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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/07/2020

O MC e o produtor juntaram-se ao lendário saxofonista Archie Shepp para um longa-duração que une as pontas entre o jazz e o rap.

Damu The Fudgemunk & Raw Poetic: “A arte e o entretenimento unem as pessoas mais rápido que a política”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 14/07/2020

Da complexidade da actualidade nasceu Ocean Bridges, um álbum que reúne o endiabrado produtor Damu The Fudgemunk, o rapper Raw Poetic e a lenda viva do saxofone Archie Shepp. Gravado em clima de improviso, a fusão entre o jazz e o hip hop foi tema de conversa, mas cedo percebemos que há algo maior por debaixo destas roupagens.

Ocean Bridges pretende, segundo o produtor e o rapper, contar uma história que atravesse várias gerações, reflectindo sobre as suas similaridades e acontecimentos, lutas e a necessidade aprender com os erros para que a historia não se volte a repetir em si mesmo, como acontece no presente. Claro que falamos de toda a tensão social que percorre a América, onde o racismo e a brutalidade policial são, infelizmente, problemáticas constantes, mas o diálogo não fica por aqui. Aprendemos sobre a importância e o prazer das colaborações, de comunicar e de ouvir o outro, a importância da leitura, a posição do Bandcamp, o que é o thin gin e claro, a influência de trabalhar com alguém como o Archie Shepp.



Vamos começar a entrevista, com a pergunta que todos fazemos actualmente. Como tem sido viver e trabalhar num período tão caótico como este? Com todos os problemas sociais que a América está a viver e, claro, a pandemia.

[Raw Poetic] Bem, o trabalho manteve-se ininterrupto. O Damu e eu continuamos a gravar a toda a hora. Aliás até estamos a gravar mais neste período, já que não podemos ir a lado nenhum.  Essa parte continua bem, já tudo o resto, neste momento, é stressante. Vários protestos que têm acontecido são mesmo ao lado da minha casa. Participei em vários. É um movimento poderoso este que os jovens estão a criar. Está a ser impressionante ver como se uniram e lutam contra o ódio. Mas quando és vítima de brutalidade policial, como eu fui e muitos outros foram, não estamos chocados com o que vimos acontecer ao George Floyd, ao Elijah Mclain e a tantos outros, a lista continua. Talvez muitas pessoas ficaram chocadas porque não acreditavam ser possível e agora não têm outra hipótese se não acreditar.

[Damu The Fudgemunk] É como o Raw Poetic disse, continuamos a trabalhar imenso juntos nestes dias. Temos comunicado regularmente sobre que planos temos, a evolução do projecto. Tudo o que se desenrola à nossa volta neste momento transformou-se no tema do que estamos a fazer. Curiosamente o que já estávamos a produzir antes dos protestos e da pandemia acabou por fazer ainda mais sentido neste momento. O Raw Poetic tem sido bastante vocal sobre a violência policial e o racismo durante tanto tempo, que acabamos por já estar preparados para estes tempos.
Eu, de qualquer maneira, já gostava de estar em casa e acabei por ganhar mais tempo para me focar na nossa música, até porque sinto que as pessoas têm fome da nossa mensagem, da nossa ligação emocional à criação. Tem sido muita coisa para processar, mas também para estar excitado. Tempos difíceis são tempos de salvação para quem cria, e também para os nossos ouvintes.

Uma das bases de Ocean Bridges é a ideia de transmitir uma história da comunidade negra americana que atravessasse várias gerações. Este período de tensão racial foi algo que se tornou inevitável contares nesta história?

[Raw Poetic] Sim. Para mim, pessoalmente, é impossível não escrever. Tu contas as tuas histórias.  E como estávamos a trabalhar com o meu tio [Archie Shepp], que, apesar de ser alguém com uma história de várias gerações antes da minha, acabamos por encontrar paralelismos entre elas. Desde os anos 40, 50 até hoje, o paralelismo continua presente. Quando estava a escrever para o álbum, não contei a ninguém sobre o que estava a escrever. Simplesmente escrevi sem colocar qualquer preconceito sobre as palavras e realmente fiquei abismado, porque foi algo que fiz alguns meses antes de tudo isto acontecer, mas parece ser relevante neste momento. Isso acontece porque a história repete-se constantemente em si mesma. Quando somos liderados por ignorantes, obviamente que coisas como estas voltam a acontecer.

Mas acreditas que as coisas não melhoraram desde o período que referiste do teu tio, até ao presente?

