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Fotografia: João Hasselberg
Publicado a: 12/07/2023

O jazz visto através da lente.

Márcia Lessa: “O segredo para ter uma boa fotografia é ouvir”

Fotografia: João Hasselberg
Publicado a: 12/07/2023

Numa breve conversa com Márcia Lessa, entre momentos de edição no hotel e saídas para fazer mais fotos — porque houve mesmo muita coisa a acontecer no Funchal Jazz —, procurámos saber um pouco mais sobre a exposição que ainda se pode ver durante mais um dia no átrio do belíssimo Teatro Municipal Baltazar Dias. A boa notícia é que da Madeira, esta selecção de fotos de Márcia Lessa que contam a história de uma relação de amor com o jazz viaja até ao norte para serem expostas no P.Artes, no Porto, a partir do próximo dia 21 de Setembro. De Pharoah Sanders a Brad Mehldau, de Marc Ribot a Maria João, são muitos os momentos eternizados pelo seu olhar que num expressivo jogo de contrastes a preto e branco parecem ter dentro tanto a música como o silêncio.

As noites mal-dormidas, as escolhas, os momentos e as emoções passam por esta pequena conversa em que Márcia até diz que também fotografa com os ouvidos.



De onde surgiu a ideia para montares esta exposição?

A ideia partiu do Paulo Barbosa, director do Funchal Jazz. Ele abordou-me e: “Tu tens alguma exposição montada?” Eu disse-lhe que não tinha nada preparado e ele: “Então pensa nisso, para trazeres aqui ao festival.” Pensei: “Grande pinta! Que fixe.” Fiquei muito feliz, porque já não expunha há alguns anos. Mas ele não me deu nenhum tema. “Há a cena do jazz, que está no contexto do festival, mas é o que tu quiseres”. Pensei um bocadinho sobre o assunto e achei que faria sentido, depois destes 22 anos a fotografar jazz, fazer uma espécie de retrospectiva e contar um bocadinho uma história, que é muito pessoal. São imagens de outras pessoas, mas cada uma daquelas fotografias marca um bocadinho fases diferentes da minha vida, com pessoas que me marcaram e me continuam a marcar. Foi esse o critério.

22 anos aqui resumidos em…

32 fotografias. É muito difícil.

É complicado, não é?

É horrível [risos].

Como é que foi esse processo de escolha?

Foi horrível, com muitas noites sem dormir [risos].

Fizeste a selecção a partir de provas de impressão?

Não. Eu tenho uma memória visual muito grande, muito forte. Eu sei muito bem o que é que eu tenho. Foi um exercício muito interessante abrir todos aqueles discos, voltar aos negativos. Eu já não via os negativos há uns anos e estava com medo do estado deles. Mas estavam impecáveis, o que foi óptimo. Depois foi assim uma espécie de trip down the memory lane… Lá está, é um trabalho muito pessoal. Cada imagem faz-me reviver coisas que vivi na altura em que as fiz. Comecei por ver e deixei isso para fazer durante a noite, que é quando tens paz, silêncio, o telefone não toca e os e-mails não entram. Fui vendo, vendo vendo… A partir, sei lá, da terceira noitada, pensei: “Ok. Vamos por aqui.” Mas havia algumas que eu sabia que tinham de entrar. A do Brad Mehldau tinha de entrar. Tinha de começar a exposição com ele. Foi graças àquele concerto que eu comecei a trabalhar profissionalmente, com retorno financeiro, em Guimarães, com o Guimarães Jazz. Embora eu já fotografasse muitos festivais só porque sim — juntava umas massas, comprava rolos, químicos, papeis e lá ia eu. Roubava o carro à minha mãe [risos]. Tinha 20 anos.

Todos passámos por isso. Ou por algo do género (risos).

Agora estou com 44, e olho para o lado, para os miúdos que têm agora essa idade e fico muito orgulhosa, sabes? Era um vício saudável. É um vício.

Antes esse, não é?

Pois.

Um dos chavões que se usa para se falar de jazz tem a ver com o ser a música do momento. Mas a fotografia é ainda mais a sublimação do momento. Tu quando estás a fotografar concertos — como aconteceu naquele caso, com aquela foto do Mehldau — tu sentes algo como: “Ok. Apanhei aqui uma cena especial” instantaneamente?

Às vezes sinto isso e depois percebo que é mentira. Acontece mais o contrário, que é não ter noção do que apanhei e só na edição é que percebo isso. Porque a edição é o prolongamento do acto fotográfico. Uma coisa não vive sem a outra. Pelo menos para mim, é o meu método. Às vezes saio do concerto a pensar que estava cansada ou… “Acho que não me correu muito bem.” Mas tu nunca sabes. Mesmo com máquina digital, tu podes ir vendo o que fazes, mas não percebes. Depois estou a editar e: “Uau! Como é que isto aconteceu? Fui eu que fiz?” Isso acontece e é muito giro. Quando fotografas é o único momento em que tu não vez, porque a cortina fecha. Na verdade, tu não vês o que fotografaste naquele instante.

Seja o que a luz quiser, não é?

Exacto [risos]. É mesmo isso.

Também já te aconteceu, certamente, suponho, artistas ficarem tão impressionados com a tua fotografia, o teu olhar sobre eles, ao ponto de te pedirem as fotos?

Já, já. A primeira que me vem à cabeça é a Katrine Madsen, que é uma das fotos que está na exposição. Passados anos de eu ter feito aquele concerto dela em Guimarães… Não sei, mas as fotos lá chegaram a ela. E eu recebo um mail dela a dizer: “Adoro esta imagem. Posso usar? Obrigada.” Ela agradeceu-me. Às vezes acontece.

Do que fizeste até agora nesta edição do Funchal Jazz, já sentiste algo como “esta aqui vai ter de ir para uma exposição futura?”

Ontem tive uma noite muito forte a esse nível. Estou tramada, porque fotografei imenso. É tudo tão bonito a determinada altura. Noutro dia disse isto já não sei a quem: o segredo para ter uma boa fotografia é ouvir.

Curioso.

Embora muitas das minhas fotografias retratem momentos de silêncio, o que acontece imenso com o que tenho nesta exposição. Grande parte daquelas imagens foram captadas quando não está nenhum som a sair do instrumento. Mas sim, ontem tive uma noite muito… Às vezes nem conseguia fotografar porque estava com os olhos cheios de água. Tinha o Bernardo [Moreira] e depois tinha a Samara [Joy], que eu acho que é uma pessoa especial. Além de ser uma cantora especial — e isso normalmente vive par a par. Se me dissesses há dois meses atrás que aquela noite ia acontecer, eu não acreditava. Que o Bernardo e a Samara vinham tocar, eu já sabia desde Novembro. Mas que eu ia cá estar e ia fotografá-los? Não estava à espera. Portanto foi um momento especial. E sei que tenho boas fotos.

Foi a primeira vez que fotografaste o Funchal Jazz?

Foi. Nunca tinha estado no festival sequer. E está a ser uma experiência absolutamente incrível, quer ao nível de trabalho fotográfico, quer ao nível da produção. Mesmo nos primeiros dias, com os miúdos lá em baixo, deu-me imenso gozo. E agora no Parque de Santa Catarina está a ser… Acho que só quando chegar a Lisboa é que vou perceber o que aconteceu, porque é muita coisa ao mesmo tempo [risos]. Mas sim, ontem foi uma noite especialíssima e sei que vou ter boas imagens.


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