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Fotografia: Paradigm Disc
Publicado a: 10/02/2022

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica Série II | #6: Especial Legowelt

Fotografia: Paradigm Disc
Publicado a: 10/02/2022

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[Smackos] Fables From a Silent Wave / Nightwind Records

Bem sei que ainda há cinco minutos abrimos a Oficina para inspeccionar obra recente de Danny Wolfers, aka Legowelt, mas se o holandês voador decide largar mais matéria sonora sobre o mundo, quem somos nós para fecharmos os ouvidos, ainda por cima se é disponibilizada para download gratuito no seu Bandcamp? Fables From a Silent Wave é a sua mais recente criação, desta vez atribuída ao alter-ego Smackos, um dos mais duradouros e prolíficos da galeria de máscaras do senhor Wolfers tendo dado os primeiros sinais de “vida” em 2004 com The Age of Candy Candy e lançado ao longo dos anos seguintes mais seis álbuns. Este é já o oitavo nessa conta paralela, o terceiro com carimbo Nightwind Records.

E é o autor que enquadra (mais ou menos…) este novo registo: “A maior parte deste álbum foi gravado por volta de 2017 no North Sea Institute for the Overmind”, revela Wolfers, referindo-se ao seu próprio Home Studio. “Este mês tive finalmente alguma energia para juntar a arte de capa, faixas e “masterização”, etc.. Como de costume, composições de síntese de Smackos pesadamente alucinadas para o vosso deleite de escuta profunda”. Ou algo do género.

Muito bem. Na capa temos então mais uma das fabulosas aguarelas de Wolfers (e espero, muito sinceramente, que o próprio ou outra pessoa se digne um dia compilar toda essa arte em apropriado coffe table book), esta mostrando quatro pessoas, uma delas um mecânico e as restantes supostos turistas, no que parece ser uma ilha tropical e ventosa enquanto um hidroavião se aproxima da costa. Estas preciosas fantasias juntamente com os títulos alimentam esboços de narrativas que de certa maneira ajudam a fazer sentido da música: “Supernova Cherry Dessert”, “Ascending at the Golden Gate”, “L.A. Science Fiction League Picnic” remetem para um cenário sci-fi, mas “Brooding Atmospheric Prospects”, “Do You Own your Own Island” ou “Where The Endless Minds Go” já parecem ligar-se a algo de diferente, mais misterioso e terreno.

Musicalmente, trata-se de puro algodão doce colorido assinado por Danny Wolfers e criado com Novation Supernova, Akai S900 (há um tema, “Le Chaleur Sombre d’un S900”, cujo título já indicava a sua presença), Waldorf Blofeld, Waldorf Pulse 2 (“Fluttering into a Pulse Storm”), Roland JP08 & JV2080 “e provavelmente muito mais”, admite o autor, já não inteiramente ciente das ferramentas utilizadas “por volta de 2017”. Em “Volons Près des Vagues” surge a voz diáfana e distante de Cassiopeia Blumenthal (o seu único crédito no Discogs é este mesmo tema o que aponta para mais um alter-ego, mas esta “artista” também abre a Shadow Wolf Cover Tape II a que dou atenção mais abaixo).

O hipnótico modo de sombria melancolia que parece atravessar muita da obra de Legowelt domina por aqui, com o constante massajar sónico através dos arpégios sintetizados a criar uma espécie de bolha protectora assim que fechamos os olhos, abrimos os ouvidos e nos deixamos transportar para a tal ilha. Mas há igualmente ecos óbvios do lado mais techno deste devoto estudioso das malhas dos Underground Resistance, como por exemplo “Brooding Atmospheric Results” ou “Fluttering Into a Pulse Storm”, peças que soam como maxis de 45 rotações tocados a 33, com aquele “thump” do bombo a empurrar-nos para dentro de um clube vazio e escurso, amplo como um hangar, opressivo como um bunker. Há algumas vozes sampladas, como em “La Chaleur Sombre d’um S900”: “You’re in the great archive chamber. Many of the ancient secrets are available here for those who know how to access them”, garante-se. E é a mais pura verdade. O que Wolfers aqui cria com o mítico S900 não se equipara ao que os produtores hip hop de finais dos anos 80 (como 45 King que o usou na mítica “The 900 Number”) faziam com essa máquina de 12 bits, o que é, aliás, admirável: é um mais sombrio exercício beatless que, como muito do material restante, soa mais apropriado para um thriller sci-fi dos anos 80, algo como um spin-off série-Z de Blade Runner. Venha de lá a cassete, senhor Wolfers! Por favor…



[Vários Artistas] Shadow Wolf Cover Tape II / Nightwind Records

Recentemente, demos por aqui conta do lançamento de mais um volume do delirante fanzine digital de Legowelt que, como é óbvio, chegou acompanhado da sua própria banda sonora, igualmente disponível em modo “name your price” na sua página de Bandcamp. Além do supra-mencionado Smackos e de alter-egos familiares como Legowelt (que contribui com uma peça high energy apropriadamente titulada como “Macho Gym”) ou Occult Orientated Crime (peça inspirada em gabber e envolta em dream synths), há, certamente, várias outras “máscaras” do senhor Wolfers por aqui: se nomes como Northern Trashman (pulso house envolvo em synths), Alan Harman (electro com voz irónica que soa a maquete lançada em cassete em 1983), Vot’Ress (experimentalismo proto-industrial), Battery Duck 202 (acid-techno lo-fi), Alecto Rammer (parece um híbrido electro-italo disco aditivado com esteróides e obviamente lo-fi) ou Hermit in a Rave Cave (electro-techno irónico) não fazem disparar alarmes, então é porque não conhecem bem o alcance da delirante imaginação deste senhor. E isto para já não falar em Cassiopeia Blumenthal, a tal artista que também surge em Fables From a Silent Wave, que o Google não confirma que exista e que aqui assina uma peça que é Legowelt by numbers.

Mas também se encontram por aqui outros artistas bem mais “reais”, como o japonês Mystica Tribe) (que assina um “Sark Island Dub” electrónico que bem poderia ser de Nick Manasseh), a holandesa Alina Valentina (“Acheron” é darkwave de tons melancólicos), Fred Sin (que assina uma interessante e sombria deriva techno de título “Benzo Pressure”), Okkie (holandês com som 8-bit oriundo da demoscene), Eargoggle & 240 Interceptor (mais electro-techno, este com origem na Suécia), Caline With C (produtora lituana holandesa aqui em modo Egyptian Lover), Ian Martin (produtor de Roterdão com mais uma excursão techno despida até ao tutano), Max Schreiber (que contribui com peça de drone ambiental com recorte nocturno e opressivo) e Jentlemen (tema de spoken word com fundo electrónico por produtor/a que diz ter vivido em Den Haag e que há um par de anos lançou uma cassete na mesma Hunger que nos deu Alchemulator… hum será que?…).

Tudo somado, esta Shadow Wolf Cover Tape II é mais uma entrada possível para esse portal para uma dimensão alternativa que é a obra de Danny Wolfers, um incansável criativo que ciou um espaço tão específico que parece mesmo não ter equivalente, pelo menos não nesta área em que a memória da rave é depurada até ao infinito e aplicada em delirantes e fantasiosos contextos. Não há nada como experimentar entrar nesse mundo paralelo. Avisa-se, no entanto, que depois poderá ser difícil sair.

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