[Raw Poetic] Não diria que não estão melhores, houve coisas que definitivamente mudaram. Tanto o meu pai como a minha mãe foram Black Panthers, eu sei das lutas que eles batalharam, e foi algo muito maior do que algo que fiz até ao momento, por isso não vou dizer que não aconteceram mudanças, contudo ainda não está tudo bem. E enquanto as coisas não estiverem boas, tens de continuar a lutar até ficarem certas. A questão é essa. Se fores condescendente, as coisas retrocedem, que é o que tem acontecido nos últimos quatro anos. Agora começas a ver pessoas a acordar, começas a ver um movimento. Apesar das coisas estarem melhores que nos anos 20, 30, 40, não chegámos ao ponto certo. Gostava de ver as coisas ainda melhores.

Ouvi uma vez que todas as pessoas se lembram do momento em que tiveram o primeiro contacto com o 11 de Setembro. Pensas que o que aconteceu ao George Floyd poderá vir a ter o mesmo impacto na sociedade?

[Raw Poetic] Espero que sim, mas a América sofre de problemas graves de amnésia. É um país que se move rápido. Assim que possas voltar a comprar o teu latte no Starbucks ou ir a festas e à praia, então tudo volta a estar bem e regressam os velhos hábitos. Agora até sentes que consegues ver mudança e espero que isso seja verdade, que realmente aconteça.

Os jovens e os adolescentes estão realmente a conseguir criar algo, estou impressionado com eles. Estão a conseguir acordar o mundo. Espero que consigam deixar uma marca durante muitos anos. No entanto, sinto que as pessoas agora não se dedicam à leitura e, quando não lês, acabas a fazer os mesmos erros. Tens de ler e estudar a História, sobretudo a história social deste país, perceber o que aconteceu e porque aconteceu.

Interessante dizeres que as pessoas não lêem, porque num dos interlúdios deste álbum, o Archie Shepp diz que a educação se tornou numa palavra má. Sentem que é urgente mudar essa ideia? 

[Damu The Fudgemunk] O que o Sr. Shepp disse… penso que é mais uma observação. Ele, para além de músico, é professor. Passou vários anos a ensinar-nos através das músicas, mas também deu aulas em várias instituições. Ele é, claramente, um homem informado e parte do que ele diz vem do facto de ser uma atitude que se observa muito nas comunidades mais pobres, nos guetos. Aquilo que pensamos como uma boa educação é algo que claramente não esta presente na comunidade negra. Não é algo alimentado, pelo contrário. Basta ver no entretenimento, as crianças negras não olham para médicos negros, políticos negros, advogados negros, mas para thugs, gangsters e escravos. Para qualquer pessoa evoluir, a educação é essencial. Sobretudo em problemas como estes, senão nasce a ignorância.

[Raw Poetic] Concordo totalmente. Quando falo em leitura, falo em coisas como, por exemplo, quando se debatem argumentos, e isso acontece-me frequentemente, seja republicano, seja liberal, em algum momento vai aparecer alguém a dizer que leu algo de esguelha no Facebook que prova algo, e levam isso como algo totalmente verídico, como se fosse uma verdade absoluta. Agora todas as pessoas até usam o hashtag facts. Tudo é um facto. Eu pergunto sempre se fez as pesquisas e eles dizem que não é preciso, que é um facto. As pessoas precisam de ler, pesquisar, perceber de onde retiraram a informação, porque neste momento muita da informação não passa de mentira.

Como é que surgiu este projeto? Trabalharam juntos e depois convidaram o Archie Shepp para fazer parte?

[Raw Poetic] No caso deste álbum, foi apenas um dia no estúdio, mas temos um outro álbum onde eu e o Damu já escrevemos a canções, já há uma outra produção e onde temos uma ideia onde introduzir o Archie Shepp.

[Damu The Fudgemunk] Para Ocean Bridges, para lá de todo o trabalho de estúdio, houve muito trabalho que antecedeu a sessão de gravação, tivemos de tratar de viagens, alojamento, todos os cuidados necessários que alguém como o Mr. Shepp merece ter. Acabou por ser um outro trabalho, onde aprendemos imenso, foi divertido. Assim que chegámos ao estúdio, ele não nos deu nenhuma exigência, apenas queria um espaço para aquecer, o resto foi simplesmente uma jam. Já o álbum que o Raw Poetic fala, é um outro disco que fizemos com o Archie Shepp que em princípio tem lançamento para o final do ano, mas é um trabalho menos espontâneo que este. Tem na mesma elementos de improviso, mas é produzido, tem uma base de ideias concretas, com beats. Compusemos os dois as músicas e depois apresentamos ao Archie, ainda antes dele estar connosco. Esse já foi gravado numa segunda sessão em que solidificamos essas ideias em disco.

