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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 29/12/2025

Novo disco, novas cores.

L-ALI: “Quando termino um projeto gosto de pensar que o próximo já não será igual, não gosto de fazer ‘partes 2′”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 29/12/2025

Previsível é um adjetivo ambíguo. Por um lado, remete-nos para a rotina, para a repetição de padrões e para caixas que nos tiram imaginação. Por outro, algo previsível é algo seguro, fiável e que dificilmente nos desapontará. Quando já esperamos algo, não nos podemos desiludir. Parece-nos bom para um salário que queremos que caia na conta ao final do mês, para a viagem de carro ou transportes públicos que fazemos até casa, depois do trabalho, que esperamos que corra sem percalços. Mas e para um artista? Será uma característica desejada?

L-ALI parece não concordar. De disco para disco, a estética transforma-se, as canções evoluem, as temáticas diferem e a escrita surge mais afiada. A proposta que nos traz a música do rapper de Alfama permanece desafiante desde o SURREALISMO XPTO. Nunca previsível, mas sempre consistente naquilo que cria e na sua vontade de não permanecer em caixas, convidando os ouvintes a acompanhá-lo nesse êxodo.

Numa altura em que a sua carreira ultrapassa a década de existência, L-ALI volta ao formato de longa-duração com Nada Temas, Nada Temos a Perder, um disco onde o artista dá um salto de fé, arrisca e reflete sobre a vitória que existe no facto de não ter medo.



De álbum para álbum, vais-nos presenteando com sonoridades que são diferentes. Desde o teu primeiro trabalho, que pudemos escutar há 11 anos atrás, até este teu novo disco, a diferença é notória. Como é que acontece essa mutação de álbum para álbum? O que é que despoleta isso?

Sinceramente, é só a procura. Não penso “vou fazer um álbum com estas novidades”. Normalmente não curto fazer sempre as mesmas coisas. No início era um bocado mais monótono e acho que foi por ter sido tão ativo entre 2014 e 2016, precisamente no início, que rapidamente percebi que não podia estar a repetir trabalho.

E quando é que tu sabes, no meio dessa procura, que estás a iniciar o processo de um novo álbum? É algo intencional?

Neste caso foi intencional, no sentido em que eu andei a fazer EPs a torto e a direito nos últimos 10 anos. Já tinham passado 10 anos desde o meu primeiro e único álbum a solo [O Conto], tudo o resto foram EPs. Então forcei-me a fazer um longa-duração. Já sabia que queria um álbum e não uma coleção de músicas. Foi cavar, som atrás de som, até perceber a espinha do álbum e depois complementar.

Quando estás nesse processo, ouves mais música ou menos música?

Eu estou sempre a ouvir música. Não me faz confusão ouvir música enquanto faço música. As influências já estão cá, não é por ouvir menos durante o álbum que vou ser menos influenciado. Mas também não me vou forçar a ouvir mais música, não vou estar a procurar mais nem a fazê-lo, de certa forma, só por trabalho. Eu não me sento no estúdio para ouvir música, isso não faço. Ouço sempre em viagens, de um sítio para o outro, no fundo como já faria de forma natural.

Sentes diferença entre criar um EP e um álbum? Há mais peso, mais responsabilidade?

Depende. Já tive EPs que eram coleções de músicas sem uma espinha, e outros mais direcionados para uma estética, como é o caso do Balanço. Mas, para mim, um álbum tem peso. Por isso é que adiei tanto este. Um álbum tem que ter algo mais, um catch. Não pode ser só “toma 10 ou 15 músicas”, acho que tem que haver algo mais na sua concepção. Por isso, nesse sentido, acho que sim, acaba por ter um peso diferente. Tenho respeito pelo álbum. 

O teu processo vem mais de dentro para fora ou de fora para dentro?

Nos instrumentais posso ser mais influenciado pelo exterior, sou mais esponja. Mas na parte vocal e na escrita vem mesmo de dentro. Sempre. Na parte instrumental sou mais influenciado, claro, mas quando escrevo é sobre algo que sinto, por isso há menos influência exterior. E, para mim, o beat vem sempre antes da letra. Não sou um escritor, não vou escrever um livro, aquilo que estou a escrever está a ser escrito com o intuito de ser ouvido enquanto peça musical, por isso há esse equilíbrio entre as duas partes. Há esse “puxar” do instrumental para certos temas.

E o que nos podes contar sobre o conceito deste novo álbum?

Este álbum começou, essencialmente, como uma procura. Uma procura, um pouco, daquilo que este álbum iria ser dado o ponto em que me encontro na minha vida. É uma reflexão sobre estar feliz, sobre sentir que não perdi, mas ganhei por não ter medo e é um empurrão para as pessoas fazerem o que lhes apetece. Eu fiz este álbum mesmo porque me apeteceu, também. O mote é esse mesmo: arrisquem, façam. É um bocado como se fosse a Nike — just do it. Para mim, este disco é um salto de fé nesse sentido.

