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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/08/2021

A energia colectiva ao serviço da canção.

Minus & MRDolly: “Quis fazer algo mais bem-disposto e alegre no Broken Hearts Make Broken Beats

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/08/2021

É, sem dúvida nenhuma, um dos produtores mais criativos do hip hop português e o seu regresso às edições não podia ter sido feito de forma mais interessante. Rodeado pelos músicos Hugo Danin (bateria) e Sérgio Alves (teclados e piano eléctrico), Hugo Oliveira, que é como quem diz Minus & MRDolly, pegou em maquetes que nem estavam totalmente estruturadas e aventurou-se a construir algo com elas, ao vivo e em estúdio. O resultado é Broken Hearts Make Broken Beats, um EP que traduz na perfeição aqueles que são os desejos para a sua Jazzego, editora cada vez mais presente no mais interessante lado da cena musical nacional actual.

É exactamente a discutir o ainda jovem selo co-fundado por Minus que começa uma conversa, que tal como a sua música, tanto toca no hip hop como no jazz. As ligações que existem entre os dois géneros, a descoberta do prazer do estúdio e as escolas que compõem a sua identidade artística são apenas alguns dos temas que nos levam naturalmente a questionar: será este o princípio de algo mais? Caberá ao futuro responder.



Enquanto preparava esta entrevista, reparei que há aproximadamente um ano também estavas a falar com o Rimas e Batidas. Na altura o tema de conversa era a editora que tinhas fundado. Agora que passou esse momento, chegou a altura de perguntar: como tem sido esta aventura chamada Jazzego?

Tem sido espectacular! Estamos mais motivados. Quando começámos, tínhamos apenas o projeto do Sérgio (AZAR AZAR) e agora sentimos que começamos a trazer novos nomes para a label, e dessa forma, com mais pessoas e mais projectos, temos sentido mais pica. Agora temos mais coisas para editar e vem aí muito mais trabalho, o que é fixe. 

A verdade é que não tem sido fácil viver com este momento, mas dentro do possível tem sido produtivo, temos editado música, descoberto novos trabalhos e pessoas, temos desafiado artistas a fazer coisas e isso tem sido altamente. Acho que estamos a conseguir o objectivo principal, que era juntar produtores de música electrónica com músicos de jazz e fazer uma espécie de um híbrido. 

E lançares pela tua editora deve ser, de certa forma, uma sensação especial. 

Sim, é super prazeroso, claro. 

Outra coisa que neste EP imagino ter sido muito importante para ti foi tê-lo feito em sessão num estúdio, acompanhado por músicos.

Foi, isso foi super especial, porque fizemos aquela coisa muito usada nos anos 70 de gravar todos juntos, e isso é altamente. Nunca tinha feito, e gostei bastante da ideia e do que é feito a seguir em termos de mistura e pós-produção. Sentir a energia daquele momento, daquele take, e trabalhar logo a seguir por cima dele é super desafiante. É como se estivesses a trabalhar em cima de uma fotografia do momento.

Há um ano entrevistei o Damu The Fudgemunk, ele na altura também editou um álbum feito em sessão, o Ocean Bridges, e o que é interessante é que ele transmitiu ideias similares às que estas a passar. Na altura ele referiu que tinha a certeza que ia voltar a fazer coisas em estúdio, que adorou e que era diferente aquela sensação de estar lá, de tocar com músicos. Também chegaste ao fim com essa ideia? 

Ya, também sinto isso [risos]. Não digo que no futuro não me prepare melhor. Na altura em que fui gravar este disco era meio ingénuo, não sabia o que ia acontecer. Agora percebi que há algumas coisas que podem ser melhor trabalhadas, desde a minha pré-produção, naquilo que eu levo como maquete, se preferires, até ao processo em que gravo com toda a gente. Mas sim, é uma experiência espectacular, também senti essas coisas. 

Essas demos que falaste eram sobretudo samples que depois reproduziram ou já tinhas algumas composições com instrumentos físicos presentes?

