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Fotografia: Herb Snitzer
Publicado a: 14/02/2024

O jazz em primeiro plano.

Notas Azuis #131: as 20 melhores reedições de 2023

Fotografia: Herb Snitzer
Publicado a: 14/02/2024

O passado é um lugar cada vez mais próximo. São incontáveis as reedições e também lançamentos de material de arquivo até agora inédito que tornam o passado coisa de agora. Embora a coluna Notas Azuis esteja sobretudo comprometida com o presente, não deixamos de prestar atenção ao que a história vai devolvendo ao momento que atravessamos em oportunas reedições e lançamentos que ajudam a entender também o que é isto da contemporaneidade.


[Abdul Wadud] By Myself (Bisharra / Gotta Groove)

Das notas de lançamento no Bandcamp:

“Este álbum, um Santo Graal das prensagens privadas, há muito esgotado, foi originalmente lançado pelo próprio Abdul Wadud em 1977 e está finalmente a ser reeditado em vinil. Esta reedição foi originalmente sancionada pelo próprio Abdul. Infelizmente, ele faleceu a 10 de Agosto de 2022. Agradecemos à sua família, e particularmente ao seu filho, Raheem DeVaughn, por nos ajudar a ver esta obra-prima disponível em vinil para uma nova geração.

Não existe, de facto, nenhum álbum facilmente comparável. Abdul Wadud usou o violoncelo para fazer música de uma forma que nunca foi prevista para o instrumento, e este álbum foi a primeira representação física do seu génio a solo.

Obtido a partir da única cópia do master em fita original que existe. No entanto, devido à grave deterioração de algumas secções da fita, as matrizes do vinil foram cortadas a partir de uma transferência DSD da fita áudio. O restauro da fita e a transferência DSD foram efectuados pelo engenheiro de masterização Paul Blakemore, vencedor de um Grammy. As matrizes foram cortadas por Clint Holley e Dave Polster na Well Made Music”.


[Ahmad Jamal Trio, The] The Awakening (Verve)

Um clássico é um clássico é um clássico. Com Frank Gant na bateria e Jamil Nasser no baixo, o pianista Ahmad Jamal — que Miles admirava — conseguiu neste The Awakening uma real proeza. Em 1970, o seu pianismo já se tinha afastado dos modos com que se tinha afirmado nos anos 50, tendo-se tornado mais exploratório, embora retendo a mesma elegância e rigor que sempre o definiram. As duas composições originais — a faixa que dá título ao álbum e também “Patterns” — comprovam que Jamal era um melodista superior, dono de uma abordagem original. Depois, na sua leitura de clássicos como “Dolphin Dance” de Herbie Hancock ou “Stolen Moments” de Oliver Nelson, afirma-se como um artista que compreende o essencial da música, sendo capaz de tomar as melodias como pontos de partida para reflexões pessoais dispostas nos mais leves toques e contando sempre com um elegante acompanhamento da secção rítmica.


[Alice Coltrane] Journey in Satchidananda (Impulse!)

Com Alice Coltrane a harpa ganhou uma nova dimensão no vasto terreno do jazz. Inspirada pelos ensinamentos de Swami Satchidananda, um guru indiano cujos pensamentos tiveram alguma repercussão nos Estados Unidos, Alice Coltrane registou neste álbum, lançado no arranque de 1971, um verdadeiro tributo ao poder espiritual da música. Recorrendo a músicos como o saxofonista Pharoah Sanders, o baterista Rashied Ali, o contrabaixista Charlie Haden e ainda o tocador de oud Vishnu Wood, esta é uma das sessões que ajuda a definir os reais contornos do que se entende por jazz espiritual. E é um facto que Alice usou claramente a sua visão e a sua própria música para manter viva a chama de John Coltrane, procurando desenvolver algumas das suas experiências mais avançadas.