Isso liga muito com a capa do álbum. Estás literalmente a saltar, com o título escrito na sola do sapato. Como surgiu essa ideia e como é que a conseguiram executar?

Esta foto é mesmo real, é importante dizer. É uma boa história, na verdade. A foto foi tirada pela Joana Correia, em cima de um vidro temperado com para aí 11mm de espessura e a 1.70m do chão, mais coisa menos coisa. Por isso até a execução da capa do álbum teve um bocadinho dessa fé [risos]. Eu estava em cima daquele vidro, com a Joana a fotografar por baixo dele, sabendo que o vidro podia partir. Depois disseram-me que o vidro temperado não parte assim; primeiro estala todo como o vidro de um carro. Mas vai lá tu para 1.70m de distância do chão com essa informação e depois diz-me [risos]. Portanto, ya, a foto é real, não foi feita em software nenhum, aquilo é mesmo o céu real e o ângulo real. Grande shout out ao pai da Joana que também ajudou e testou o vidro antes.

Quando dizes “nada temos a perder”, falas no plural. É mais para ti ou para nós?

É para mim e para quem recebe a mensagem. É tipo um conselho: nada temos a perder, só vives uma vez. Não estou a discursar para a população, é uma conversa direta com o ouvinte.

Este álbum sai sem discográfica. Tendo em conta que já tiveste passagens por alguns selos como a Think Music ou a Superbad, achas que a experiência de ser artista independente te traz mais liberdade?

Eu sempre fiz a minha cena. Se estive em sítios foi porque esses sítios me permitiam fazer a minha cena. Nunca senti o peso de errar por estar com X ou Y. Acho que se estiveres com uma major, por exemplo, pode não dar para fazeres sempre aquilo que queres fazer. No meu caso, sempre senti que as pessoas que me quiseram na equipa sabiam o que eu fazia e curtiam o que eu fazia. Eu cheguei onde cheguei pelas decisões que fui tomando, por isso também não me fazia sentido trabalhar com alguém que, de repente, as quisesse tomar por mim.

A pergunta ia também um pouco no sentido da responsabilidade. Sentes diferença nesse campo?

Não necessariamente. Como disse antes, não tenho medo de errar por estar com X ou Y. O meu único barómetro é mesmo eu gostar da música e vê-la a ser lançada. Acho que se não fizer sentido para a “cor” em que estiver, nem sequer vai haver essa relação.

É justo dizer que, com as diferenças estéticas de projeto para projeto — basta comparar o Balanço com este novo álbum — já tivemos algumas eras do L-ALI. Nesse sentido, sentes que este álbum fecha um ciclo ou é o abrir de outro?

Ao vir do Balanço, que tocava mais na pista de dança, sabia que não ia querer ir tanto por aí neste disco. Com este álbum sinto que trago uma paleta maior de cores, não é tão centralizado numa estética ou intenção específica. Por isso, e um bocado nesse seguimento, diria que gosto de fechar eras. Quando termino um projeto gosto de pensar que o próximo já não será igual, não gosto de fazer “partes 2”, gosto de pensar em álbuns como fases de criação e, ao terminar, essa fase já foi ultrapassada.

No grande plano da tua carreira, como vês este álbum?

Este álbum é como se fosse uma afirmação de tudo aquilo que consigo fazer. Tem uma pitada daquele L-ALI mais escuro, tem uma pitada de música mais dançável, tem refrões… é uma boa mescla de tudo o que tenho feito até agora. É o trabalho em que tenho mais mão na produção e no qual investi mais: desde produção, a escrita e até ao aspeto monetário, já para não falar do aspeto visual. Pode-se dizer que foi o meu Olimpo.

Dado o investimento que mencionaste, o que podemos esperar a nível visual?

Não existe, para já, um suporte visual tradicional para o disco. Os visuals que têm saído são curtas de 40 segundos a 1 minuto que, se tudo correr bem, culminarão numa curta-metragem do álbum. 

E ao vivo, o que podemos esperar para este novo disco e quando é que o vamos poder escutar em cima de um palco?

Estou a trabalhar para fazer acontecer a apresentação ao vivo do álbum em Lisboa e no Porto, sendo que a de Lisboa é praticamente dado adquirido. Estou neste momento a mudar o meu live show todo, também senti que estava a precisar disso. Quero experimentar umas coisas novas e trazer umas novidades ao público, então estou também focado nisso antes de fechar datas. Mas estará para breve.


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