Havia ambos, ou seja, tudo o que eram teclas e baixos era tocado por mim. O resto era tudo samples, as percussões também eram, as vozes, os drums foram programados por mim anteriormente, e depois o Hugo interpretou, à exceção da “The Break”, em que ele deu um padrão completamente novo, o que acabou por também ser bom. Criou uma energia totalmente diferente do que estava na maquete e para melhor.  Basicamente o que se manteve mais foi o baixo, o resto foi sofrendo arranjos da minha parte ou do Sérgio. 

Sentes que com esta experiência de estúdio, e com tudo o que aprendeste através disso, isso pode influenciar a forma como fazes sampling e a forma como produzes?

Sim, acaba por ser um seguimento. Apesar de esta ser a primeira vez que gravei neste formato live, já trabalho com material acústico há muito tempo. O que eu senti agora é que se calhar às vezes é interessante fazer sessões todos juntos de freestyle para depois pegar nisso, levar para casa e produzir algo a partir daquela improvisação. Isso é uma coisa que penso fazer mais no futuro. Até mesmo sozinho em casa, fazer uma sessão no teclado durante uma hora, improvisar, e depois pegar em excertos esamplar-me” a mim próprio para fazer um novo tema. Vejo isso a funcionar dessa forma. 

Broken Hearts Make Broken Beats é primeiro jazz e depois o resto? Ao contrário, por exemplo, do Man With A Plan, que seria primeiro hip hop e depois viria o jazz.

Não sei, eu diria que eles estão taco a taco. A forma como foram gravados ou produzidos é que foi diferente. Acho sinceramente que estão iguais, ou seja, parti do sample das percussões para depois criar por cima e construir os temas, por isso acho que vão lado a lado, o formato é que é diferente, sobretudo porque tive músicos comigo. Não diria que este é um álbum de jazz, é um híbrido. 

Essa tua relação com o jazz: como surgiu?

Olha, acho que foi quando fui estudar piano jazz, porque até lá, tirando uns discos que ia coleccionando… acho que foi só quando comecei a tocar. 

Na ESMAE?

Não, na Valentim de Carvalho. Foi antes de ter ido para a ESMAE. Mas também foi já com quase 20 anos. Eu já tinha tentado aprender piano clássico, mas não me identifiquei com aquilo porque os professores eram muito regidos. Nunca tive experiências que fossem assim significativas e quando fui para o jazz tive logo um bom feeling, gostei do método de ensino. 

Dirias que ter esse background acabou por influenciar a forma como produzes? Porque eu sinto que és um produtor de hip hop um pouco distinto no nosso país. Tens uma produção extremamente clean, não tens aquela necessidade de criar um grande aparato, nem de adicionar sempre algo mais para distrair, é resumida ao necessário, super objectiva. 

Acho que percebo o que estás a dizer. Isso tem um bocado a ver com a sensibilidade. Eu nunca gostei muito de virtuosismos e essas cenas. Há pessoas que tocam imenso e que são super virtuosas. Isso é espectacular, mas nunca foi isso que apreciei, sempre foi mais a forma, a maneira como cada músico dialoga com os outros para criar o tema, a conversa. Eu sinto que a minha música é mesmo muito simples.  Eu não tenho segredos nem ciências por detrás porque ela é de facto mesmo muito simples, muito pura.

A definição que tu deste, de ser clean, é o que eu gosto de transparecer. É uma cena que não tem nada ali de complexo ou que possas dizer que é mesmo difícil de fazer, mas isso para mim até é mais do hip hop, é aquela cena do loop perfeito. De viajar nele e construir algo mais a partir disso. 

Estavas a dizer isso e eu estava-me a lembrar de uma conversa entre o Mundo Segundo e o Keso, onde o primeiro dizia que as produções dele vinham muito de uma escola francesa, enquanto a do Sam The Kid era mais de Detroit. Qual dirias ser a tua? 