Como foi trabalhar com uma lenda como o Archie Shepp? Sentem que colaborar com ele acabou por ter uma influência enorme ao resultado do álbum?

[Raw Poetic] Sem qualquer dúvida! Bastava estar só a olhar para ele. Por exemplo, o Pat Fritz, que foi o guitarrista, estava um bocado nervoso por tocar com o Archie. E eu apenas disse, “segue a liderança dele, quando ele começar apenas segues com a tua música”.

[Damu The Fudgemunk] A aura do Mr. Shepp espalhou-se definitivamente por todos. Ele foi extremamente receptivo às nossas propostas. Foi uma colaboração no sentido total da palavra, sem egos. Foi, sem dúvida, uma das melhores experiências que alguma vez tive em termos musicais. Se ouvires o álbum, percebes que todos tiveram o seu momento, a sua liderança, porque todos somos líderes, todos tínhamos algo para dizer. O Mr. Shepp foi importante para criar todo este momento e clima. Foi ele que o definiu, foi ele que tocou a primeira nota, aliás.

O álbum é todo feito em improviso, certo? Mas as palavras foram gravadas posteriormente ou também fazem parte da sessão?

[Damu The Fudgemunk] A parte lírica foi gravada posteriormente, mas mantivemos a mesma linha criativa do álbum. Tal como a base instrumental, tudo o que foi gravado posteriormente foi feito com a ideia de improvisação. Queríamos manter a integridade do espírito da sessão, não queria que estivéssemos a sobreavaliar tudo. Queria que tudo o que fosse gravado posteriormente fosse feito na mesma em apenas um take. Tudo o que ouves, foi integrado nas músicas tal como estava, nada foi regravado. Queria trabalhar como se não tivesse esse privilégio.

[Raw Poetic] Não vou desvendar os meus truques [risos]. Muitas vezes pegava no microfone e simplesmente improvisava sobre as harmonias que ia ouvindo, dizia tudo o que sentia. Às vezes lembrava-me de um backing vocal e fazia um backing vocal no momento, foi algo natural. Quando estás num bom estúdio a trabalhar com o Damu, sentes que não podes esperar. Quando alguma ideia te vem à cabeça, tens de a executar. Muitas coisas eu ia escrevendo num caderno enquanto os ouvia e depois fazia algo com elas. Não as podia armazenar no meu cérebro até ter tempo para pegar no microfone. Foi uma nova fórmula.



Vocês têm um passado ligado ao hip hop, mas Ocean Bridges é mais um álbum que aponta agulhas para algo que temos assistido muito nos últimos anos. Trabalhos que unem o jazz e o hip hop. O que acham que tem levado a essa procura de fazer álbuns que juntem esses géneros?

[Damu The Fudgemunk] Historicamente sempre houve uma relação entre o jazz e o hip hop, em especial no final dos anos 80, inícios dos 90 com o movimento Native Tongues, Gang Starr… Nesse período houve um forte encontro entre o jazz e o hip hop . Eles abraçaram alguns dos bons e velhos músicos de jazz. No nosso caso, apesar de ambos sermos vistos como músicos de hip hop, acho que fazemos qualquer coisa desde que isso exprima a nossa criatividade. Neste caso não estive a fazer beats, mas toquei bateria, alguns samples, no caso do Raw Poetic, [fez] harmonias, cantou, escreveu hooks, bridges. Neste momento pensamos em música e em como nos podemos expressar, no que funciona no momento. Na realidade nunca tivemos aquela conversa sobre a fundir géneros. Apenas olhamos para o nosso portefólio. Conseguimos rimar, cantar, tocar instrumentos, fazer scratch, beats, percussão, spoken-word, até imitar outros instrumentos. Apenas usamos o que achávamos melhor para aquele momento, independente do produto final. E acho que o resultado mostra isso. Quando ouves o disco, para mim, o som é diferente de tudo o que foi feito até agora.

[Raw Poetic] Concordo. Muitas vezes, quando pedem para colaborar comigo, como apresentam um background diferente do meu, seja ele rock ou jazz, tentam fazer algo que, para eles, pode ser hip hop, que pensam que daria um beat de hip hop. Digo sempre às pessoas para não se preocuparem com isso e que façam apenas o seu som, que eu depois, quando entrar, coloco o hip hop. Para fazeres um beat de hip hop, tens de perceber o hip hop. Tens de estar familiarizado. Eu deixo as pessoas catalogarem como quiserem a minha música, mas para mim isto é apenas música como queremos que soe.

Damu, tocaste bateria no álbum, mas tens uma carreira ligada a produção de hip hop, que historicamente sempre usou muito o sampling e técnicas digitais. Sentes que enquanto produtor de hip hop saber tocar um instrumento pode ser uma arma importante?

[Damu The Fudgemunk] Não vou dizer que é uma necessidade, mas diria que se vais explorar música, pelo menos é bom ter uma ideia de como um instrumento funciona. Não acho que tenhas de saber teoria musical. Ajuda e se conseguires ligar as duas coisas, melhor. Saber as anatomias, como respondem às frequências. Harmonias, secções rítmicas. É bom saber isso seja qual for o teu processo. No meu caso ajuda-me imenso saber como tocar ou simplesmente experimentar um instrumento, ajuda-me a expor as minhas ideias enquanto produtor. Especialmente agora que a música moderna é tão influenciada pela tecnologia, saber tocar um instrumento parece obsoleto e irrelevante. Os computadores são capazes de fazer tudo, até escolher por ti, o que não é algo necessariamente mau, mas diria que se vais programar uma música, ou usar instrumentos virtuais e não sabes como um instrumento real funciona, então é possível que o teu produto final pareça demasiado computorizado.

Este é o primeiro disco jazz do catálogo da tua editora, a Redefintion Records, pensas em ter mais álbuns do género no futuro?

[Damu The Fudgemunk] Talvez. Eu penso que só a experiência de estar no estúdio com estes músicos, aquela energia e atmosfera, a ideia de colaborar, são coisas muito importantes na música. Faço música há 20 anos, o Raw Poetic ainda faz há mais tempo, mas ele já tinha esta experiência por sempre ter feito parte de uma banda. Eu era DJ e produtor, é algo mais solitário, e com o avanço da tecnologia tornou-se possível ter um estúdio em casa. Já não precisava de me deslocar até um local, trabalhar com engenheiros e outras pessoas. Tocar com outros foi super divertido, assim como depois, todo o processo de edição do álbum, trabalhar com os engenheiros, estar naquela sala. É um processo bonito que quero repetir. Não sei se isso depois vai gerar um álbum de jazz, ou se será de rock, world music, hip hop, pode ser qualquer coisa, mas tenho a certeza que vou voltar a tocar em estúdio com uma banda.

E como estamos de próximos lançamentos? Há assim algo planeado para breve?

[Raw Poetic] Sim, nós não paramos. Fazemos as coisas naturalmente, ambos adoramos criar. Olha só para o catálogo do Damu The Fudgemunk [risos]. O mundo dele é música. Criamos imenso juntos. Principalmente agora que os Estados Unidos parecem que vão voltar a estar em lockdown, as pessoas precisam de música e nós estamos aqui para isso.

[Damu The Fudgemunk] Temos imensa música que estou nesta altura a misturar e que penso que nas próximas semanas será editada. Estou a preparar o lançamento do Ocean Bridges e do Moment Of Change em Vinil. A pandemia atrasou um pouco tudo, mas em princípio as coisas vão ver a luz do dia. Estou entusiasmado.

Lembrei-me agora: hoje não é um dos dias especiais do Bandcamp [a entrevista aconteceu na primeira sexta-feira de Julho]? Não sentem que se tornou a ajuda mais preciosa que os artistas tiveram nos últimos anos?

[Damu The Fudgemunk] É possível, tenho de ver o meu e-mail. Eu penso que na indústria da música, tens a música e a indústria, nós fazemos a música, mas é a indústria que cria toda a infraestrutura e as decisões. O formato em que editas, quando editas, o preço que cobras pela tua música, nada disso são decisões do músico. Espaços como o Bandcamp e o Spotify são ferramentas que tentamos tirar o melhor partido possível, principalmente para obter público. E é óptimo ver uma plataforma como a do Bandcamp dar todo o lucro aos músicos, especialmente nos dias de hoje, é extremamente importante.

