voltar a acontecer com os De La Soul, anos mais tarde. Eles incluíam elementos de jazz nas suas músicas e procuravam sempre ter uma visão inovadora na cultura. Mesmo os vídeos com os grandes colares de ouro eram algo fora do comum… [risos] ”. Os De La Soul entraram para a Tommy Boy no final dos anos oitenta, à boleia do intocável 3 Feet High and Rising, e por lá se mantiveram até 2002, altura em que rescindiram contracto.

Em 1985, a Warner Bros Records comprou metade do selo da Tommy Boy (a totalidade da compra seria concluída em 1990), todavia, Tom Silverman conseguiu reconquistar a independência da editora em 2002 e encontra-se, neste preciso momento, a tentar reaver todo o seu espólio editorial, algo que o próprio confessa não estar a ser fácil. Nos entretantos, tem-se mantido activo em várias frentes e vai espalhando a sua visão e sabedoria por esse mundo fora. O mais recente projecto foca-se no mundo dos samples, mais precisamente numa plataforma chamada Tracklib. “No fundo, trata-se de uma gigantesca livraria com músicas para samplar, que poderão estar acessíveis através de quantias que vão dos 50 cêntimos aos 25.000 dólares [qualquer coisa como €0.47 a €23.549]. A ideia é acabar com o pesadelo do sampling no hip hop, oferecendo aos músicos formas fáceis, económicas e ao abrigo da lei. Será possível pesquisar por nome, artista, álbum, estilo, ano, editora, instrumentos utilizados (caso o produtor pretenda apenas uma linha de baixo, um sintetizador ou uma guitarra, ou queira apenas a voz). Teremos também a possibilidade de escolher entre faixas a cappella, temas instrumentais e, melhor de tudo, vai ser possível procurar partes de letras e refrões, o que reduz em muito o tempo de pesquisa”, revelou o CEO.

 



A plataforma já existe online, mas ainda é de acesso privado, só daqui a um ano, mais coisa menos coisa, é que será aberta ao público, pois, para já, segundo palavras do próprio, só estão “cerca de 5000 músicas disponíveis”.

Regressemos a Kanye West. Yeezus, o seu penúltimo álbum, foi em grande parte produzido e gravado num computador no loft de um hotel em Paris, a milhas daquela ideia de estúdio grande repleto de maquinaria que normalmente acompanha os artistas do seu nível e estatuto, o que muita gente viu, na altura, como um processo pouco convencional. Tom Silverman possui uma visão muito alargada e pouco conservadora em relação ao hip hop (e à música na sua generalidade), o que lhe valeu várias conquistas ao longo do seu percurso. “Se este é um estilo que sempre procurou derrubar barreiras e trazer novidade, não percebo a razão pela qual muita gente insiste em fechá-lo dentro de balizas. Em 1981, andávamos a utilizar máquinas como a tr-808 e a Fairlight CMI [ambos os aparelhos foram passados a pente fino na nossa rubrica Casa das Máquinas] para produzir “Planet Rock”; hoje os processos são completamente diferentes e todos bem-vindos, desde que o resultado seja bom. Ainda há pouco tempo gastei uma pipa de massa num Synclavier, sampler utilizado no tema “IOU” de Freeez, a pensar que tinha feito uma excelente compra mas arrependi-me de seguida, pois reparei que tinha um som horrível. Lá está, nem tudo o que parece, é. Há que quebrar esses estereótipos”, rematou.

Sobre o futuro do hip hop, Silverman também tem uma opinião muito fixa. “O trap está na moda, sem dúvida alguma, mas sinto que não irá durar muito tempo, por isso é que não tenho grande interesse em assinar artistas desse subgénero à Tommy Boy. Tivemos o Gucci Mane, é verdade, mas as coisas, mais tarde ou mais cedo, vão evoluir noutra direcção. Posso dizer-te que já tenho na mira alguns artistas que estão a fazer coisas completamente diferentes. Inovar. É isso que me interessa. E é por isso que dou valor a artistas como o Kanye West, que passam a vida a desafiar a indústria e a alterar as regras do jogo. O que ele fez em The Life of Pablo foi incrível. Um álbum sem edição física e com um carácter mutável? Faz todo o sentido, principalmente quando nos afastamos cada vez mais do formato físico, palpável. Para quê continuarmos a insistir em algo que daqui a uns anos deixará de fazer qualquer sentido? As gerações vindouras vão estar completamente desligadas do CD e do disco de vinil, não vão crescer com isso. Não vale a pena continuarmos a alimentar esse sentimento de posse”.

Inovar e derrubar muros, é disso que se trata.

 


https://www.youtube.com/watch?v=9lDCYjb8RHk&list=PLADC31AACD25DBFDD

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