pub

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 15/01/2025

Arquitectando sonhos sonoros entre o tempo e os minerais raros.

Maria da Rocha: Sinfonias do Infinito em Cordas e Circuitos

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Nuno Martins
Publicado a: 15/01/2025

Maria da Rocha é uma pedra preciosa que brilha entre camadas de tempo, movendo-se entre o palpável e o invisível. O seu violino, sempre tão próximo da pele, desliza por paisagens sonoras que evocam a profundidade de veios minerais escondidos nas entranhas da Terra. Não toca apenas as notas que conhecemos; ela alcança frequências raras, captando ressonâncias que se escondem nos recantos mais obscuros da crosta terrestre. Cada movimento seu é um fragmento de quartzo que se parte em mil reflexos, cada arco que desenha no ar é como um cristal que cresce silenciosamente nas trevas.

Há uma densidade mineral nos seus gestos, como se cada nota contivesse a memória de épocas geológicas passadas, um segredo aprisionado no âmbar ou no diamante que apenas os mais atentos podem desvendar. Formada na solidez do clássico, Maria nunca se limitou às fronteiras impostas pela tradição. As suas viagens, tanto físicas quanto sonoras, levaram-na a tocar com mestres e inovadores, sempre absorvendo e transformando o que aprendeu. Não se trata de imitação, mas de uma transfiguração, onde o som se torna cristal e o cristal, por sua vez, se dissolve em poeira.

A electrónica surgiu-lhe como um eco subterrâneo, uma lembrança de algo que sempre esteve dentro dela. Nos circuitos modulares, nos fios que conduzem a electricidade, Maria encontrou a sua contraparte. O violino, de madeira e cordas, encontrou no Buchla 200 uma alma gémea, metálica e condutora. Juntas, essas duas entidades criam uma música que não pertence a um só tempo. O presente, o passado e o futuro cristalizam-se numa sinfonia eterna, onde o humano e o mecânico se fundem, e a distinção entre o que é vivo e o que é mineral deixa de ter significado.

Cada performance sua é um ritual, uma invocação dos sons que habitam as fendas e os veios ocultos do mundo. Maria é uma mineradora de frequências invisíveis, uma alquimista que transforma vibrações em arte. Na sua música, escutamos o sussurro das rochas que se movem lentamente, o brilho único de um ópalo descoberto ao acaso, o peso imenso das montanhas que se erguem e desmoronam. E, contudo, a sua arte é também profundamente terrena, ancorada na materialidade do violino, nas histórias humanas que ecoam nas suas composições.

Maria da Rocha constrói mundos sonoros onde a electrónica se entrelaça com a madeira, onde o digital se dissolve no orgânico. E ao fazê-lo, ela transforma-nos, ouvintes e espectadores, em habitantes temporários desses mundos. No palco ou em estúdio, Maria é uma arquitecta de minerais sonoros, lapidando com sons o que as palavras não podem alcançar.

[A Origem das Cordas: Da Terra aos Minerais Raros]

Maria da Rocha não nasceu apenas entre notas, mas no espaço onde o som ainda não era som, onde os minerais apenas aguardavam a formação da sua estrutura cristalina. Em Lisboa, os dedos começaram a deslizar pelo violino como se fossem rios que escavam rochas, em busca de veios ocultos. Mas os veios de Maria não estavam aqui, não estavam nos continentes, estavam mais abaixo, nas profundezas da Terra, onde a pressão e o tempo criam cristais de beleza rara, e as cordas vibram não por toque humano, mas pela energia dos elementos.

Nas primeiras lições, o arco desenhou linhas invisíveis, e Maria sentiu desde cedo que a música era uma força geológica, tão vasta quanto o magma que molda montanhas, tão misteriosa quanto os segredos guardados em camadas subterrâneas. Estudou em Lisboa, na capital onde a Terra se encontra com o Atlântico, mas o seu coração olhava sempre para baixo, para Aveiro, Berlim e Belfast. Cada cidade não era apenas um lugar geográfico, era um novo veio mineral, uma nova forma de sentir o som.

Maria explorava as partituras como se fossem mapas de jazidas antigas, mas a sua alma ansiava por algo mais. E então, entre aulas e concertos, descobriu que o violino podia falar a linguagem do futuro. Um som ancestral, mas ao mesmo tempo inovador, começou a emergir do instrumento. As cordas não eram apenas cordas. Eram antenas que captavam frequências invisíveis, que ligavam Maria da Rocha às entranhas da Terra.

[Entre o Violino e o Buchla: O Diálogo Mineral]

Era inevitável. O violino, sempre tão orgânico, tão próximo da terra, um dia encontrou a electrónica. E nesse encontro, algo mágico aconteceu. Maria encontrou o Buchla, um sintetizador modular que não era apenas uma máquina, mas um mundo subterrâneo de possibilidades. As frequências electrónicas começaram a dançar com o arco, e o som que emergiu foi uma fusão de mundos — não o orgânico contra o digital, mas sim o humano abraçando o mineral, como se o violino e o Buchla fossem duas metades de um mesmo cristal lapidado.

