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Fotografia: Chris Strong
Publicado a: 25/07/2023

A música criada por mulheres e a riqueza rítmica africana em destaque na edição deste ano.

Jazz em Agosto’23: Madalena de Azeredo Perdigão, sempre o risco!

Fotografia: Chris Strong
Publicado a: 25/07/2023

Madalena de Azeredo Perdigão. A impossibilidade de começar de outra forma. Nome maior no apoio às artes em Portugal, nas suas diferentes manifestações e na respectiva divulgação. Nome que deveria ser escrito em letras maiúsculas, sempre! Uma relação intrínseca quanto fundamental para a construção do que hoje é a FC Gulbenkian. Directora do Serviço de Música (1958-74) e do Serviço ACARTE (1984-89), motivo para a recente exposição “Madalena de Azeredo Perdigão (1923-1989): vamos correr riscos“, a propósito do centenário do seu nascimento e que esteve patente, até recentemente, no Átrio da Biblioteca de Arte da Gulbenkian. Uma forma de fazer. Um exemplo que deve, e repetir sempre, ser seguido.

Numa ligação tão oportuna quanto feliz, o Jazz em Agosto 2023 não esquece um dos pilares fundamentais na consolidação de um dos festivais, e não somente na área do jazz e da música improvisada, que ano após anos consegue manter e revitalizar uma tão urgente quanto necessária “releitura crítica do cânone artístico, da interdisciplinaridade, da multiculturalidade.” Uma forma de fazer! Nesse sentido, a edição que terá lugar entre 27 de Julho e 6 de Agosto, nos já habitats naturais — Anfiteatro ao Ar Livre e Pequeno Auditório — dá destaque às mulheres e à exploração “da enorme riqueza rítmica africana.”

A impossibilidade de começar de outra forma — as mulheres. Eve Risser’s Red Desert Orchestra, a inaugurar a edição deste ano [27 Julho]. Após uma passagem a solo na última edição do OUT.FEST e ter editado Eurythmia (Clean Feed, 2022), apresentar-se-á numa formação com 13 elementos. Tendo por base o seu mais recente trabalho poder-se-á ouvir uma mistura entre as influências da música maliana, nos instrumentos utilizados, nas composições polirrítmicas e igualmente em construções que nos aproximarão de um estado de trance, sem nunca esquecer elementos de matriz tradicionalmente associados ao jazz. Uma noite que honra legado e promete.

Susana Santos Silva, a representante feminina portuguesa, a solo [29 Julho], num dos quatro concertos programados para a tarde dos dois fins-de-semana e dedicados exclusivamente a solos femininos. Susana Santos Silva, a residir há vários anos fora do país, mas com presença regular entre nós, como recentemente no Jazz no Parque – Serralves ou quando acompanhou Anthony Braxton no TBA – Lisboa, mostrará o seu mais recente disco – All the Birds and a Telephone Ringing (thanatosis, 2022).

Igualmente a solo, e no dia a seguir [30 de Julho] haverá a oportunidade de escutar Julia Reidy com a sua peculiar guitarra eléctrica de 12 cordas, suportada por uma matriz de base electrónica, entrecortada pela voz e remetendo para um universo mais etéreo e melodioso. À noite, e no mesmo dia, outro dos momentos mais aguardados desta edição: Hedvig Mollestad’s Ekhidna. Ekhidna como referência à “figura mitológica grega Ekhidna, metade mulher e metade serpente, em torno da qual desenvolve temáticas ligadas à maternidade e à dificuldade humana de viver em harmonia com a natureza.” Uma mistura entre o jazz e o rock, com uma formação que contará com Susana Santos Silva, entre outras instrumentistas.

Sobre Zoh Amba Trio [02 de Agosto]: Albert Ayler e Tennessee são conjugações improváveis. Para quem tem o primeiro como grande referência e as florestas do estado do sul, só pode ser música de peculiar e particular caminho. Adiciona-se o pequeno apontamento de que vem acompanhada de Luke Stewart e Chris Corsano, assíduos do nosso país. Recorrendo a sabedoria popular — as nossas amizades definem-nos.

