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Ilustração: Riça
Publicado a: 16/01/2021

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #50: Soul Jazz Records / Group Modular

Ilustração: Riça
Publicado a: 16/01/2021

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[Vários Artistas] Deutsche Elektronische Musik 4 / Soul Jazz Records

A série Deutsche Elektronische Musik (DEM) inaugurou-se no seio do vasto catálogo da Soul Jazz Records há exactamente 10 anos. O quarto volume, recentemente editado, é mais uma válida manifestação do permanentemente renovado fascínio pela mais aventureira produção musical electrónica, sobretudo a que se concentrou na década de 1970 e que provou haver muita vida para lá dos Can ou Kraftwerk. A abordagem da Soul Jazz à arte da compilação nunca foi acerca do mais fundo dos mergulhos, embora não seja invulgar ver o catálogo orientado por Stuart Baker a atirar-se com assinalável sucesso para fora de pé, como por exemplo sucedeu na série Punk 45, mas é inegável que as suas propostas são invariavelmente sólidas, aliando cuidado e rigor na curadoria a uma vibrante capacidade de “embrulhar” cada uma das suas “exposições” de forma graficamente apelativa.

A série inaugurou-se com um primeiro volume lançado em 2010 e que expunha o seu programa de forma clara no subtítulo: “Experimental German Rock and Electronic Musik 1972-83” alinhava nomes incontornáveis como Can, Harmonia, Popol Vuh (que mereceriam mais tarde uma entrada à parte no catálogo da Soul Jazz), Conrad Schnitzler, Faust, Neu!, Cluster, Amon Duul II, Ash Ra Tempel e Tangerine Dream, focando diferentes nuances do lado mais exploratório da tão influente cena rock alemã. Mas essa primeira missão ao universo krautrock também revelava agudo espírito de aventura ao resgatar ao passado música de gente como os Between, Gila, Kollectiv, Michael Bundt, E.M.A.K. (que no mesmo ano viram esta mesma editora a lançar a antologia A Synthetic History of E.M.A.K. 1982-88), Ibliss ou Deuter, ocupantes de uma menos notória segunda linha, mas nem por isso menos desafiantes de um ponto de vista musical.

O segundo volume, lançado em 2013, alargou muito ligeiramente a baliza temporal – o mesmo subtítulo refinava as datas para 1971-83, recuando um ano em relação ao primeiro – e embora repescasse vários dos protagonistas da compilação inaugural da série – como os Can, Neu!, Popol Vuh, Amon Duul II ou Conrad Schnitzler -, ia bem mais longe ao propor uma viagem à memória da mais aventureira produção alemã com paragens nas obras de artistas como Roedelius, Michael Rother, A.R. & Machines, Michael Hoenig, Agitation Free, Harald Grosskopf, Broselmaschine, D.A.F., Wolfgang Reichmann, Pyrolator, Sergius Golowin, Niagara, Rlf Trostel ou, para citar apenas mais um exemplo, Asmus Tietchens.

Quatro anos depois, em 2017, saiu o terceiro tomo de DEM, apontando para o período compreendido entre 1971 e 1981 para recolher matéria inventiva de nomes já anteriormente representados na série – casos de A.R. & Machines, Agitation Free, Michael Bundt, Between, LA Dusseldorf, Cluster ou Pyrolator -, mas não deixando de expandir o território já coberto ao alinhar ainda nomes como Klaus Weiss, Deutsche Wertarbeit, Dzyan, Missus Beastly, Alex, Novalis, Achim Reichel ou Streetmark, garantindo tanto a iniciados como a iniciantes uma recompensadora experiência de audição.

E eis que se chega agora ao volume 4, que volta a expandir a moldura temporal recolhendo música lançada entre 1971 e 1983. A estratégia de pegar em nomes já representados em volumes anteriores mantem-se e encontra-se no alinhamento que volta a espraiar-se por dois CDS ou três LPs: Alex, Klaus Weiss, Can, Agitation Free, Deutsche Wetarbeit, Amon Duul II, Michael Rother ou E.M.A.K. são todos convocados. Mas também há novas entradas na série protagonizadas por bandas e artistas como Virus, Kalacakra, Et Cetera, Gunter Schickert ou Witthuser & Westrupp. Ou seja, uma amostra suficientemente variada para se estender do rock de groove musculado e recorte psicadélico de Alex, Gunter Schickert ou Dzyan até uma free folk de tranquilo dedilhar acústico, gravações de campo com pássaros e subcave de caóticos ruídos protagonizada por Witthuser & Westrupp, passando pela electrónica pulsante de Klauss Weiss, pela cadência motorik dos Can, pela pop sintética de Deutsche Wertarbeit ou E.M.A.K., pelo misticismo estratosférico e eléctrico de Amon Duul II ou Virus, descargas xamânicas de Kalacakra, leituras mais pastorais da paisagem alemã a cargo de Et cetera ou Between, e múltiplas tangentes à electrónica mais kosmiche por parte de Conrad Schnitzler, Roedelius e Harmonia. Ou seja, um retrato feliz de uma cena muito particular que ousou encarar o novo com um espírito de compreensível escape, tendo em conta aquilo que era a história recente do país.