A música deixava de ser linear. Tornava-se uma espiral, subindo e descendo, perdendo-se no tempo e no espaço. Maria era agora a condutora de uma sinfonia que transcende fronteiras. As frequências modulares do Buchla 200 cruzavam-se com as notas vivas do violino, cada som uma pincelada na grande tela mineral. O som movia-se através de um labirinto de ondas electrónicas, encontrando sempre o caminho de volta ao coração pulsante do violino.

[Improvisação entre Minerais: O Encontro com o Jazz e a Música Improvisada]

Na música improvisada, Maria encontrou o seu espaço natural. Ali não havia barreiras, apenas a liberdade de seguir o som onde quer que ele a levasse. A improvisação era o veículo perfeito para alguém que sentia a música como parte do tecido da Terra, como se cada nota fosse um cristal a formar-se no seu caminho. E foi assim que, com Luís Lopes, Norberto Lobo e Helena Espvall, Maria criou geodas sonoras que apenas existiam naquele momento, mas que ressoavam eternamente nos veios profundos da matéria.

Cada sessão de improviso era uma nova mina a ser explorada. Não havia mapa, não havia roteiro. Havia apenas o som, brotando, crescendo, ramificando-se. O violino e a electrónica tornavam-se minerais raros que se atraíam e repeliam, num jogo sísmico de forças invisíveis. A música não era mais uma linguagem, era uma escavação. Cada nota improvisada era um diamante recém-descoberto, cada silêncio entre elas, uma caverna oculta a ser desvendada.

Maria tornava-se uma exploradora, movendo-se entre os filões sonoros dos seus parceiros, mas sempre mantendo a sua própria rota. A improvisação era como navegar entre jazidas, onde cada música era um território inexplorado, cheio de surpresas e de texturas inauditas. Não havia nada de previsível — apenas a certeza de que o desconhecido estava escondido sob a superfície.

[Uma Compositora na Profundidade da Terra: Criação e Tese]

No vasto espaço entre a teoria e a prática, Maria da Rocha encontrou um equilíbrio raro. A criação musical para violino e electrónica não era para ela apenas um exercício académico, mas uma ferramenta que lhe permitia explorar as profundezas do som, como se estivesse a mapear camadas subterrâneas de minerais desconhecidos. Nos corredores da universidade, ela traçava rotas que a levavam para além dos limites da música contemporânea.

Cada tese que redigia era mais do que um texto, era um mapa mineralógico. A sua escrita, embora técnica, pulsava com a mesma energia que ressoava nas cordas do seu violino. Maria compreendia que a criação não se confinava ao palco, que a sua missão como compositora incluía também a reflexão profunda sobre o que significa fazer música no século XXI. Entre o violino e a electrónica, ela delineava uma nova linguagem, um novo mapa sonoro onde cada nota era um cristal raro num território sem fronteiras.

Os seus trabalhos académicos são, assim, portais que abrem galerias para futuros sonoros ainda por explorar. Cada tese é um documento que ressoa com a mesma profundidade que as suas composições, uma jornada que continua em cada performance, como um eco que atravessa as camadas do tempo e da matéria, deixando um rasto brilhante nas mentes daqueles que a seguem.



[A Sinfonia Eterna: Álbuns Como Pedras Preciosas]

Os álbuns de Maria da Rocha são mais do que registos sonoros; são minas inteiras, depósitos de um tesouro musical que se expande em direcções imprevisíveis. Em Beetroot & Other Stories e Nolastingname, ouvimos o entrelaçar de minerais raros e pedras brutas, sons que se formam e se desintegram, voltando ao estado puro apenas para renascerem sob novas formas. Cada faixa é uma escavação, cada nota um cristal a revelar-se.

Beetroot & Other Stories é um veio de quartzo onde as melodias se entrelaçam com texturas electrónicas, como partículas de mica a reflectirem a luz em superfícies polidas. Aqui, Maria permite que o som se espalhe sem limites, levando o ouvinte a territórios minerais desconhecidos, onde cada acorde parece insinuar novas descobertas. Em Nolastingname, Maria constrói um mundo de pedras preciosas em estado líquido, um universo onde o tempo não se mede, onde cada som ecoa para sempre nas profundezas da terra. As composições não têm início nem fim, são filões que se cruzam e ramificam, desafiando as noções tradicionais de música e harmonia.

Estes álbuns são monumentos cristalinos, geodos que brilham intensamente no panorama da música contemporânea. E, como as formações minerais, continuam a crescer, puxando-nos para dentro, levando-nos para além das fronteiras daquilo que conhecemos.

[Entre Palcos e Pedras: Maria em Performance]

Quando Maria da Rocha pisa um palco, a terra vibra. As cordas do violino tornam-se cinzéis que esculpem o ar, libertando fragmentos de som que atravessam os corpos dos ouvintes como lascas de obsidiana. A electrónica, sempre presente, não é apenas uma ferramenta, mas um conjunto de minerais sintéticos, polidos e vibrantes, que acompanham cada movimento, criando paisagens sonoras que não pertencem a este mundo.