[Brian Auger’s Oblivion Express] Complete Oblivion (Soul Bank Music)

Das notas de lançamento no Bandcamp:

“Os Oblivion Express de Brian Auger foram a fénix que renasceu das cinzas da banda dos anos sessenta, The Trinity. Fundindo R&B, jazz, soul e funk, o maestro do teclado Brian Auger criou uma nova geração de música que tomou de assalto os EUA e o Reino Unido. A experimentação única de Auger culminou num jazz-funk infundido no ritmo que uniu o público negro e branco dos anos 70.

Os 6 álbuns de estúdio que compõem Complete Oblivion ilustram as diversas influências musicais e a progressão do grupo, desde o jazz-rock pesado da estreia auto-intitulada de 1970 até ao jazz fusion, latino e disco de Reinforcements de 1975 — este processo foi sem dúvida impulsionado pela evolução da formação do grupo, que incluía os guitarristas Jim Mullen e Jack Mills, os bateristas Robbie McIntosh e Steve Ferrone, os baixistas Barry Dean e Clive Chaman e o vocalista Alex Ligertwood.

Os destaques musicais em Complete Oblivion são muitos, mas os destaques particulares a mencionar têm de ser ‘Total Eclipse’ (Oblivion Express), ‘Fill Your Head With Laugher’ (A Better Land), a cover empolgante de ‘Freedom Jazz Dance’ de Eddie Harris (Second Wind), a composição de Barry Dean ‘Whenever You’re Ready’, a versão de ‘Inner City Blues’ de Marvin Gaye (Closer To It), ‘Beginning Again’ (Straight Ahead) e o tour de force de teclado ‘Brain Damage’ (Reinforcements).”


[Charles Mingus] Changes: The Complete 1970s Atlantic Studio Recordings (Atlantic / Warner Music)

De artigo a publicar no Expresso:

“A morte do saxofonista Eric Dolphy, em 1964, afectou Mingus profundamente. A braços com uma depressão e dificuldades financeiras, o contrabaixista foi expulso do seu apartamento em Nova Iorque em 1966 e pouco produziu nessa fase. No início dos anos 70, uma breve ligação à Columbia — com quem editaria três álbuns, incluindo o ambicioso Let My Children Hear Music, produzido por Teo Macero — revitalizou a sua carreira, mas Mingus, tal como Ornette Coleman e Keith Jarrett, acabou por ser despedido quando a editora decidiu emagrecer drasticamente o seu catálogo de jazz ao sentir os ventos de mudança na música.

Mingus Moves foi o registo inaugural da nova parceria, um trabalho produzido pelo veterano Nesuhi Ertegun (irmão de Ahmet) em que Charles Mingus se rodeou de músicos mais jovens, mantendo ao seu lado o baterista Dannie Richmond e chamando o pianista Don Pullen, o trompetista Jack Walrath e o saxofonista George Adams, a quem o líder ofereceu amplo espaço de expressão.

Changes One e Changes Two, lançados em simultâneo em 1975, são os mais relevantes trabalhos desse período. Na primeira parte do díptico, ‘Sue’s Changes’ — homenagem de Mingus a Sue Graham Ungaro, com quem casou em 1966 numa cerimónia conduzida pelo poeta Allen Ginsberg — destaca-se naturalmente: trata-se de uma elegante mini-suite de 17 minutos, com diferentes andamentos atacados por um colectivo com pleno domínio das nuances do swing. ‘Remember Rockfeller at Attica’ tem balanço pronunciado e um ferrão político no título e ‘Duke Ellington’s Sound of Love’ é uma sentida carta de amor ao pianista e compositor que Mingus muitas vezes identificou como a sua maior influência. Essa peça é alvo de uma versão condensada em Changes Two, notável porque conta com interpretação vocal de Jackie Paris.”


