pub

Fotografia: Ana Viotti
Publicado a: 12/11/2021

Em complexas medições.

Anthony Braxton Diamond Curtain Wall Trio no TBA: réplicas de um impacto maior

Fotografia: Ana Viotti
Publicado a: 12/11/2021

A sucessão dos dias sobre os dias é certeza inabalável. Outra, pelo menos desde putos, é transportar nas mochilas os objectos mais estranhos. Por estes dias, seria interessante verificar se cada um dos espectadores que foi assistir ao concerto de Anthony Braxton (Teatro do Bairro Alto, Lisboa, 9 de Novembro) carrega com ele um extensómetro, objecto particularmente útil se se pretender medir o impacto do momento e a deformação que o mesmo causa em determinado corpo. Será monitorização conveniente e recomendável pelo menos ao levantar e ao deitar, porque outra das certezas inabaláveis é que um concerto de Braxton deixa mossa — mas mossa benéfica.

Fazer referência somente a Braxton é enviesamento desnecessário porque esteve sempre e muito bem acompanhado por Susana Santos Silva e Adam Matlock. Aplicar outros métodos poderá ser vantajoso, nomeadamente o comprimento da fila ao entrar e as conversas que se vão prolongado no final, reforçando a ideia que um Teatro é lugar de encontros, matéria muitas vezes esquecida na definição das políticas culturais de uma cidade.

Na caixa negra, o trio – Diamond Curtain Wall, que já contou com diversas formações: Taylor Ho Bynum, Ingrid Laubrock, Mary Halvorson, por exemplo — ocupa uma pequena parte do palco, criando uma proximidade com a plateia, que é, neste caso, mais do que desejável. Anthony Braxton – sopranino, soprano e saxofone alto/electrónicas –, Adam Matlock – acordeão e voz –, Susana Santos Silva – trompete. Braxton começa por se dirigir para o computador, rato na mão e programa a funcionar. Software com o muito acertado nome SuperCollider. A pauta em frente e dedos a formar um círculo. Mensagem para os músicos e para os espectadores. Prontos para o impacto? Aqui vamos.

Como génio que é, Braxton aplica a essência dos conceitos e não-sucedâneos adulterados. A colisão não advém de uma massa sonora indistinta, de volumes ou velocidade no máximo. Vai-se tecendo a teia meticulosamente, com diálogos ora sibilinos ora cristalinos, mas onde há espaço para cada um afirmar a sua voz, seja em simultâneo, a solo ou num diálogo a dois. Avança-se e recua-se, apresenta-se uma direcção e opta-se por outro caminho. Não é jogo fútil, é saber amassar. É compreender que um mesmo tema, já previamente composto e tocado pelos mesmos músicos, pode ter novas leituras, desdobrar–se e ganhar um outro corpo ao longo do processo. É trabalhar o detalhe, é compreender que cada nota pode ser decomposta e recomposta seguindo novos preceitos.

Braxton dirige o trio, mas fá-lo mais como se fosse um condutor. Susana também, o que só a confirma como uma das mais brilhantes trompetistas da sua geração, e Adam Matlock, em objecto pouco familiar nestes contextos e não tão cativante assim como é o acordeão, mas que de forma parcimoniosa e acompanhado por interjeições vocais mais do que certeiras encaixa na perfeição. E subitamente — fade out. Termina o concerto. Braxton pelo que fez, mas sobretudo pelo que ainda continua a fazer – pode. E se pode.

pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos