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Ilustração: Riça
Publicado a: 24/04/2020

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #21: Monster Jinx / Moullinex / BITCHO

Ilustração: Riça
Publicado a: 24/04/2020

A Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.


[Vários Artistas] ROXO 06 / Monster Jinx

A Monster Jinx acaba de ultrapassar a meia centena de lançamentos com a edição do sexto volume da série ROXO. Em pouco mais de uma intensa década, a editora que começou por ser nortenha, mas que agora alberga talento que se espraia para lá do Douro e chega de todas as regiões do país, impôs-se com uma visão singular que parte do hip hop sem se deixar por ele ser contida. Predominantemente instrumental, o catálogo do selo do monstro roxo manifesta-se em edições digitais e físicas – em CD, LP, cassete e também, nalguns casos pontuais, em ultra-limitadas prensagens de dubplates (sem esquecer a sua divertida linha de merch que inclui desde frisbees a meias…) – com que cobrem um vasto terreno que, partindo do já referido hip hop, se alarga até ao novo jazz passando por várias declinações do lado mais electrónico do beatmaking.

A série ROXO, disponibilizada em edições digitais e em cassete, arrancou em 2015 e desde então tem rendido um novo volume a cada ano, com os lançamentos a ocorrerem, por norma, nos primeiros meses do calendário. ROXO funciona assim como uma espécie de anuário da Monster Jinx, um relatório através do qual se vai contando a sua história, clarificando não apenas os terrenos que cada um dos seus afiliados vai explorando individualmente, mas também as subtis mudanças no seu departamento de recursos humanos. Em 2020, ROXO 06traz-nos música de Maria (que abre e fecha o alinhamento), do porta-voz da casa DarkSunn, da “nova contratação” Liquid (também parte de Don Pie Pie), MAF (que contabiliza igualmente dupla participação neste alinhamento), Raez, E.A.R.L. (mais um produtor com duas faixas neste volume), Ghost Wavvves, OSEB e No Future.

E o que uma primeira audição cuidada de ROXO 06 revela é que a Monster Jinx continua sobretudo comprometida com uma ideia própria de futuro, trazendo-nos, como os próprios fazem questão de sublinhar, “beats a sério para viajar sem nos movermos, para se exorcizarem demónios ou para apimentar e explodir a mente”. De facto, a música com que estes produtores nos servem dá para isso e para muito mais.

Maria dá arranque à viagem com uma das suas delicadas tapeçarias de pads cósmicos, toda poeira reluzente extraída de teclados e sopros que poderiam habitar um daqueles planetas fantásticos das capas dos discos de Herbie Hancock dos anos 70 e deixa-nos, 11 temas mais tarde, num bem sincopado metropolitano que percorre a cidade nocturna que ele imagina ser reluzente e bem povoada de gente sorridente. Não esquecer que estamos a escutar música que espelha os estranhos tempos presentes…

DarkSunn traz-nos um banger carregado de gordura funk, marcado por uma flauta hipnótica, uma guitarra de ritmo constante e um baixo mais fundo do que os abismos oceânicos, um contraponto para a visão de Liquid, mais cromada, com bounce capaz de aguentar rimas de um mestre de flows com capacidade de dominar estes tempos nervosos (e falo de ritmo agora). MAF é um criador inquieto e atento, preso entre o passado e o futuro (o único lugar, afinal, onde mesmo preso é possível ser-se absolutamente livre), que combina jazz e soul que é cozinhado em Lisboa (mas que também poderia estar a sair do forno de uma qualquer cozinha subterrânea de Los Angeles) em duas peças contrastantes, mas complementares, a última das quais com graves à Mr. Oizo e percussões estilhaçadas. E.A.R.L. também oscila: entre a síncope digital vincada de “FE(E)TISH” que se apresenta como bomba de clube e o exercício de estilo electro que parece programado em máquinas com pads feitos de néon.

Raez e o seu funk sofisticado para robots amorosos, Ghost Wavvves com as suas fantasias para samurais espaciais, as raves de câmara lenta de OSEB e NO FUTURE com a sua densa e cinemática piscadela de olhos aos Kraftwerk completam a receita desta sexta entrada no universo ROXO, mais um atestado de absoluta competência daquele que tem sido um dos selos mais constantes, desafiantes e, francamente, dope da nossa contemporânea cena electrónica. Mais disto, por favor.