[Dorothy Ashby] With Strings Attached 1957-65 (New Land)

Do artigo “A Harpa no Jazz” publicado no Rimas e Batidas:

“Natural de Detroit, onde nasceu e estudou — a sua escola secundária, a Cass Technical High School, é apontada aliás como instituição pública de referência no que ao ensino da harpa diz respeito —, Dorothy Ashby estreou-se como líder em 1957 quando contava apenas 25 anos, tendo gravado nessa condição mais de uma dezena de importantes álbuns, incluindo registos hoje tidos como clássicos como Afro-Harping, lançado em 1968 pela Cadet e notoriamente samplado em trabalhos de Pete Rock & CL Smooth, 9Th Wonder, Flying Lotus, GZA, Mac Miller, Big Sean ou House Shoes. Esse trabalho valeu-lhe várias importantes requisições na década de 70 por parte de artistas como Bill Withers, Bobbi Humphreys, Minnie Ripperton, Stanley Turrentine, Gene Harris ou Freddie Hubbard e até Stevie Wonder fez questão de a incluir nas sessões do mítico Songs in The Key of Life. É ela que ajuda a dar vida a ‘If It’s Magic’.

Em 2018, numa peça para a revista da Red Bull Music Academy em que se assinalava meio século cumprido sobre a edição de Afro-Harping, Brandee Younger falou longamente sobre Ashby, reconhecendo o quão importante ela foi para a sua própria formação no instrumento: ‘O Gary Bartz dizia que ela era uma pessoa muito baixinha, mas com uma forma de tocar bem expansiva’. Foi também, de acordo com Brandee, uma artista que procurou sempre evoluir, tendo gravado até bem perto da data da sua morte, vítima de cancro, em 1986, quando contava apenas 54 anos. A sua última gravação foi o clássico Concierto de Aranjuez, peça erudita do compositor espanhol Joaquim Rodrigo a que Miles Davis ofereceu igualmente a sua visão. ‘É uma peça muito bonita’, explicou Brandee que também a incluiu no seu reportório. ‘Este foi o último álbum de Dorothy, lançado em 1984, ela morreu em 1986 e por isso eu penso sempre em qual seria o seu estado de alma quando estudou e gravou essa obra. (…) A versão dela é lindíssima e comovente’.”


[Harold Land] Damisi (WeWantSounds)

Das notas de lançamento no Bandcamp:

“A WeWantSounds tem o prazer de reeditar pela primeira vez o clássico LP Damisi de Harold Land, gravado em Los Angeles para a Mainstream Records de Bob Shad e lançado em 1972. Com a participação de Buster Williams, Ndugu, Bill Henderson e Oscar Breashear, o álbum foi gravado numa altura crucial em que Land estava a mudar para um som mais espiritual. A sessão é uma mistura soberba de funk e jazz modal e apresenta o groove monstruoso de ‘In The Back, In The Corner, In The Dark’, bem como a faixa profunda e meditativa “Pakistan”. O álbum é reeditado na sua capa original, acrescentando fotografias nunca vistas da sessão, com áudio recentemente remasterizado e um encarte de 2 páginas com novas notas de Kevin Le Gendre.”


[Herbie Nichols Trio] Herbie Nichols Trio (Blue Note Tone Poet)

Das notas de lançamento:

Herbie Nichols foi um dos pianistas e compositores mais originais da história do Jazz. O fundador da Blue Note, Alfred Lion, considerava-o uma voz tão única e importante como Thelonious Monk, outro talento singular que Lion foi o primeiro a gravar alguns anos antes de assinar com Nichols em 1955. Pouco conhecido durante a sua vida, o reconhecimento começou a crescer nas últimas décadas para as composições incrivelmente modernas e angulares de Nichols, cada uma das quais era uma maravilha em miniatura construída com a sua própria lógica interna robusta. Após a sua apresentação nos dois LPs de 10″ The Prophetic Herbie Nichols, Vol. 1 eVol. 2, Nichols regressou ao estúdio de Rudy Van Gelder em Hackensack, Nova Jersey, em Agosto de 1955, com o baterista Max Roach e o baixista Al McKibbon — e novamente em Abril de 1956 com Roach e o baixista Teddy Kotick — para sessões que produziram o Herbie Nichols Trio (BLP 1519). Este LP de 12″ era outra coleção de originais idiossincráticos de Nichols, incluindo ‘The Gig’, ‘House Party Starting’, ‘Wildflower’ e talvez a sua composição mais conhecida ‘Lady Sings the Blues’, que foi escrita para Billie Holiday.”


[John Coltrane & Eric Dolphy] Evenings at the Village Gate (Impulse!)

De artigo publicado no Expresso:

“A adição do saxofonista alto Eric Dolphy, ele mesmo um destemido e inquisitivo músico, ao quarteto que mantinha com Elvis Jones na bateria, McCoy Tyner no piano e Reggie Workman no baixo foi uma das formas encontradas por John Coltrane para abrir portais para novas dimensões de som, algo em que estava bem mais empenhado do que em perseguir objectivos comerciais. À norte-americana National Public Radio, em antecipação desta importante nova edição, Reggie Workman, que aos 86 anos é o único músico que sobrevive desta formação, explicava que John Coltrane recusava terminantemente a imobilidade. ‘Em todas as vezes que trabalhávamos com John era possível ouvir a transição na sua música.’

Por ‘trabalho’, Workman referia-se a cada vez que subia ao palco com os seus companheiros, sentindo-se nessa ‘transição’ uma evolução que ia em sentido oposto ao que a crítica especializada, que não tinha poupado nos elogios a ‘My Favorite Things’, esperava. As controversas experiências musicais que Trane conduziu com Dolphy ficaram documentadas para a posteridade num álbum lançado em 1962 contendo gravações feitas no mítico Village Vanguard. Nas páginas da revista DownBeat, a 23 de Novembro de 1961, o crítico John Tynan reagiu a quente revelando toda a extensão da resistência que a visão de Coltrane então enfrentava por parte dos “gatekeepers”: ‘Recentemente, ouvi uma demonstração horrível do que parece ser uma tendência anti-jazz crescente exemplificada por esses principais proponentes do que é tido como música de vanguarda.’ Sem se conter, Tynan concluía ‘Coltrane e Dolphy parecem empenhados em destruir deliberadamente o swing.’

O braço de ferro entre Coltrane e Dolphy, duas criativas mentes afro-americanas interessadas em carregar a música para o futuro, e a crítica especializada feita sobretudo por homens brancos, como Tynan, levou até a DownBeat a convidar, no arranque de 1962, os dois músicos a responderem directamente aos seus críticos. Nesse revelador artigo, a dada altura, a dupla é confrontada com a questão ‘o que é que estão a tentar fazer?’ Após um longo silêncio, ambos tentam responder. Dolphy concede que essa é uma boa questão e Trane, após alguma elaboração, conclui: ‘No geral, penso que a principal coisa que um músico gostaria de fazer é dar uma imagem ao ouvinte das muitas coisas maravilhosas que ele conhece e sente no universo.'”


[Malombo Jazz Makers] Malompo Jazz (Strut)

Das notas de lançamento no Bandcamp:

“Formado no município de Mamelodi, perto de Pretória, o grupo começou por se chamar Malombo Jazz Men, com Julian Bahula na bateria malombo, Abbey Cindi na flauta e Philip Tabane na guitarra. Fundindo ritmos tradicionais e improvisados com o jazz, o Malombo tornou-se conhecido como uma das primeiras bandas sul-africanas a ligar totalmente o jazz às tradições africanas.

Apesar do seu génio indiscutível, Tabane tornou-se irregular durante as digressões e Bahula trouxe outro talento de Mamelodi, o guitarrista Lucas “Lucky” Ranku, mudando o nome da banda para Malombo Jazz Makers. O grupo tocou em estádios e festivais e em breve assinou contrato com a Gallo.