[Raw Poetic] Sou totalmente a favor. É bom ver algo a actuar como um distribuidor e não como alguém que se prepara para te sugar todo o dinheiro. É complicado viveres como artista. Tudo o que queres fazer é levar música até as pessoas, mas sempre que isso acontece, alguém estende a mão a dizer que quer metade do valor. O Bandcamp está a dar uma grande ajuda e até acabou por retirar a necessidade de teres um site. Tornou-se obsoleto, não sinto necessidade nenhuma.

Voltando ao disco, falem-me da importância dos interlúdios no álbum, são tantos e parecem ter uma finalidade muito própria.

[Damu The Fudgemunk] Bem, nós tivemos uma grande influência na produção deste álbum, eu fiz a produção-executiva e, enquanto estava a decidir a sequência do álbum, percebemos que queríamos contar uma história, assim que ouvi todas as músicas, os vocais do Raw Poetic, no final tudo se resumiu a contar uma história. No caso da “Professor’s Shepp Agenda”, foi um dos últimos temas a ser gravados na sessão. Na realidade era uma composição original do Archie que ele estava a ensinar-nos na sessão e por isso consegues ouvir a banda a parar e a recomeçar. Foram à volta de 45 minutos a aprender a música. Foi algo muito à base do antigo a ensinar a nova geração, que é algo que achamos muito importante. É toda a questão da educação que já falámos, de ter um diálogo, essas coisas foram instrumentais na construção do álbum e por isso queria usar de alguma maneira esses 45 minutos gravados, no álbum. Ao pegar num livro do James Brown, lembrei-me dos discos dele onde tinham pedaços de músicas de 30, 40 segundos, que depois virias a descobrir alguns álbuns depois que todos juntos eram uma música. Então pensei em retirar dali certos momentos, como o Mr. Shepp a ensinar o Jamal Moore, a dizer quais as notas, conselhos, a dizer para baixar o reverb. Acabámos por dar ao ouvinte uma visão autêntica de como foi estar naquele estúdio, do que lá se viveu. E foi isso que tentei comunicar nos interlúdios.  

E essa história do álbum sentem que no fim gerou algo que ficou entre o Miles Davis e o James Baldwin?

[Damu The Fudgemunk] São duas inspirações. Eu penso que há vários elementos. Há muitas influências, mesmo o Fela Kuti. Ainda há as influências do Mr. Shepp pelo meio. E a dele mesmo.

[Raw Poetic] É um grande escritor, adoro o trabalho dele, penso que é natural ter essa conexão com o seu trabalho. Eu acho que muitas das influências do que escrevi, são de pessoas que falam sobre lutas contra algo, como a Gwendolyn Brooks. Gosto muito da atitude dela. Ela fala muito sobre thin gin, poucos sabem o que é thin gin. Eu e a minha mãe fazíamos muito isso quando era mais novo. Não havia muito dinheiro para o licor, então o que se fazia era juntar água em metade da garrafa e passávamos uns aos outros, assim tinhas sempre mais para beber. Havia coisas dessas, por isso é que eu digo que as pessoas deviam ler. Há muita coisa escrita sobre isso, mas é muito pouco falado. Se lerem vão encontrar elementos interessantes para músicas, sobretudo nas classes pobres da América.

Acham que há algum elemento da história da cultura negra americana que se tenha urgência em se descobrir?

[Raw Poetic] A cultura negra americana é cultura americana. A cultura negra é super influente na música americana, seja rock, jazz, blues, até mesmo o country. Não há música na América que não inclua a cultura negra. Novamente, não digo que tens de ler tudo, mas se leres alguma coisa já é bom e já te dá uma ideia da influência que eles tiveram em tudo.

[Damu The Fudgemunk] No fundo é uma experiência americana e é importante frisar isso, porque os artistas afro-americanos são muito catalogados apenas como uma parte e na realidade devemos ser sujeitos às mesmas coisas, às mesmas injustiças e às mesmas vitórias, independentemente da tua cor de pele. Na América, as coisas são muito divididas. Historicamente a sociedade americana funciona assim, mas precisamos de unir as comunidades, unir todas as pessoas. Só assim podemos evoluir. É por isso que contar isto no entretenimento é tão fundamental. A arte e o entretenimento unem as pessoas mais rápido que a política.

Para terminar, o álbum abre com uma faixa chamada “Valuable Lesson”. Qual é a lição valiosa que gostavam de transmitir neste momento?

[Raw Poetic] Tenham uma mente aberta e sejam criativos. Duas coisas que vos vão manter no trilho certo.

[Damu The Fudgemunk] É um clássico, mas diria para tratares os outros da maneira que queres ser tratado.


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