Outro momento que se espera com ansiedade acrescida será protagonizado por Myra Melford’s Fire and Water [04 de Agosto]. Um quinteto constituído exclusivamente por músicas. Destacar qualquer uma delas é simplesmente redutor, mas vale a pena relembrar Tomeka Reid e o final do concerto do ano passado de Rob Mazurek. Ganhou um Grammy, mas qualquer prémio carece de importância — foi e é, a partir dessa noite de Verão, luz que ilumina descampado. E vê-se longe daqui.



Marta Warelis [05 de Agosto] estará noutro dos concertos a solo no Pequeno Auditório. Marta, o piano e um trajecto que se fará em volta de A Grain of Earth (Relative Pitch, 2022). Um título tão sugestivo, quanto poético e que, estamos em crer, será prenúncio para uma aproximação de um humano eu/humano nós. A solo, mas com diferentes elementos percussivos.

Teremos também a oportunidade de escutar Camille Émaille, [06 de Agosto]. Descobrir e entrar no universo muito particular da artista francesa – exercícios de improvisação, tendo por base diferentes micro objectos e uma relação com o espaço tão íntima, quanto ténue, no fundo a expressão do quotidiano.

Presença mais ou menos assídua no Jazz em Agosto é a de Mary Halvorson, ora como guitarrista “predilecta” de John Zorn ora como líder de quarteto. Na presente edição apresenta-se como Mary Halvorson’s Amaryllis, referência ao álbum editado o ano passado, Amaryllis. Amaryllis é uma suite de seis canções que conta, para lá da guitarrista nova iorquina, com Patricia Brennan (vibrafone), Nick Dunston (baixo), Tomas Fujiwara (bateria), Jacob Garchik (trombone) e Adam O’Farrill (trompete).

África é outro dos eixos a sustentar a programação da presente edição. África na compreensão das múltiplas diversidades sonoras, mas não exclusivamente. Entendida, também aqui, como um continente universal — a origem. Presenças regulares no nosso país, felizmente, são Natural Information Society, desta feita acompanhados por Evan Parker, saxofonista soprano com a agulha sempre bem afiada [29 de Julho]. O primeiro sábado à noite que não se pode perder. A música gnawa através do guimbri de Joshua Abrams. Marrocos, aqui ao lado, nossos vizinhos, porque o mar nunca foi distância. Acercar-nos. “A circularidade contínua quanto na liberdade solista em Natural Information Society” e a mestria de Evan Parker. Aconselha-se exercício de escuta atenta de Descension (Out Of Our Constrictions) (Eremite, 2021). O título é demasiado elucidativo.

Novamente Evan Parker, nome a repetir e a procurar em qualquer cartaz, desta vez com Trance Map + [28 Julho]. A cartografia de estados, que não políticos. A alma não é terrena. Do encontro entre o saxofonista inglês e Matthew Wright, que data de 2008, agora em formação alargada e em estreia mundial, com Hannah Marshall (violoncelo), Pat Thomas (eletrónica), Peter Evans (trompete) e Toma Gouband (percussão).

África e uma viagem de comboio continental. África partida e chegada. Ghosted [03 de Agosto], grupo constituido, por Oren Ambarchi, Johan Berthling e Andreas Werliin. A electrónica de Oren Ambarchi, noutro jardim que não o do Museu Nacional de Arte Antiga e as Noites de Verão, acompanhado de Johan Berthling (contrabaixo) e Andreas Werliin (bateria). Ritmo e circularidade, trance e hipnose. A procura dos fragmentos em imagens difusas. Recordações, memórias. O presente em permanente construção.

A representação nacional, para lá da citada Susana Santos Silva, ficará a cargo de João Lencastre Safe In Your Own World [31 Julho] e The Attic [01 de Agosto], referência mais que apropriada a um dos locais que tão bem tem acolhido o jazz e as linguagens experimentais em Lisboa — o sótão da SMUP, na Parede.

Por último, e como não poderia deixar de ser, a menção ao concerto de encerramento pela Gard Nilssen’s Supersonic Orchestra [06 Agosto]. Gigantes, gigantes, gigantes. A formação de 18 elementos, mas sobretudo a proposta que nos apresenta — a da liberdade individual num contexto de expressão colectiva.

Uma edição assente em dois sustentáculos programáticos fundamentais — as Mulheres e África. A música como contributo para uma análise mais profunda sobre estes dois “temas” é a concretização da natureza da própria música. O questionamento enquanto método e o risco como acção são legado que jamais poderá ser esquecido. Jazz em Agosto 2023, que comece em breve.


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