Gravando num estúdio em Pretória, o trio estreou-se com o álbum Malompo Jazz em 1966, mostrando a beleza simples e espaçosa do som Malombo e as composições de Abbey Cindi, com Hilda Tloubatla dos Mahotella Queens como convidada vocal.

O álbum que lhe sucedeu, Malombo Jazz Makers Vol. 2, foi gravado um ano mais tarde, continuando o fluxo terroso da música de Malombo. Os dois álbuns foram desde então reconhecidos como marcos únicos do jazz sul-africano através de faixas populares como ‘Sibathathu’, ‘Jikeleza’ e ‘Emakhaya’. Para além da arte original completa, os álbuns incluem uma nova entrevista com Julian Bahula.”


[Max Roach] Members Don’t Git Weary (Atlantic / ARC)

Outra definitiva obra-prima do gigante Max Roach. Que este álbum tenha sido gravado com talentos que foram eles mesmos líderes de pleno direito — como o saxofonista Gary Bartz, o cantor Andy Bey, o pianista Stanley Cowell ou o trompetista Charles Tolliver — já é clara prova do poder congregador de Roach. Mas a verdade é que nesta sessão todos se superaram, oferecendo ao futuro uma obra absolutamente visionária.

Das notas de lançamento no Bandcamp:

“Roach gravou o álbum durante um período profundamente turbulento da história dos EUA, no rescaldo dos assassinatos do procurador-geral Robert Kennedy e do líder dos direitos civis Martin Luther King Jr. e tendo como pano de fundo a Guerra do Vietname. O disco mostra o criador do bebop a inclinar-se para o tumulto, abraçando uma agitação fervilhante de sons modais e pós-bop que prefigura o jazz espiritual afro-consciente que evoluiria ainda mais na década seguinte. Roach é acompanhado neste empreendimento por uma nova geração de jovens pesos pesados do futuro; Gary Bartz no saxofone, Charles Tolliver no trompete, Stanley Cowell no piano, Jymie Merritt no baixo elétrico e o vocalista Andy Bey na faixa-título. Tolliver e Cowell viriam a formar o seminal Strata-East e, em muitos aspectos, este disco incorpora o modelo desse som. Este disco marca um momento crucial não só na carreira de Roach mas no curso do jazz em geral.”


[Milford Graves with Arthur Doyle & Hugh Glover] Children of the Forest (Black Editions)

Das notas de lançamento no Bandcamp:

“Após a morte de Albert Ayler em 1970 e até à sua célebre viagem ao FESTAC de 1977 em Lagos, Nigéria, Graves actuou com bastante frequência como líder de banda na cena Loft de Nova Iorque e viajou duas vezes para a Europa (1973, 1974) com duos, trios e quartetos compostos por colegas músicos de Nova Iorque — quase sempre com Hugh Glover, e incluindo Arthur Williams, Joe Rigby, Frank Lowe e Arthur Doyle. As três sessões que compõem Children of the Forest datam de perto do fim deste período intensivo de atividade popular de Graves durante uma era de pico de fermentação musical e cultural no jazz e na música negra americana.

As primeiras gravações apresentam o duo de Graves (bateria e percussão) e Glover (saxofone tenor) de 24 de Janeiro, e Graves a solo (bateria e percussão) de 2 de Fevereiro. Numa entrevista encomendada para este lançamento e conduzida por Jake Meginsky, Glover discute a mestria da forma e da execução na forma de tocar e na abordagem de Graves: ‘Sempre foi um mistério para mim a forma como os bateristas cubanos de Bata conseguiam modular o ritmo e a métrica. Bem, é preciso mais do que um músico para o fazer ao estilo cubano. O Prof (Graves) mostra que é possível fazê-lo com um só músico. A razão pela qual ele é capaz de o fazer é porque tem um conhecimento enciclopédico dos ritmos das Caraíbas, dos ritmos de África e dos ritmos do jazz. Ele consegue mover-se sem perder a sensação’.”


