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Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 22/12/2021

O jazz em primeiro plano.

Notas Azuis #75: Gerald Cleaver / Nala Sinephro

Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 22/12/2021

Na coluna Notas Azuis vai abordar-se jazz, música livre, música improvisada de todas as eras e nacionalidades, editada em todos os formatos.



[Gerald Cleaver] Griots / Positive Elevation Records

Entre Signs (disco que mereceu atenção da Oficina Radiofónica, coluna que, refira-se já agora, voltará ao activo no arranque de 2022) e este Griots, o baterista Gerald Cleaver viu serem editados trabalhos realizados com William Parker e Mathew Ship (Welcome to Adventure, Vol. 1), com o Brandon Seabrook Trio (Exultations), em duo com Devin Gray (27 Licks) e ainda num ensemble com Joe Morris, Paul Dunmall e, uma vez mais, Matthew Shipp (The Bright Awakening), todos eles sinais claríssimos do seu empenhado espírito colaborativo que, ao longo de quase quatro décadas de intensa actividade discográfica, o levou a ser “cúmplice” próximo de músicos como Craig Taborn, Ivo Perelman ou, para citar apenas mais um nome de uma longa lista, Steve Swell. Como Signs, antes, também este Griots, agora, é coisa diferente, com o seu baterismo orgânico a assumir uma dimensão mais espectral, filtrado que surge pela tecnologia.

Disco de electrónica algo meditativa e contemplativa, Griots inclui, revelam-nos os títulos, dedicatórias a uma série de artistas, referências inspiracionais ou companheiros de aventura com quem se cruzou no passado: “Cooper Moore”, “Galaxy Faruq (For Faruq Z Bey)”, “Virelles”, “Victor Lewis”, “William Parker”, “Akinmusire” ou “Geri Allen” e até “Buena Vista” são casos óbvios. E se “Tribe” é, certamente, uma referência à histórica editora da sua Detroit natal fundada por Phil Ranelin e Wendell Harrison, já “Bond” poderá (ou não…) ser uma vénia ao pianista de Filadélfia Jimmy Bond, dúvida que só o próprio poderá esclarecer. De qualquer maneira, é impossível não ler algo na variedade de coordenadas representadas neste amplo leque de “griots”: entre Cuba e África, entre a tradição e o futuro, mas sempre no jazz.

Em “Virelles” e “Akinmusire”, Cleaver quebra o modo solitário que domina a método de produção do restante material e colabora com os visados nessas homenagens ou seja, e respectivamente, o pianista cubano que actualmente tem base em Nova Iorque e o trompetista californiano que em 2019 integrou o cartaz do festival Jazz em Agosto, ocasião em que falou ao Rimas e Batidas. No primeiro caso, um ambiental pulso polvilhado com cristal electrónico quase ganha propulsão de pista e tudo isso sem que por ali se adivinhe a presença do instrumento acústico de David Virelles. Em “Akinmusire”, a abstracção extraída ao modular de Cleaver volta a ser premente, mas o respirar humano do trompetista já é claramente identificável, soando como se tivesse meditado através do instrumento e também através de uma qualquer barreira espácio-temporal. Em “Geri Allen”, por outro lado, o espírito livre de Gerald Cleaver e todo o jazz que existe dentro de si parecem despontar nesse tranquilo mantra com subtil mas pronunciado ritmo sobre o qual evolui uma densa proposta harmónica, um delicado baixo e uma memorável melodia. E os classificativos aqui usados são mesmo necessários…

Será, quase de certeza, um exercício resultante do auto-isolamento que os tempos mais recentes impuseram, mas o espírito colaborativo de Gerald Cleaver que começámos por realçar parece manifestar-se de igual forma, com o baterista a usar os seus sintetizadores e caixas de ritmos como ferramentas para dialogar com a memória, o espírito ou a obra de cada um dos contadores de histórias homenageados neste álbum. São encontros na mesma. De um assumido discípulo que continua interessado em aprender, mesmo em vésperas de completar 60 anos.



[Nala Sinephro] Space 1.8 / Warp

Tal como Gerald Cleaver, também Nala Sinephro elege aqui a electrónica, nomeadamente o sintetizador modular, como ferramenta de expressão paralela ao seu instrumento principal, a harpa de pedais. Mas, ao contrário de Griots, este Space 1.8 assume uma muito mais vincada dimensão colaborativa, com a artista belga-caribenha a recorrer a muitos dos contactos coleccionados nas suas aproximações à cena londrina de que é hoje parte bastante activa. Há temas centrados na clássica dinâmica do formato de ensemble, como “Space 2” ou “Space 4”, em que surgem artistas como a saxofonista Nubya Garcia (Nala retribuiu o gesto sendo uma das remisturadoras de serviço em Source + We Move), o baterista Jake Long e o contrabaixista Twm Dylan (ambos de Maisha), o pianista Lyle Barton, a guitarrista Shirley Tetteh (também de Maisha, e ainda Nérija e SEED Ensemble) ou o saxofonista James Mollison (de Ezra Collective). Noutras peças, como “Space 7” ou “Space 8”, o modo é mais solitário, ou com colaboração pontual de um único solista (como nessa última peça que fecha o álbum em que se escuta o saxofone de Ahnansé), abordagem que lhe permite explorar outro tipo de faceta. A artista referiu ter criado parte do álbum enquanto recuperava de uma doença complicada, apontando aspectos terapêuticos na sua música. E, de facto, não é preciso ter estado em isolamento no deserto californiano a contemplar cristais para se pressentir uma dimensão curativa na forma como Sinephro gere texturas harmónicas e frequências em cada uma das oito peças deste álbum: nos auscultadores, esta música soa especialmente bem, premiando a imersão com uma profusão de cores de beleza transparente.

Com óbvia filiação no jazz que no arranque dos anos 70 procurou focar a atenção num plano mais espiritual, como o que Pharoah Sanders ou Alice Coltrane criaram, ideia reforçada não apenas pelo instrumento por que Nala Sinephro é mais conhecida, a harpa, mas pela própria toada das composições, bastante reflexivas e planantes, este Space 1.8 projecta a marca autoral da artista em peças que parecem aspirar a um limbo qualquer, procurando aquele plano pouco explorado, mas que se sente ser possível de existir, entre a obra da já mencionada autora de Universal Consciousness e a de alguém como Suzanne Ciani, por exemplo. Tratando-se do primeiro registo como líder de Nala Sinephro, o futuro que a partir daqui se projecta é deveras entusiasmante. Space 1.8 é, sem dúvida, mais um dos discos que 2021 lega aos tempos vindouros.

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