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Fotografia: Pedro Francisco
Publicado a: 03/09/2022

Em alto e mau som.

MEO Kalorama’22 – Dia 2: da sofisticação pop à electrónica imersiva

Fotografia: Pedro Francisco
Publicado a: 03/09/2022

[Golden Slumbers]

18h no palco Colina e um por do sôl a começar a cair no Parque da Bela Vista, recinto esse que se encontrava bem mais recheado por essas horas neste segundo dia do MEO Kalorama (dia esgotado, refira-se), especialmente por fãs dos Macacos do Ártico que já preenchiam uma quantidade bem grande da área em frente do Palco MEO. Foi este o ringue que calhou às Golden Slumbers, duo formado pelas irmãs Cat Falcão – a solo conhecemo-la como Monday – e Margarida Falcão ( 50% dos Vaarwell). 

O concerto das Golden Slumbers no Kalorama foi marcado, musicalmente, pelo seu regresso aos trabalhos discográficos com o belíssimo I Love You, Crystal, seis anos depois de The New Messiah, disco que em 2016 encantou muitos corações com o seu indie folk a la First Aid Kit. I Love You, Crystal não deixa de apresentar soluções sonoras que não fogem muito ao indie folk, mas comparado com o seu antecessor é um disco mais cristalino e maturado, tanto na escrita como na sonoridade, pronto a encantar outros tantos corações. No Kalorama, foi exactamente isso que as Golden Slumbers tentaram fazer: encantar corações e oferecer emoção para ilações.

Mas, para nós, as ilações a tirar vêm das dificuldades que as manas Falcão tiveram de encontrar para conseguir fazer sobressair a sua música. Primeiro, o som estava longe de perfeito (queixa comum no Palco Colina — e mesmo assim o concerto das Golden Slumbers foi o menos mau nesse aspecto neste segundo dia de festival); segundo, o público, apesar do olhar e ouvidos atentos, foi parecendo algo morto, fora grupos restritos nas suas interações com a banda – as manas Falcão tinham ajuda, em palco, de um baterista, baixista e guitarrista para ajudar a dar vida às suas canções.

Regularmente trocando guitarras entre si – uma acústica e uma eléctrica –, as Golden Slumbers focaram o concerto principalmente em temas de I Love You, Crystal, mas foi com uma faixa de The New Messiah, “Mourning Song/Clandestine”, que mostraram que as suas harmonias vocais estavam bastante bem oleadas e adequadas ao final de tarde deste dia 2 de Setembro. Daí para a frente, canções como “Pure” (harmoniosa na sua dose de pop inserida no indie folk do duo), “South America”, “I Love You, Crystal” (soa belíssima ao vivo) ou “The New Messiah”, com os seus toques de americana, foram encantando e cintilando como podiam, dando sempre o seu ar de graça para abalar sentimentos. Para o final, “Man of The Hour” soou grandiosa e “Woman” foi, como disse Margarida, “para chorar”.

Foi bonito o concerto das Golden Slumbers e adequado ao horário – só pena que ninguém parecesse muito interessado naquilo que as manas tinham para cantar. 

– Miguel Rocha



[Jessie Ware]

Enquanto ouvíamos The Legendary Tigerman estender e estender “Twenty First Century Rock’n’Roll” até ao limite de tempo disponível no Palco MEO, nós e outro tanto público foi-se juntando no Palco Colina, pelas 20 horas, para vislumbrar o concerto de Jessie Ware, de regresso a Portugal quatro após a sua última passagem no EDP Cool Jazz de 2018.

Contudo, a Jessie Ware de 2022 não é a mesma Jessie Ware de 2018. Em 2020, com o excelente What’s Your Pleasure? – que só fica (ainda) melhor com o tempo –, Ware entrou numa nova fase criativa, uma em que a sua pop sofisticada, com toques de soul, ganhou nova vida através da música de dança e da disco para criar sons que tanto invocam nostalgia como futurismos — e onde a festa (inclusiva, claro) é o mote de vida. No Kalorama, o mote não foi muito diferente desse – ao longo de curtos, mas excelentes, 45 minutos, Jessie Ware foi diva pop em palco, gigante na interpretação das canções, que incentivaram à festa com a ajuda de coreografias (dançarinos on point) e coros que, mesmo que simples, foram ajudando à festa que se fez sentir no Palco Colina (e, mais uma vez, a qualidade de som foi inimiga da qualidade do concerto).