[Nina Simone] You’ve Got to Learn (Live) (Verve)

De crítica publicada no Expresso:

“O álbum documenta uma histórica apresentação de Miss Simone no festival de jazz de Newport em 1966, uma ocasião em que o fervor do público, segundo rezam as crónicas, terá sido tal que os insistentes aplausos impediram o artista seguinte de iniciar o seu concerto. Aí o tema adquiriu nuances que a gravação original, de 1964, não revelava: há uma amargura na voz que se encaixa na perfeição na cadência bluesy do arranjo, com Nina a soar como se o peso do mundo lhe recaísse nos ombros: ‘I can’t stand the pressure much longer’, exclama. Como não perceber?”


[Pharoah Sanders] Pharoah (Luaka Bop)

Após circular em várias prensagens de legalidade (no mínimo) duvidosa, esta reedição abençoada pelo próprio Pharoah Sanders em vésperas da sua partida para outro plano apresenta-se em expansiva caixa, um luxo justificado pela sua importância e raridade (há uma cópia da prensagem original disponível neste momento no Discogs por singelos 5 mil e 600 euros). Versão aumentada com dois registos inéditos de palco, este Pharoah é um claro documento de uma mente criativa que sem dúvida habitava outro plano cósmico.

Das notas de lançamento no Bandcamp:

“A história da origem deste disco é tão evasiva como o próprio Pharoah. Nasceu de um mal-entendido entre Pharoah e o produtor da editora India Navigation, Bob Cummins, e foi gravado com um grupo de músicos tão improvável que nunca mais estiveram todos na mesma sala. Havia o guitarrista Tisziji Muñoz, que viria a tornar-se um guru espiritual, o organista Clifton ‘Jiggs’ Chase, que deixaria o jazz para aceitar um emprego na Sugar Hill Records, onde viria a co-escrever e produzir ‘The Message’ para Grandmaster Flash and the Furious Five, e Bedria Sanders, a esposa de Pharoah na altura e uma pianista com formação clássica, que tocaria harmónio neste disco apesar de nunca ter visto um harmónio antes. A confluência de circunstâncias surpreendentes que rodearam a realização deste disco, embora na altura parecessem limitações, apenas alimentaram o seu brilhantismo. Este viria a tornar-se um dos discos mais amados de Pharoah e seria reconhecido como uma das grandes obras do século XX.

Com a bênção de Pharoah Sanders, esta nova caixa apresenta a versão definitiva e remasterizada de PHAROAH, o seu disco seminal de 1977, juntamente com duas actuações ao vivo inéditas da sua obra-prima ‘Harvest Time’. O livreto de 24 páginas que acompanha o álbum inclui fotografias raramente vistas, entrevistas com muitos dos participantes e uma conversa com o próprio Pharoah.”


[Pharoah Sanders Quartet] Live at Fabrik Hamburg 1980 (Jazzline Classics)

Das notas de lançamento:

“Este lançamento de uma série de gravações ao vivo de concertos do Fabrik em Hamburgo-Altona, um desses tesouros escondidos do arquivo da NDR, pretendia trazer de volta a memória das mudanças e revoluções no mundo do jazz de há mais de quatro décadas. Agora, transformou-se num obituário — no final de Setembro de 2022, o saxofonista tenor Pharoah Sanders faleceu aos 81 anos.

Esta gravação do Sanders Quartet, de 6 de Junho de 1980, é até agora a mais antiga do Fabrik, antecedendo a grande época do jazz no local. Uma época que, ainda hoje, Thomas Engel, o primeiro planeador de programas do Fabrik, descreve como um período muito especial para a cultura popular e não tão popular em Hamburgo e muito mais além. Além disso, este concerto fazia parte da então quinta edição do que ainda se chamava o New Jazz Festival, uma cimeira de músicos alemães, europeus e americanos.”