Cada performance é uma expedição subterrânea. O palco é um depósito de pedras raras, e Maria uma mineradora que recolhe fragmentos de som e os devolve ao público em forma de harmonias lapidadas. Quando tocou com Benjamin Clementine, Sam the Kid, ou nos Coliseus e festivais, Maria era o diamante que brilhava no centro, irradiando energia. Não se tratava apenas de música, mas de criar uma atmosfera, uma nova profundidade, onde o tempo e o espaço se dissolvem, deixando apenas o som.

As suas performances são rituais telúricos, momentos em que o invisível se torna palpável, onde o público é transportado para outra realidade, guiado pelo som do violino e pelos circuitos electrónicos que vibram como pedras preciosas recém-descobertas.

[O Som de Viagens: Música para Filmes e Teatro]

Maria não é apenas uma compositora e intérprete, mas uma contadora de histórias. As suas colaborações no cinema e no teatro são mais do que bandas sonoras; são músicas lapidadas, mapas minerais que guiam personagens e espectadores através de terrenos desconhecidos. Em A Carta, de Mónica Calle, a sua música é o fio que liga o movimento dos corpos às camadas profundas da Terra, uma corrente de energia que atravessa o palco e o ecrã como um veio cristalino.

No filme Axilas, de José Fonseca e Costa, a sua interpretação como Maria Pia é mais do que uma actuação; é uma extensão do seu ser musical, uma personagem que vive nas vibrações sonoras que Maria cria. A música é tanto uma paisagem quanto uma personagem, movendo-se entre cenas como uma corrente subterrânea que dá vida e profundidade às imagens.

Cada banda sonora que Maria cria é uma ponte entre o visível e o invisível, uma forma de transportar os espectadores para realidades paralelas, onde o som se torna o elemento central da narrativa, guiando-os através de enredos sonoros que se desdobram como camadas de minerais raros.

[As Notas do Futuro: O Impacto e o Legado]

O futuro da música já pulsa nas cordas de Maria da Rocha. O impacto da sua obra não se limita ao presente, mas estende-se para além do horizonte, como um cristal que reflecte a luz para territórios inexplorados. A sua abordagem única à fusão do violino com a electrónica abriu novas galerias, novas possibilidades para aqueles que a seguem.

Mas o verdadeiro legado de Maria não está apenas nas notas que já tocou; está nas notas que ainda não foram ouvidas, nas frequências ocultas que aguardam ser extraídas das profundezas do som. Ela é uma exploradora que continua a abrir túneis e a expandir as fronteiras da música, e a sua influência continuará a ecoar nas próximas gerações de músicos e compositores.

No fim, compreendemos que Maria da Rocha é mais do que uma musicista; ela é uma visionária, uma lapidadora de som que constrói monumentos com cada nota. O seu legado não será apenas recordado; será sentido, ressoando para sempre nas veias invisíveis que ligam o presente ao futuro, o conhecido ao desconhecido, o humano ao mineral.

[As Cordas Invisíveis que Ligam a Terra ao Silêncio]

A música de Maria da Rocha não termina, porque não pode ser confinada aos limites do tempo. É um eco que atravessa camadas, dilatando-se em direcções que não podemos ver, mas que sentimos. O seu violino, tantas vezes ancorado na tradição, transforma-se numa ferramenta que escava nas profundezas minerais, viajando entre frequências humanas e subterrâneas. Ela já não é apenas uma violinista; é uma guardiã dos sons que nascem onde o som ainda não foi moldado.

Cada nota sua, entrelaçada com a electrónica, não é uma criação, mas uma descoberta, como se os acordes sempre tivessem estado enterrados, esperando que Maria os desenterrasse e lhes desse forma. A madeira do violino e os circuitos do sintetizador são duas faces da mesma pedra preciosa, duas linguagens que Maria fala com uma fluidez rara, como se a Terra e os seus minerais a tivessem escolhido para ser a voz dessas dimensões.

A sua obra, tanto nos palcos como nas gravações, não é apenas um reflexo do presente, mas uma projecção do que está por vir. Na música de Maria, o futuro já ressoa, e o passado encontra novas formas de existir. Cada peça, cada improviso, cada colaboração é uma ponte que ela constrói entre o humano e o telúrico, entre o mecânico e o orgânico, entre o finito e o eterno.

E assim, ao final deste ensaio, compreendemos que Maria da Rocha não pertence a um único tempo, nem a um único espaço. Ela é a viajante eterna, a que habita entre os minerais e o som, e que nos convida, ouvintes e criadores, a sermos parte dessa jornada infinita. No silêncio que resta quando a última nota se dissipa, sentimos o eco das cordas invisíveis que ligam as profundezas da Terra ao nosso próprio coração.


pub

Últimos da categoria: Ensaios

RBTV

Últimos artigos