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Ilustração: Riça
Publicado a: 13/11/2020

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #45: Favela Discos / Fancy Weapons / Loosers

Ilustração: Riça
Publicado a: 13/11/2020

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[Vários Artistas] In Trux We Pux 01 / Favela Discos

In Trux We Pux é uma compilação conduzida pela Favela Discos que se propõe a registar e expor um conjunto de correntes sonoras e de práticas colaborativas que se tem desenvolvido no cenário da música experimental e improvisada feita no Porto”, explica-se nas económicas, mas directas notas de lançamento deste novo registo. “Este volume contém uma selecção de músicos provenientes de diferentes campos da música electrónica, que foram convidados a colaborarem e produzirem uma faixa inédita”, adianta-se ainda. Claríssimo. E isso significa, portanto, que este volume inaugural de In Trux We Pux inclui música de Arbusto de Bayas (Tito Silva + Filipe Silva), dos @c (Pedro Tudela e Miguel Carvalho) em colaboração com os Well (Inês Castanho e João Sarnadas), de ocp (João Ricardo) com Patches (André Miranda, Cláudio Oliveira, Daniel Assunção, João Soares, Marcelo Reis, Nelson Duarte, zero_one), COLETIVO VANDALISMO (Pedro Abrantes, Valdemar Pereira) com QUERIDO LÍDER (Rui Fonseca), Challenger (Luís Kasprzykowski) em encontro com Lorr No (Nuno Loureiro) e ainda de MOSCXS (Inês Silva, Olan Monk, Pierre Pierre Pierre, Xavier Paes).

Musicalmente estamos em perfeito domínio da mais pura música experimental, liberta de formas, abstracta na sua apresentação e conteúdo, profundamente visual e textural, erguida a partir de drones, pulsares electrónicos, manipulações sonoras de ordem variada, música que quase sempre parece evocar espaços fechados, por vezes até, como acontece com a proposta “Demon Break” de Challenger & Lorr No, soando como se emanasse do âmago das próprias máquinas que habitam esses espaços confinados – ares condicionados, sistemas de ventilação ou refrigeração, maquinismos de elevadores ou escadas rolantes, diferentes tecnologias da nossa existência urbana.

Mas há outro tipo de “imagens” presas a estas músicas: “MOSCXS”, peça do colectivo com a mesma designação, opõe uma voz feminina altamente processada ao que parece a depuração de uma música de características pesadamente góticas: “não sei porque insistes em prender os meus passos”, vocifera ela, tornando-nos a todos voyeurs, enquanto um instrumento de sopro, igualmente processado, sugere um demente solo que se encaixa na perfeição no pesado ambiente desenhado. Noutra direcção segue a peça de COLETIVO VANDALISMO & QUERIDO LÍDER, mais percussiva, mas também resolutamente abstracta, embora a dada altura desponte uma sugestão melódica que até parece conter ecos de um qualquer folclore imaginado.

As vozes distantes que, inicialmente, vagamente se percebem por cima da abrasiva base criada por Arbusto de Bayas e que depois parecem mais nítidas, como se se estivesse a captar uma qualquer transmissão (em castelhano ao início, numa língua que não entendo depois) ajudam, logo a abrir esta viagem, a criar um sentimento de algum desconforto e sufoco que tanto a peça de @c com Well como a de ocp & Patches só reforçam com os seus drones fundos e imbuídos de mistério.

No final, fica-se com a sensação de terem percorrido as diferentes divisões de um mesmo edifício onde coisas estão a acontecer, onde pessoas entram e saem, onde nos perdemos e sentimos, afinal de contas, quão estranhas podem ser as cidades, sobretudo quando nos sentimos presos dentro delas.



[Fancy Weapons] Ringatoinus Amen / Meifumado

PZ desligou o microfone, ligou o Fruity Loops, pôs os seus desenhos animados favoritos em loop no monitor do estúdio e decidiu criar a banda sonora perfeita para o filme que relata as suas memórias de infância. O Fortnite não mora aqui. Em conversa com Gonçalo Tavares para o Rimas e Batidas, o multifacetado artista portuense confessava que a memória pode ser uma poderosa arma criativa: “Tento manter-me consciente de que há sempre momentos para crescer e de que uma pessoa nunca é totalmente adulta a não ser que o decida ser. Portanto, inevitavelmente, mas também conscientemente, procuro regressar a estas memórias”.

Ainda bem, porque este Ringatoinus Amen é um vórtice plenamente lúdico feito de bleeps, bloops, pulsares 8-bit, animadas síncopes e melodias de videojogo numa orgia electro com robots que não avançaram para lá daquilo que a imaginação dos seus criadores pudesse ditar nos anos 70 (e, portanto, nada a ver com aqueles que agora surgem na série Raised By Wolves). Mas o passado que PZ aka Fancy Weaspons consegue observar a partir do seu laboratório confortavelmente instalado em 2020 está, pois claro, contaminado pela perspectiva do presente. E por isso esta música parece ser indissociável de uma dimensão melancólica, o que difere, ainda assim, de um qualquer menos interessante (em termos criativos, pelo menos) impulso de mimetismo retro. Paulo Zé Pimenta não está interessado em “autenticidade” ou “rigor histórico” nestas suas vívidas peças electrónicas, antes em fantasiar a partir de uma ideia. E isso rende um belíssimo trabalho musical, combinação entusiasmante de ritmos programados com a língua firmemente encostada à bochecha, com baixos que se movem como a figura que se contorcia progressivamente mais comprida no jogo snake e assomos melódicos que entram e saem de campo como aquelas pequenas figuras geométricas que vagueavam pelo espaço no jogo dos asteróides.



[Loosers] Kill Screen / Lovers & Lollypops

Meros sete anos depois de Hot Jesus (e o que é isso quando consideramos o tempo cósmico em que, a julgar pela música, os Loosers por vezes parecem habitar?), eis que os Loosers regressam com um intenso Kill Screen, desta vez oferecido ao mundo em versão digital carimbada pela Lovers & Lollypops. Em 2020, os Loosers são Jerry The Cat na voz, Guilherme Canhão no baixo e sintetizador, José Miguel Rodrigues na bateria, percussão e loops e Rui Dâmaso na guitarra e sintetizador. E em 2020, os Loosers soam como o resultado de um improvável encontro dos Can com os Pop Group num estúdio das Bahamas.

Há uma subtil dimensão de dub espectral que lhes atravessa o som, a que se acrescenta uma depuração do pulso motorik de Jaki Liebezeit, com os delírios poéticos de Jerry a colarem-se de forma sensual ao desacelerado passo que o grupo lisergicamente nos propõe, como acontece em “Hurt Me”, por exemplo. E depois há o lado psicadélico que se manifesta na forma como o espaço aural é gerido na mesa de mistura, com uma permanente busca da sensação de deslocação (que se torna nítida na forma como diferentes camadas de ruídos e frequências colidem em “Get Out of My Head”, por exemplo), um pouco como acontece na música de dança que é pensada para as pistas dos clubes menos iluminados, aquela música que busca uma dimensão xamânica e que inspira ao abandono físico que se alcança quando o êxtase é real. Os Loosers são isso tudo. E são certamente um dos grupos que mais gostaria de ver em cima de um palco nos próximos tempos.

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