[Sonny Clark] The Complete Blue Note Sessions (Mosaic)

Das notas de lançamento:

“É impossível resumir a música de Sonny Clark como soando à música de um ou outro músico sem acrescentar um ‘mas’ à descrição, incluindo palavras apreciativas sobre um ou outro componente da sua forma de tocar que era só dele.

Sim, ele conseguia igualar a velocidade e a inventividade rítmica de Powell, mas acrescentava uma facilidade lírica que nunca foi a de Powell. Numa veia hard bop, ele poderia lembrar Horace Silver, mas Clark era mais groovier e mais flutuante. Quando Clark dava voz ao seu lado bluesy — como fez em duas datas centradas em singles mais curtos para o mercado das jukeboxes — era inigualável.

Os solos prolongados do seu trabalho em trio revelavam o que era frequentemente uma abordagem fluida e semelhante a uma trompa, que por vezes o levava a descobrir, fascinar-se e explorar profundamente um novo idioma harmónico ou rítmico, sem nunca abandonar o seu instinto natural para o swing.

O seu Sonny Clark Trio, datado de outubro de 1957, é sem dúvida um dos melhores exemplos, de qualquer pessoa, de como o piano, o baixo e a bateria podem trabalhar em conjunto para criar uma experiência musical tão satisfatória como se poderia esperar encontrar. As datas do ensemble de Clark são uma prova fácil da razão pela qual ele foi tantas vezes escolhido para ocupar o banco do piano.

É difícil imaginar um colega de equipa mais cuidadoso, atencioso e solidário, sempre a ouvir, sempre a preencher buracos, sempre a fazer avançar economicamente uma melodia com o raio de luz certo.

Mesmo na sua última sessão para a Blue Note, em 1962, independentemente do que o seu estilo de vida estava a fazer à sua saúde, os seus instintos musicais eram afiados, críticos, desafiantes e animados, provando que um bom apoio não é apenas bem-vindo, é indispensável. O álbum dessa sessão, Leapin’ And Lopin’, está em pelo menos uma lista dos álbuns mais essenciais de 1945 a 1970, e com razão.

O saxofonista Johnny Griffin destacou-o pelo seu ataque ao instrumento que lembrava o de Bud Powell, mas elogiou Clark pela sua delicadeza e técnica excecional. Dexter Gordon disse que Clark era o seu acompanhador de piano favorito. Se precisar de mais alguma prova de como ele era altamente considerado, o seu serviço fúnebre incluiu actuações de Thelonious Monk e Jackie McLean.”


[Sons Of Kemet] Burn (10th Anniversary Remaster) (Native Rebel)

Reedição oportuna do primeiro álbum do colectivo Sons of Kemet, agora que Shabaka Hutchings abraça novos desafios artísticos com uma nova ferramenta de expressão, a flauta. “All Will Surely Burn”, começaram eles por garantir. E escutando esta música no 10º aniversário da sua edição original entende-se porquê: o poder de combustão deste colectivo era certamente muito elevado. Há um par de anos, em Amesterdão, pudemos constatar isso mesmo:

“O concerto que os Sons of Kemet apresentaram no Paradiso, chamando pontualmente a palco essa voz da negritude combativa que é Joshua Idehen, verdadeiro grito de liberdade solto num local que foi também (como de resto o nosso país…) foco de histórica opressão, tem algo de poética justiça, de vital redenção. Há fúria na apresentação do grupo, que também não professa uma palavra para lá das que existem na poesia de Idehen, mas que deixa uma clara mensagem bem entregue ao tal público etnicamente diverso que, certamente, terá igualmente sentido de forma diversa aquela avalanche de gritos professados através do ritmo e também do absolutamente brilhante saxofone de Shabaka e da funda e telúrica tuba de Theon. Cada um dos músicos em palco é dotado de incríveis recursos técnicos, mas todos se submetem a uma sonora massa colectiva que existe para ser una e indivisível. E tudo junto chega a ser avassalador. Esta é música que esmaga para que depois todos possamos renascer, música que purifica para que todos depois possamos evoluir. E perante isto, como se uma mola colectiva tivesse sido activada por debaixo de cada uma das cadeiras, toda a gente no Paradiso — mas mesmo toda…! — se levantou, entregando os seus corpos a esse irrecusável ritual. Impressionante.”