Com destaque na setlist para What’s Your Pleasure?, Ware não desperdiçou um único momento do tempo que lhe foi concedido. Foram 45 minutos de vento em popa, dança sem botão de pausa, libertação além-êxtase daquilo que significa abanar a anca sem preocupações para julgamentos impróprios. “Spotlight” abriu a festa com selo mais que positivo, “Ooh La La” manteve a energia e “Step Into My Life”, com a ajuda de uma bola de espelhos nas coreografias em palco, continuou a dar o mote de que, se era para dançar, era até cair (e, se com alguém, melhor).

“Wildest Moment” surgiu de seguida na primeira de duas visitas a Devotion, o seu excelente disco de estreia (e um lembrete que as sementes para What’s Your Pleasure? sempre lá estiveram), com direito a muitos coros por parte do público, antes de “Soul Control” soar absolutamente fenomenal ao vivo, mesmo com o som que emanava do Palco Colina, mas que não parecia demover nem público nem artista de homenagear aquela que, podemos bem dizer, é a sua melhor canção. O ambiente estava bem quente e “Free Yourself”, a mais recente faixa lançada por Jessie Ware, já neste ano, ainda conseguiu a proeza de o aquecer mais com a sua influência de house a juntar-se ao caldeirão sonoro de Ware no pós-What’s Your Pleasure?.

“Remember Where You Are”, faixa que fecha What’s Your Pleasure? ganhou o prémio de momento mais introspetivo do concerto com a sua pop sofisticada, numa interpretação maravilhosa de Ware (do que se conseguiu ouvir pelo meio do baixo sufocante que emanava do sistema de som do palco Colina), abrindo espaço para as últimas três canções do concerto brilharem. “Running”, em versão remix dos Disclosure (preferimos a original, diga-se, apesar de neste contexto, esta versão funcionar de forma relativamente ok), marcou ritmo, “What’s Your Pleasure?” teve direito a microfone virado chicote em palco para complementar a sua estética sadomasoquista, e “Save a Kiss” fechou com nota mais que positiva um concerto que, mesmo com as suas adversidades, foi imponente na sua mensagem e entrega e revelou-se como forte candidato a um dos melhores desta primeira edição do Kalorama.

– Miguel Rocha


Foto por Eduardo Filho

[Alice Phoebe Lou]

Aos saltos, a sorrir e encantada com a extensa plateia que ali se encontrava para a ver, foi assim que Alice Phoebe Lou se estreou no Palco Futura, na altura do dia que melhor combina com o seu melódico indie confessional: o pôr do sol. Relembrando um raio do mesmo e com a alegria de quem acredita no que canta, a cantora apresentou um espectáculo íntimo de pura interacção com o público, onde predominaram os constantes elogios às plateias portuguesas, que, segundo a própria, têm sempre a melhor energia e sabem verdadeiramente fazer a festa. 

Já os presentes, comprovando a sua teoria, retribuíram certamente o mesmo grau de entusiasmo, ouvindo-se constantes conversas relativas a como Phoebe Lou era “semelhante a uma fada” e tinha uma voz “mesmo linda”, dados que pudemos confirmar na primeira pessoa, causando até vários arrepios na pele — como outro grupo de amigos fazia questão de mencionar. 

Sem qualquer medo de se mostrar vulnerável através da sua música, começando com “Only When I” e terminando na famosa “Witches” — que causou a maior comoção –, passando por temas como “Glow”, “Holly” ou “Touch”, ao longo de algo como 45 minutos de concerto, decorados pela sua vontade de partilhar o que lhe vai na alma, a energia nunca esmoreceu, ouvindo-se cânticos do seu nome praticamente a cada intervalo entre as músicas. 

Alice abandonou assim como chegou: feliz e já com a certeza, vozeada, de que mal pode esperar para voltar; e nós cá estaremos para a receber, de braços abertos.

– Beatriz Freitas


Foto por Neia

[Róisin Murphy]

Se Jessie Ware foi uma força de natureza em palco, que expressão podemos utilizar para descrever Róisin Murphy? Furacão? Podíamos arriscar assim, mas talvez seja melhor tentarmos contar aquilo que foi o show dado pela ex-Moloko (onde, curiosamente, também já era uma força da natureza) pelas 22 horas no Palco Colina.