Não sei, é mesmo difícil. Eu identifico-me muito com o rap e os beats de Nova Iorque, gosto muito da cor, por ser aqueles que mais samplavam jazz, que tinham mais essa abordagem. Se calhar diria escola de Nova Iorque. Entretanto, com as minhas descobertas no hip hop e na electrónica, hoje já sou capaz de relacionar-me mais com L.A., com a fusão do disco, e depois em Chicago com a cena do house. Na verdade, não sei se tenho assim uma cor minha, tirando a parte de beber estas coisas todas e no fim tentar fazer algo que soe a Porto.

Mas este é um EP wm que acabas por nem transportar muito essas ideias.

Não, na verdade não. Este EP é o resultado de um convite para explorarmos a ideia de ter umas demos e trabalhá-las de uma forma acústica ao extremo. De gravar aquilo todos juntos e assim, até porque eu estudei piano, mas não me considero um instrumentista, eu arranho umas coisas aqui e ali, mas não consigo dizer que o meu instrumento é o piano.

Eu comecei a fazer o Broken Hearts Make Broken Beats porque me apetecia criar algo com uma cor diferente, e desculpa estar sempre a falar em cor, mas é o que me ajuda a descrever um pouco os projectos. Eu sentia que a minha cena no hip hop era sempre um pouco fria e com tons mais escuros e queria fazer algo mais bem-disposto e mais alegre, até porque sou alguém assim mais bem-disposto. Acaba por ser um pouco o reflexo do Man With a Plan, há lá temas que já são um pouco mais L.A., o “Fishing Boots” e o “Camping” já eram temas feitos com o intuito de serem mais bem-dispostos, de terem uma cor diferente. 

Por acaso falaste da electrónica atrás e foi algo que senti imenso neste EP,  e que acho que não estava muito presente na tua discografia. A “Thousand Miles”, para mim, é um excelente exemplo disso, faz-me lembrar muito aquela onda de misturar o chillout ou o downtempo com o jazz feito por uns Jazzanova, Nicola Conte… Imaginas isso como o princípio de algo?

Sim sim, esse tema até é mais soul, mas percebo o que estas a dizer. Jazzanova é uma grande referência para mim, já há muito tempo, até mais no hip hop do que assim na cena de dança. Mas, respondendo, não consigo dizer ainda se é o princípio de algo. Não fiz o Broken Beats com uma perspectiva de encontrar um sítio. Acho que ainda é um pouco prematuro, nem se quer ainda pensei muito nisso. O feedback foi muito positivo e deu-nos vontade de fazer mais, mas ainda não sei dizer se será o início de uma nova perspectiva. Isto foi um resultado de muitos esboços que fazia na altura dentro deste género. Há algumas coisas que quero fazer, algo próximo do DJ Spinna. Ele também é um híbrido, que volta e meia saca uns beats de hip hop, outras vezes umas coisas de dança. 

Para finalizar, para além de produtor, também passas música. Atendendo a toda esta ligação que existe entre o hip hop e o jazz, consegues cada vez mais ver jazz a ser passado em sets de hip hop? 

Sim, sem dúvida. Eu já faço isso, até porque não diria que sou DJ, eu colecciono discos e gosto de partilhar música com o pessoal. Nesse sentido ,eu sempre fiz um bocado isso. Era capaz de fazer alguns sets aqui em casas do Porto, onde em cinco horas passava três de hip hop e depois se calhar acabava a noite com duas de house, broken beat ou um jazz mais híbrido. Ultimamente, eu até tenho assumido mais o jazz, até mesmo mais clássico. Mas acho que isso sempre foi o prazer que tive em relação a partilhar música. Como não me vejo como DJ, não tenho aquela preocupação de animar o club, simplesmente passo a música que gosto, por isso sempre tive essa perspectiva de misturar as coisas. Eu acho que elas andam ligadas, tens o caso, por exemplo, do Soul Supreme, que acaba por passar quase tudo o que eram samples do J Dilla, do Common, de Pharcyde, em formato jazz, mas a soar na mesma a hip hop, com drums fortes. Ele é o exemplo se calhar mais forte, ou até mesmo os BADBADNOTGOOD quando começaram. Até mesmo em Portugal tens o caso do Fred. Acho que isso são visões que tenho apreciado muito.


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