[Sun Ra & His Arkestra] Jazz in Silhouette (Expanded Edition) (Cosmic Myth)

De artigo escrito para uma homenagem a Sun Ra no Maria Matos conduzida por Bruno Pernadas, em 2014:

“Por esta altura, em Chicago, nas suas primeiras gravações comerciais disponibilizadas ainda antes da década de 50 terminar, como Jazz By Sun Ra, Vol. 1, álbum produzido pelo mesmo Tom Wilson que não só efectuou algumas das primeiras gravações de gigantes da new thing como Cecil Taylor ou John Coltrane mas também haveria de ficar ligado, uns anos mais tarde, à estreia dos Velvet Underground em Nova Iorque, Ra já justificava o rótulo space music que algumas pessoas usavam para descrever as suas criações com a inclusão nos seus arranjos de instrumentos exóticos como o Theremin ou o órgão Novachord, dispositivos que o levaram a antecipar o futuro e a criar uma música que, como se prometia na capa de Jazz in Silhouette, o segundo álbum da Saturn, oferecia ‘imagens e previsões do amanhã disfarçadas de jazz.’ Essa sede por novos sons foi sendo alimentada ao longo de toda a década de 60, acreditando Sony que a era dos foguetões e da exploração espacial exigia uma música centrada em novos timbres, novas maneiras de gerar som. Em 1969, no mesmo ano em que o Homem pela primeira vez pisou solo lunar, Sun Ra pisou, pela primeira vez, o soalho do alpendre de Robert Moog.”


[Thelonious Monk & John Coltrane] Thelonious Monk With John Coltrane (Craft Recordings)

Das notas de lançamento:

“Considerada como uma das maiores colaborações de jazz de todos os tempos, esta nova edição de Thelonious Monk with John Coltrane é lançada como parte da recém relançada série Original Jazz Classics. Para além de Monk e Coltrane, o álbum também conta com os talentos de Art Blakey (bateria), Wilbur Ware (baixo), Gigi Gryce (saxofone alto) e muito mais. Esta reedição apresenta áudio remasterizado a partir das fitas originais e está disponível em formato digital de alta resolução 192/24.”


[Wayne Shorter] Schizophrenia (Blue Note Tone Poet)

Das notas de lançamento:

“Entre 1964-1967, o lendário saxofonista e compositor Wayne Shorter criou uma obra preciosa e profundamente influente na tradição do jazz acústico com álbuns clássicos como Night Dreamer, JuJu, Speak No Evil e Adam’s Apple que apresentavam as composições originais brilhantes e distintas de Shorter interpretadas por várias configurações de mestres do jazz moderno. Em Schizophrenia, de 1967, Shorter chegou ao auge do pós-bop e olhou para os horizontes à sua volta. Uma corrente de vanguarda já percorria a sua música e a próxima vez que entraria em estúdio para a Blue Note seria para a sua exploração de fusão Super Nova de 1969. Mas neste momento, ele produziu uma das suas declarações artísticas mais completas e estilisticamente diversas com um sexteto de aventureiros musicais com a mesma mentalidade.

Incluindo James Spaulding no saxofone alto e flauta, Curtis Fuller no trombone, Herbie Hancock no piano, Ron Carter no baixo e Joe Chambers na bateria. O conjunto de seis canções de composições originais inclui vários dos temas mais duradouros de Shorter, incluindo o groove inesquecível de ‘Tom Thumb’, a evocativa ‘Go’ e a bela balada ‘Miyako’, bem comoa peça agitada de Spaulding ‘Kryptonite’.”

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