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Ilustração: Riça
Publicado a: 05/10/2020

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #39b: Monster Jinx / Sarnadas

Ilustração: Riça
Publicado a: 05/10/2020

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[Vários] Cursed Vol. 1 / Monster Jinx

Atente-se ao volume de produção da Monster Jinx em 2020: lançaram The Life of Pie dos Don Pie Pie, sete volumes na série filha do confinamento Crib Season (que lhes rendeu 49!!! novas faixas), revelaram a estreia do guitarrista Saloio (com um tão delicioso quanto injustamente ignorado “Páscoa”), apresentaram o sexto volume da série anual Roxo e ainda deram espaço em catálogo ao “diálogo” de Maria e DarkSunn em Crooked n’ Grinded. Agora, o monstro roxo mantém a pressão alta com novíssimo trabalho colectivo que recebe o promissor título Cursed Vol. 1 (promissor porque sugere a inauguração de nova linha de montagem numa “fábrica” que obviamente gosta de trabalho em série). E, ressalve-se, já que é importante, à quantidade a Monster Jinx junta um rigoroso controle de qualidade.

Para esta nova aventura contribuem muitos dos suspeitos do costume: Maria, Raez, DarkSunn, Ghost Wavvves, Liquid, OSEB, J-K (numa faixa com Ghost Wavvves), MAF, NO FUTURE ou E.A.R.L., abrindo-se ainda espaço para o estreante Vasco Completo. A primeira constação serve para reforçar uma ideia já há muito explorada nestas páginas: a de que há uma nítida identidade Monster Jinx que ainda assim não esmaga as personalidades dos diversos artistas que se abrigam nesse porto seguro. O som da Jinx é futurista, tem balanço hip hop e uma clara linha experimental, um arrojo estético evidente, uma sofisticação técnica ambiciosa com o sound design de todos os seus lançamentos a merecer apurado cuidado. Esta gente sampla, pois claro (escutem-se os contributos de DarkSunn ou Raez), consegue até atirar-nos com rimas que ousam seguir diferentes cadências (J-K é o MC da casa), e começa a reunir músicos (Vasco Completo, Liquid) que aos habituais arsenais digitais de samplers e controladores acrescenta instrumentação mais convencional (Vasco é guitarrista, Liquid é baterista, por exemplo).

E depois, este é um conjunto de artistas que não temem trilhar caminhos menos frequentados: Ghost Wavvves é um permanente raio de luz, de intenso brilho digital; OSEB segue um caminho mais próximo das sombras, um criador em potência de bandas sonoras para mistérios viciantes (Netflix, avisem se precisarem de um contacto, ok?); MAF é um enigma, autor de uma sonoridade profundamente cerebral, inquietante e original; NO FUTURE e E.A.R.L., por seu lado, injectam espírito rave na subcave do quartel da Monster Jinx ao mesmo tempo que soam como se estivessem a mandar músicas para a Terra a bordo de uma estação orbital. E depois há o positivismo lúdico de Liquid que nesta compilação nos oferece um banger que implora pelo regresso dos clubes à normalidade e um Vasco Completo (homem da redacção Rimas e Batidas, clarifique-se) que discretamente se tem afirmado como produtor de mão-cheia, dono de uma sonoridade tão inclassificável quanto original.

A audição concentrada de Cursed Vol. 1 garante repetidas e renovadas recompensas a quem aceite ser alvo do feitiço. Nada temam…



[Sarnadas] The Hum / Favela Discos

João Sarnadas, membro do colectivo portuense Favela Discos e músico e artista transdisciplinar (Well, José Pinhal Post-Mortem Experience, Vive Les Cônes) que também responde ao curioso nome Coelho Radioactivo, estreia-se sob apelido próprio com o ambicioso projecto The Hum, de que foi agora desvendada a primeira parte. Serão, ao todo, quatro horas de música (o segundo capítulo está apontado para a primavera do próximo ano) em que, como se explica na apresentação do projecto, se pretende “dissipar o conceito de tempo em nebulosas camadas melódicas díspares, ora por via da sua sucessão ad infinitum, ora pelo ajuste circunspecto de elementos”.

Explica-se, ainda que “o duplo álbum foi gravado ao longo de dois dias, reflectindo a necessidade de Sarnadas de suspender o tempo e procurar um novo método, onde a dependência de emissor ficou reduzida a um único sintetizador de três osciladores, desenhado e montado pela sua colaboradora de longa-data Inês Castanheira. Este instrumento, aliado a uma mesa de mistura e a uma parafernália de pedais, libertou o músico para trabalhar momentos, modulá-los e adorná-los numa sucessão de imagens orgânicas catalisadas tanto pelo acaso, quanto pela intenção”.

Daqui resulta, de facto, uma espécie de portal que nos abre uma passagem para uma dimensão atemporal, onde tudo parece existir em suspenso, sem princípio ou fim. O acto de escuta deste álbum em auscultadores, na escuridão absoluta, pode resultar numa experiência algo alucinante de deslocação de realidade, com as sinapses do nosso cérebro a formarem estranhas e exóticas imagens de um mundo desconhecido, mas promissor. Há um lado terapêutico na experiência, que nos subtrai sem apelo nem agravo à realidade que habitamos e nos oferece uma possibilidade de parêntesis que poderemos preencher com a mais pura das fantasias. Se a nossa imaginação consegue, por vezes, erguer imensas catedrais feitas daquela luz que só se projecta no pensamento, esta é a música perfeita para ecoar dentro das suas longas naves, por baixo das suas fisicamente impossíveis abóbodas. Experimentem.

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