Com a ajuda de uma banda ao vivo e de vários outfits que, mesmo na sua excentricidade estilosa, imanavam uma sensualidade única – as poses ajudam, mas o olhar mata a coisa (no melhor sentido) –, Róisin Murphy foi desfilando vários temas da sua carreira a solo – destaque para canções como “Murphy’s Law”, faixa de Róisin Machine, o seu mais recente LP, ou “Incapable” – e repescando canções ao repertório dos Moloko, com especial destaque para “The Time Is Now”, recebida com grande carinho e barulho por parte do público, “Forever More”, com direito a um momento noise a finalizar para fazer a ponte para “Overpowered” e, claro está, “Sing It Back”, numa versão mais “calminha” e próxima da sua original de estúdio.

Por entre linhas de guitarra minimalistas, grooves certeiras e a voz intimidante de Murphy, a festa foi-se fazendo, naquele que foi um muito bom concerto no regresso da artista irlandesa a Portugal pela primeira vez desde 2019, mesmo com circunstâncias que nem sempre lhe foram favoráveis (leia-se: o som no Palco Colina, mais uma vez, estava longe de estar ideal para os procedimentos).

– Miguel Rocha


Foto por Pedro Francisco

[Arctic Monkeys]

Depois do seu último concerto no NOS Alive em 2018, para muitos a primeira oportunidade para ver esta banda ao vivo em Portugal, era com um êxtase desmedido que se aguardava este tão ansiado regresso dos Arctic Monkeys aos palcos nacionais; para deleite dos seus maiores fãs, o fim da espera foi trazido pelo Kalorama e, depois de algumas — ligeiras — alterações na setlist e nos cortes de cabelo dos seus constituintes, esta já icónica banda veio relembrar as saudades que se sentiam de experienciar o seu rock alternativo ao vivo, entregue com toda a sensualidade que lhes deve ser atribuída — o resultado disso foi uma enchente abismal, que cobriu as colinas do Parque da Bela Vista, numa noite completamente lotada para ver estes ilustres cabeças de cartaz.

Desde o primeiro segundo em que pisaram o palco, sem qualquer tipo introdução, a euforia instalou-se, após terem soado os tão conhecidos acordes de “Do I Wanna Know”, isco perfeito para captar a atenção de todos os presentes, tendo cumprido o seu papel e arrancado um sentido coro da plateia. Seguiu-se de imediato para “Brianstorm” e foi apenas após essa música que obtivemos um “first and foremost, how are you feeling everybody?”, uma das únicas interações feitas com o público durante todo o concerto.

Mas o que peca em interação com o público, Alex Turner compensa com charme e presença de palco, característica que não se parece banalizar com o passar dos anos. A sua aura de rockstar digna de uma época que não a dele, aliada à mestria no trabalho de guitarras, bateria e teclado apresentadas por toda a banda, fazem deste um grupo que resiste ao passar dos anos, com hits que têm acompanhado muitos de nós ao longo da vida e com a atmosfera clássica que os envolve. E os fãs não parecem esquecer-se disso: de “Crying Lightning” à romântica “Cornerstone”, passando por faixas como “505” e “I Bet That You Look Good On The Dancefloor”, as mais antigas foram as mais bem recebidas. Surpreenderam ao não cantar o seu mais recente single “There’d Better Be a Mirrorball”, tendo, ao invés, escolhido apresentar uma nova faixa, num tom diferente da já ouvida, falando em termos melódicos, de forma a deixar a crepitar de antecipação quem quer que fosse que estivesse lá presente.

É, no entanto, de lamentar a qualidade do som apresentado, que não fez de todo jus à performance exibida pela banda, uma situação que se reflectiu não só no público, não tão efusivo como se esperava, como no próprio vocalista, que também não parecia satisfeito.

– Beatriz Freitas


Foto por Ana Viotti

[Bonobo]

Pela 00h45, voltámos ao Palco Colina para irmos de encontro ao regresso de Bonobo a Portugal, cinco anos após a sua última passagem pelo nosso país na edição de 2017 do NOS Alive

Admitimos que fomos com alguma expectativa para o concerto do músico britânico, particularmente porque Fragments, o seu mais recente álbum, lançado no início de 2022, foi uma espécie de retorno de forma para Simon Green, depois de The North Borders e Migration, lançados durante a década de 2010, não terem atingido a mesma qualidade dos projetos que tinha apresentado durante a década de 2000. Contudo, na introspectividade de Fragments, Bonobo conseguiu voltar-se a elevar, conseguindo afinar o seu downtempo com influências de deep house para uma experiência verdadeiramente imersiva.