[Moullinex] “Luz” (feat. GPU Panic) / Discotexas

Como é que se lida com o medo? Com a coragem. Como é que se lida com o amor? Com a entrega. Como é que se lida com a solidão? Com a imaginação. Como é que se lida com a pista? Com o abandono. E como é que se lida com a incerteza? Com a luz. Moullinex sabe isso tudo. É um produtor corajoso, de absoluto compromisso com a sua arte, imaginativo, que entende a dinâmica tão íntima, mas ao mesmo tempo tão universal, que se estabelece entre corpos e mentes quando o groove certo se combina com as frequências certas no espaço e no momento igualmente certos e a magia acontece e nos faz flutuar para outro lugar. E quando o futuro parece negro, incerto, carregado de perigos, só a luz resulta, porque é assim que se aponta caminho, que se ilumina o terreno e se ultrapassam os obstáculos. “Luz”, o novo hino de Moullinex, dispensa as palavras porque ainda que tão importantes não é só com as palavras que se fala, que se dizem as coisas que todos precisamos de ouvir. Mas não dispensa a voz, esse respirar humano que nos liga e nos faz sorrir. Que nos ilumina. É GPU Panic, aka Guilherme Tomé Ribeiro, que assume o microfone, ondulando as emoções que o piano começa por sugerir, numa linha que parece ser feita em igual medida de notas e de esperança, a que se adiciona depois um baixo que carrega, que empurra, que força a que nos levantemos. E quando a bateria entra, já estamos, mesmo que só na imagem que projectamos de nós mesmos quando nos encontramos de olhos fechados, no meio da pista, rodeados de gente, de amor, de paz, de pura energia. Rodeados, enfim, de “Luz”. Parece fácil, mas só é capaz de aqui chegar quem acredita.


[BITCHO] Cuant / Amateur

A Amateur, esclarecem-nos os seus responsáveis, “é uma editora independente de música de cariz experimental e literatura sediada no Porto fundada por Eduarda Andresen, José Peneda, Luís Figueiredo, Miguel Santos, Nils Meisel e Pierre Pierre Pierre em Julho de 2018”. Este Cuant, entrada mais recente num catálogo que já compreende 10 lançamentos, é resultado da visão musical de Luís Figueiredo (ladeado num dos temas, “Ohhhh”, por Rui Leal em contrabaixo) aplicada à ideia performativa original de Susana Chiocca, a intérprete que aqui se socorre de textos de gente como Alberto Caeiro, Hugo Ball (o mesmo “Gadji beri bimba” que em tempos serviu para os Talking Heads nos darem “I Zimbra”), Tobias Hering ou ainda H.H., A.L. e E.S. & Manoel de Barros para nos carregar para um negro espaço de palavras e imagens, de sentidos profundos e opacos, de emoções primevas e pensamentos selvagens (e nas notas de lançamento surgem os nomes-referência de Lydia Lunch, Moor Mother ou Mikky Blanco como balizas para esta voz que aqui sussurra e grita e nos espicaça com tons de escárnio e desdém). Há uma desoladora violência neste trabalho que nos esmaga e comprime o rosto contra uma parede fria quando o escutamos num certo volume. A música de Luís Figueiredo parece ter sido resgatada a uma cassete gravada originalmente em 1982, com uma caixa de ritmos, um pequeno Casio, um processador de efeitos e um gravador de quatro pistas (e isto é um sincero elogio). Algures entre o abrasivo espírito punk dos Suicide e as experiências da subterrânea cassete culture que gente como Richard Bone abraçava, este Cuant é um trabalho de percussiva exploração do lado mais absurdo da natureza humana, aquele que resiste ainda que aparentemente anulado pelas convenções e pelas normas, aquele que escapa à compreensão imediata e que impele ao grito. O pulso incessante estabelecido por Luís Figueiredo e sobre os quais estende mantos de analógico grão electrónico funciona como o cimento acabado de expelir pela betoneira e em que Susana Chiocca permite que a sua voz se afunde enquanto tudo solidifica e ganha a forma deste estranho BITCHO.

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