Muito complicadol escutar uma destas compilações e não acabar com mais um considerável número de adições à interminável wantlist do Discogs, lista essa que sabemos bem ser impossível de debelar totalmente tendo em conta os preços de alguns originais, mas, hey, podemos sempre adormecer com uma compilação destas a embalar-nos e sonhar que ganhámos a lotaria, não?



[Group Modular] Time Masters / Politechnic Youth

Os mestres do tempo a que se refere o título do segundo álbum do duo israelita Group Modular são os seis bateristas convidados para criarem as fundações deste seu segundo álbum que surge “meros” oito anos após a entusiasmante estreia registada em The Mystery of Mordy Laye que em 2012 mereceu edição da Audio Montage Entertainment.

O duo é composto por Markey Funk, que também tem considerável produção em nome próprio que explora sobretudo os pontos de confluência entre os terrenos do funk e do psicadelismo, e Mule Driver, alter ego de Harel Schreiber, artista mais próximo das electrónicas de pista, como bem atestado pelo seu recente trabalho Rainshadow. Juntos, Markey e Mule asseguram teclados, diferentes ferramentas electrónicas, alguma percussão, baixo e guitarra e contam com pontuais ajudas de Itai Anker (baixo em “The Big Hunt”) e Zohar Shafir (que empresta a sua voz a “The Phantom Mazone”).

Os bateristas são, no entanto, as verdadeiras “estrelas” do projecto: Sagi Sachs, habitual colaborador do duo, faz-se ouvir em Chatterbird” e “Ke II”; Elia Yakin oferece o seu intrincado pulso a “Time Masters” e “Optical Menuet”; Matan Assayag (Hoodna Orchestra/Shalosh) assegura o ritmo de “Hommes de Metal”, “Ignition” e “Shaking the Grid”; Yonadav Halevy (The Apples) carimba as cadências para “Black Sphere” e “Everything Is a Number”; Ori Lavi toca bateria em “The Whale Submarine”, “Ke I” e “Horology”; e, finalmente, há Hezus (3421/Trillion/Left) que se escuta em “The Phantom Mazone” e “The Big Hunt”. As bases rítmicas podem ter sido gravadas entre Jerusalém, Leipzig e Brooklyn, mas a verdade é que Time Masters tem uma identidade sónica coesa que nos remete para a era dourada da library music de finais dos anos 60 a meados dos anos 70 do século passado – o som é denso, mas com bastante espaço, vincadamente analógico, extremamente bem definido e misturado. Em suma, um trabalho de paixão que justifica plenamente os três anos de gestação que exigiu.

Os Group Modular existem no mesmo plano de uns MRR-ADM ou Heliocentrics, um terreno que um dia descrevi como Lab Funk, obviamente informado por um atento estudo do output de editoras de library music como a KPM ou a De Wolfe, mas também sintonizado com as derivas da electrónica pioneira e obviamente com alcance suficiente para ter encaixado o que grupos como os Stereolab, de um lado do espectro, ou Poets of Rhythm, de outro, fizeram com essa mesma matéria. O resultado do cruzamento de todas essas coordenadas é deveras entusiasmante, com o álbum a estabelecer-se como um lúdico e fantasioso exercício, como se o duo tivesse querido condensar em 14 momentos todas as suas paixões musicais num registo resolutamente psicadélico, mas também profundamente samplável, quase como se ambos tivessem estabelecido o objectivo de criarem o disco que adorariam um dia ter encontrado perdido numa qualquer cave poeirenta de um loja de discos de segunda mão. Baterias musculadas, propulsoras das camadas electrónicas que suportam, com carácter e groove suficientes para deixarem um sorriso rasgado no rosto de qualquer beatmaker que meta este disco a tocar ao lado do seu sampler de eleição.

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