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Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 17/08/2021

O jazz em primeiro plano.

Notas Azuis #64: Brandee Younger / Minus & MRDolly

Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 17/08/2021

Na coluna Notas Azuis vai abordar-se jazz, música livre, música improvisada de todas as eras e nacionalidades, editada em todos os formatos.



[Brandee Younger] Somewhere Different / Impulse!

Dorothy Ashby. Alice Coltrane. Está feito: arrumemos os dois nomes que parecem ser incontornáveis de cada vez que se escreve sobre Brandee Younger, “pecado” de que o autor destas linhas não é isento. Brandee estudou, claro, conhece de cor e salteado a história do seu instrumento, mas tem igualmente um percurso próprio, entre sessões e encaixe de convites de maior visibilidade (“featuring…”), que lhe permite mencionar, caso seja necessário, nomes como os de Common, Ravi Coltrane, John Legend, Laura Mvula ou Moses Sumney, Makaya McCraven e (só naquela…) Anthony Braxton como alguns daqueles a quem já atendeu o telefone. 

Mas, para o seu ingresso no histórico catálogo da casa que Trane construiu — a Impulse!… –, a harpista quis levar-nos a um lugar diferente. O que começa por nos conquistar os ouvidos é a sua capacidade de síntese: Brandee já não está no jazz, nem sequer no r&b ou no hip hop, mas num espaço estético diferente onde todas essas coordenadas se combinam, resultado de uma clara vontade de fincar pés no presente e não num qualquer tempo imaginário que o seu bilhete de identidade não permite que tenha vivido. E há uma insustentável leveza que atravessa a sua música, como se fosse o resultar de um respirar, como se traduzisse a brisa ou algo de tão etéreo que se torna difícil descrever. E não temer colocar o primeiro pé num catálogo desta dimensão com uma aparente pegada tão ténue é um sinal de assinalável coragem. Brandee não quer impressionar ou mostrar que está à altura de uma qualquer expectativa infundada, antes criar uma impressão digital própria seguindo apenas os seus próprios termos.

Com produção de Dezron Douglas, o companheiro de aventuras musicais e de vida com quem dividiu os créditos de Force Majeure, este Somewhere Different conta com os relevantes talentos de um ensemble sério: Allan Mednard e Marcus Gilmore nas baterias, Rashaan Carter no baixo, Maurice Brown no trompete, Chelsea Baratz no saxofone tenor e Anne Drummond na flauta. E embora descarte instrumentação mais “moderna”, há uma abordagem moderna, sobretudo no pulso que conduz boa parte do material, bem explícita no plano rítmico, onde se encontram as cadências do hip hop (por exemplo no tema-título) e até assomos mais quebrados que nos remetem para o drum n’ bass (“Spirit U Will”). Como não podia deixar de ser, para alguém que toca ao nível a que Brandee toca, os músicos são todos escolhas de primeira água, sobretudo a secção rítmica e a saxofonista, gente plena de alma que entende estar ali para servir arranjos em que, obviamente, a harpa se posiciona debaixo do principal foco.

Mas há outros sinais: em “Pretend” a dança entre a voz de Tarriona Ball e a harpa de Brandee Younger proporciona um dos mais transcendentes momentos do álbum, uma overdose de doces melodias que aponta para um potencial futuro álbum em que a opção possa ser levada mais longe e a harpista possa, por exemplo, devolver algumas das chamadas que foi recebendo ao longo dos anos (Common? Legend? Mvula? Estão por aí?…).

Como nos álbuns clássicos que fizeram a glória da Impulse! no seu período mais fértil da segunda metade dos anos 60 e da primeira metade dos anos 70, também aqui o tempo é gerido com parcimónia: são “apenas” 8 faixas, que totalizam cerca de 43 minutos (dois perfeitos lados de um álbum em vinil…), tempo suficiente para Brandee afirmar a sua singular e distinta voz na harpa, um dos mais incríveis instrumentos, tão lírico quanto melancólico, mas a que a harpista consegue atribuir outras qualidades, afirmando-a quase como uma voz, plena de emotividade na execução, mas também de rigor cromático, de elegância em estado puro. Uma maravilha.



[Minus & Mr. Dolly] Broken Hearts Make Broken Beats / Jazzego

Minus já nos esclareceu sobre as suas intenções, abrindo o livro em que registou todas as “notas” que agora se escutam em Broken Hearts Make Broken Beats, mais uma entrada no nascente catálogo da nortenha Jazzego.

Neste EP, o beatmaker assume a composição, os arranjos e a produção bem como ferramentas como o baixo, o Fender Rhodes, chamando para a sua beira Sérgio Alves (aka Azar Azar) para tomar conta de mais alguns teclados, incluindo piano acústico e baixo sintetizado, Rui Ferreira ou Hugo Danin para a bateria, Pardal para o saxofone, Manu Idhra para as percussões e Mary Raisekings para o microfone (é dela a voz em “A Thousand Miles”). Com todos estes recursos à sua disposição, Hugo Oliveira convence sem reservas e mostra que nem só de cadências de 90 BPMs vive o homem e que é possível o convívio pacífico entre ideias sampladélicas e gestão de recursos humanos em estúdio.

No EP há três temas originais e duas remisturas a cargo de Max Graef e Pedro. “Salame” tem samples de voz (“We’re going to visit the Electrifying Mojo in the cockpit right now…”), beat frenético e vocação de pista, com belo solo de Pardal a encher de alma uma peça que há-de ser recompensada com suor logo que os clubes arredem as mesas; “The Break” não alivia a pressão, mas tem uma cadência mais aberta, com Hugo Danin a fazer horas extra e a impor o passo que obriga Manu Idhra a esforço adicional; e depois há “A Thousand Miles”, a “canção”, com Mary Raisekings a brilhar em cima de um baixo a precisar de dieta, de tão gordo (elogio…) que soa. 

As remisturas acentuam a inclinação para a pista e fornecem combustível adicional para os DJs que em boa hora tomem a decisão de acrescentar esta rodela às suas malas: Max Graef adorna “The Break” com timbalões da 808, dando-lhe aquele ar Shep Pettibone que cai bem em qualquer situação e Pedro oferece ao mesmo tema uma toada mais espacial, talvez mais pensada para os auscultadores, o que pode dar jeito caso sejam bons patinadores e tenham um paredão qualquer onde deslizar, de preferência com a luz do sol reflectida nas águas do mar logo ali ao lado. Tudo bom. Tudo certo.

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