A presente edição da Festa do Jazz conta com o momento de balanço do ano do jazz nacional. Os prémios atribuídos contemplam as categorias: Artista do Ano, Artista Revelação, Grupo do Ano e ainda o Prémio Mérito. O painel de jurados desta edição foi composto pelos críticos musicais Nuno Catarino (editor e redactor da revista jazz.pt) e por Sofia Rajado (criadora do podcast Improvisadoras, colaboradora da jazz.pt e do Rimas e Batidas). Para a entrega dos prémios estiveram Carlos Martins (Sons da Lusofonia), Sofia Rajado e João Almeida (Antena 2).
O Artista do Ano foi José Soares, saxofonista que se destacou nas muitas formações onde a sua voz no alto tem sido de um relevo notável. Recordamos as palavras de Rui Miguel Abreu a propósito de uma das últimas vezes que aqui reportámos a sua música, aquando da formação agrupada por Carlos Bica no Jazz no Reservatório’24 para uma apresentação de 11:11. “José Soares é a autêntica personificação da coolness, um saxofonista que grita com a mesma tranquilidade com que sussurra, que segreda com a mesma ferocidade com que clama — todo ele nervo, mas todo ele também pura elegância.”
O prémio de Artista Revelação foi atribuído a Vera Morais, compositora e cantora que vai inscrevendo e surpreendendo a cada nova apresentação. Dela se tem escrito, entre o duo que tem activo com Hristo Goleminov para tocar Consider The Plums, ou nas polifonias femininas de LIÇO, e ainda no impactante Ensemble Mutante #1 — uma encomenda da Porta-Jazz, num pedido criativo que dá lugar a genialidades, como escutado desta jovem compositora. Retomamos as palavras de Ricardo Vicente Paredes nessa ocasião do fecho do festival Porta-Jazz’24, em que descrevia o projecto como sendo de “música contemporânea radicada num trabalho de extenso protagonismo exploratório vocal, onde Morais se assume como preponderante interprete do seu eu autoral. Na condução do ensemble exibe um dinamismo ao ponto de revelar que nele cabem momentos de composição em tempo real, a acessão do improviso previsto na partitura. Morais arrisca assim, neste começo tão brilhante, a inscrever-se num universo onde constam entre outros o nome de Emmanuel Nunes, dada a dimensão composicional da música de vanguarda praticada pelo contínuo questionamento e cruzamentos das possibilidades em redor.”
O Grupo do Ano para o júri foi MOVE de Yedo Gibson nos saxofones, Felipe Zenícola no baixo e João Valinho na bateria, neste ano do seu segundo registo discográfico Free Baile – Live in Shenzhen. Foi nesse dia de lançamento, em pleno Jazz em Agosto’24 que resgatámos as impressões que Ricardo Vicente Paredes trouxe do vivido: “A música de MOVE é feita de muito nervo, como também da libertação da tensão. É tocada numa ferocidade e felicidade conjugada. Há uma bateria de Valinho virada à musica que vem de Gibson no par de saxofones, e interligada pelo baixo ‘lira’ de Zenícola. O trio luso-brasileiro desprende uma descarga, intensa que traz acumulada e se dispõem a deixar em palco. Musicalmente anda perto dos caldeirões sonoros que John Zorn e/ou Bill Laswell puseram ao lume, pela conjugação visceral identitária que o duo de saxofones e baixo eléctrico nos transmite. Gibson desprende do seu interior uma voz que remete também para Albert Ayler, contudo Zenícola estará ainda assim mais apartado de um baixo totalmente laswelliano. Contudo há a energética fonte de ritmos criativos e cintilantes que é a bateria de Valinho, sempre a alimentar e a dar resposta estimulante. Esta fornalha de música, rica em intensidade, faz ferver depressa, e quem vier a este baile vai invariavelmente dançar com força, vai sair com marcas.”
O Prémio Mérito distinguiu a cantora Maria João, nome inolvidável sempre que surge a ideia de voz no jazz. Passadas muitas vivências, entre discos e concertos, é o lugar da emoção que ocupa. Numa recente experiência em palco, Rui Miguel Abreu reportava desde o Jazz ao Largo’24, escutando desta forma a música de Maria João no eterno duo junto a Mário Laginha: “E Maria João é aquele monstro que vai do quase silêncio ao trovão, que tanto é trompete como theremin, que ri e chora na mesma frase, por vezes até na mesma palavra e sílaba, tamanho o alcance das suas particulares nuances expressivas. Tudo no sítio, sem uma nota que seja deslocada. Ouvir esta dupla é estar condenado ao arrebatamento. Impossível a indiferença.”