A palavra imersiva é uma que pode bem ser aplicada ao concerto de Bonobo. Com a ajuda de uma banda em palco, cujos elementos foram saindo e entrando em cena conforme a música a ser tocada, o produtor foi visitando muito do seu catálogo pós-Black Sands (lançado em 2010) – ou seja, The North Borders, Migration e Fragments –, dando-lhe uma roupagem eficaz que nos deu vontade de ir revisitar, com ouvido mais afinado, esses trabalhos. Nota também positiva para o jogo de luzes do concerto, um dos melhores que vimos até aqui neste Kalorama, a ajudar a trazer à vida faixas como “Rosewood”, “Kiara”, “Age of Phase” ou “Otomo” (imponente ao vivo e o ponto mais alto do espectáculo de Bonobo), que bem nos preparou para “Kerala” fechar o espectáculo. Fica a dica, já agora, que o espectáculo apresentado por Bonobo, em sala fechada, tinha sido uma maravilha – considere-se, por favor.

Em nota extra, o que certamente não merece nota positiva foi a dificuldade que encontrámos, mais uma vez, em conseguir ouvir algo além do baixo neste Palco Colina, notando-se particularmente quando Nicole Miglis, cantora em digressão com Bonobo, veio dar vida a faixas como “Shadows” ou “From You” – mal se ouvia a voz de cantora. Francamente, tendo em conta a aparente ambição do MEO Kalorama enquanto grande festival, a qualidade de som (ou melhor, falta dela) do Palco Colina não é digna. Pode ser que neste sábado, 3 de Setembro, finalmente seja feito algo quanto a isso – a esperança é a última a morrer, não é?

– Miguel Rocha


Foto por Pedro Francisco

[Bruno Pernadas]

Aproximando-se o fim da noite deste segundo dia de Kalorama, os resistentes dirigiram-se ao Palco Futura para uns últimos passos de dança e quem os recebeu, de pista aberta, foi Bruno Pernadas com a sua banda — e tão bem cumpriram o seu papel. 

“Muito obrigado por terem ficado!” foi a frase mais repetida ao longo do espectáculo por Pernadas, porém, quem se mostrava verdadeiramente agradecido era mesmo o público, que nunca deixou de dançar entusiasticamente, de sorrisos estampados no rosto, ao som das mais belas melodias oferecidas por esta que é realmente um grupo completo; com Bruno Pernadas na guitarra, Margarida Campelo na voz e teclados, Afonso Cabral na guitarra, David Santos no baixo eléctrico, João Correia na bateria, Diogo Duque no trompete e João Capinha no saxofone, é de louvar a perfeita harmonia criada no meio deste caos melódico que se traduz em ritmadas faixas prontas a puxar dos melhores passos de dança de qualquer um. 

É também de destacar a paixão e diversão com que esta banda actua, algo que dá gosto de experienciar: a alegria no toque dos instrumentos, o momento de dança entre Campelo e Duque — que elaborou uma coreografia improvisada, ainda de trompete na mão — e o estilo tão pessoal de cada um – com especial ênfase no bonito vestido estilo vintage de Campelo — reflectia-se fortemente no público, que vibrava ao som de potentes entregas de saxofone, trompete e tudo o resto que reinava em faixas como “Galaxy” e “Problem Number 6”. Foi ainda chamada à festa Minji Kim, que iluminou o palco com o seu sorriso e boa disposição, cantando a bonita música “Lafeta Uti”.

No fim, só se ouviam cânticos de “só mais uma”, que foram correspondidos; na felicidade de terem voltado, houve quem partilhasse beijos, danças de corpo colado pela cintura e ainda quem, num acesso de coragem, fosse pedir o nome do Instagram a alguém que suscitou a atenção. Foi bonita a festa de Bruno Pernadas e desta sua banda de bem se estar. Valeu a pena termos ficado.

– Beatriz Freitas


Foto por Ana Viotti

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