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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/12/2022

A arma secreta em muitos dos hits mais recentes da música portuguesa.

Janga: “Estar numa sessão de produção ensina-te muito”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/12/2022

O que têm Phoenix RDC, Anselmo Ralph, David Bruno ou Ivandro em comum? Todos eles são nomes vincados no panorama musical português e, este ano, lançaram música em que há um elemento em comum que se destaca: José Pedro, mais conhecido por Janga, é o engenheiro de som transversal a todos esses artistas.

Nascido e criado no Porto, estabeleceu contactos em Mem Martins através de Migz e não demorou muito até que os “pontas-de-lança” da zona começassem a integrá-lo nas suas equipas. Deixou a sua marca em Renascimento (Landim), Sabi Na Sabura (Julinho KSD), MEIA RIBA KALXA (de Tristany) ou Tristianismo (de Trista) e é ainda um colaborador próximo de Bispo e Ivandro, tendo ajudado este último a fechar “Lua”, a canção portuguesa mais escutada no Spotify em 2022. Cálculo, Allen Halloween, Mirai ou SYRO são mais alguns dos artistas que têm requisitado os seus serviços nos últimos anos.

Em conversa com o Rimas e Batidas, Janga explica como a engenharia social é tão importante quanto a do som neste tipo de relações laborais e aborda os vários papéis que tem desempenhado ao lado de várias das vozes mais sonantes do nosso país.



A julgar pela malta com quem andavas a trabalhar com maior frequência, achei que te ia conseguir entrevistar presencialmente, em Mem Martins. Afinal não [risos].

Não [risos]. Comecei a ir para Mem Martins muito cedo, mas nunca saí em definitivo do Porto, na realidade. Vou aí para estar com o pessoal. Estou aqui, ainda. Não sei por quanto tempo [risos].

Eu lembro-me de, a dado momento, o teu nome começar a surgir numa série de novos trabalhos que eu tenho acompanhado, mas pouco sei sobre ti. Como é que vens dar a esta área, tão específica da música, que é a mistura e masterização?

Eu já fazia umas gravações por aqui, de pessoal maioritariamente do hip hop até. Malta aqui da zona. Cheguei a fazer para uma banda de rock ou outra. Esse gosto levou-me a tirar um curso na Restart — creio que foi logo na primeira turma que abriu no Porto. Alguns professores gostaram de mim e levaram-me para a parte do som ao vivo, que era algo que eu não fazia até essa data. O som ao vivo deu-me a capacidade de me deslocar para certos sítios, de falar com as pessoas pessoalmente. Nessa altura, foi o Migz — que conheço daqui, de Santo Tirso, mas que estava a morar em Mem Martins — que me rodou um bocado por aí. Fui conhecendo o pessoal daí, a trabalhar e a dar-me com as pessoas. O Ariel — que tem trabalhado com o Migz — também é daqui de cima e eu já o conhecia de outros projectos. Vão-se estabelecendo pontes. Entretanto começo a trabalhar, também, com o SYRO. Foi essa cena, de trabalhar nos concertos, que me permitiu estar com as pessoas, de as conhecer e poder falar com elas. Acho que é importante.

Ajudou-te, também, a teres uma outra noção daquilo que é o som.

Sim. A parte técnica ajuda. Mas, na minha cabeça, tenho de saber distinguir muito bem quando estou em estúdio e quando estou a trabalhar em som ao vivo. Inicialmente, lembro-me de cometer o erro de procurar som de disco ao vivo e foi complicado [risos]. Não vais conseguir replicar aquele som de um pavilhão, com um reverb enorme, vários músicos a tocar ao mesmo tempo… Não dá para comparar. Dá para aprender muita coisa, principalmente o lidar com as pessoas. Tu tens de lidar com as pessoas directamente e no momento. Não vais poder criar conflitos com ninguém. As pessoas têm de gostar de andar contigo. Isso também é muito importante. Porque vida na estrada… Tu vais com as pessoas, dormes com as pessoas, estás com elas durante uma ou duas semanas de seguida. Se tiver duas pessoas para escolher — um é bom executante, mas não assim tão fixe de se estar; o outro é um executante médio, mas que é bom de se estar —, eu vou optar pelo executante médio. Ele vai cumprir e ainda ajuda a que o resto melhore.

Há mais algo que faças dentro da música? Não sei se também captas e produzes, ou se tocas algum instrumento.

O meu interesse despertou naquela altura dos soundsystems de reggae. “Soundsystems” [risos]. Éramos DJs de reggae. Eu comecei por aí. Depois interessei-me mais pela parte electrónica e da engenharia de som. Cheguei a querer construir o meu soundsystem, mas acabou por nunca acontecer. Nessa altura gravava muita malta. Cheguei a fazer uns beats, mas não tinha jeito nem era de todo o que eu gostava [risos]. Acabei por conhecer malta do hip hop, que sempre gravei. Ainda hoje gravo, mas cada vez menos. Até pelo facto de a maior parte da malta estar em Lisboa. Mas continuo a gravar pessoas aqui. Tens o exemplo do Gama WNTD — quase todas as músicas dele foram gravadas aqui. A “Borboletas“, no início da pandemia, ainda foi gravada por baixo da minha casa, num estúdio improvisado. Vou fazendo gravações, alguma pós-produção — pouca, porque não é a minha área — e trabalho em som ao vivo com muita gente. Este ano houve um défice de técnicos de som ao vivo, por causa da pandemia. Acabei por trabalhar muito. Neste momento estou com seis bandas ao vivo — fixas. Ou mais. Eu nunca quis ir só para o estúdio nem só para som ao vivo. Gosto de fazer os dois. Foi tudo muito orgânico. Eu comecei por estudar Engenharia de Polímeros [risos]. Foi até perceber que não ia seguir isso e decidi ir tirar um curso de Técnico de Som.

Lembras-te de quando foi a primeira vez que foste chamado para fazer a mistura/masterização de uma música?

Algo que, na altura, eu senti que já era mais sério foi quando fiz a mix e master da música do Fumaxa com o Chyna, a “Active Boys“. Foi um trabalho para o qual me senti bastante confortável, feito para malta que estava fora do meu círculo daqui. Depois as coisas foram surgindo.

E de um álbum inteiro?

Eu fiz muitos, mas, na realidade, não sei qual é o primeiro. Havia uma altura em que não bastava o pessoal lançar uma faixa solta, tinha de ser logo uma mixtape, de 15 ou 16 faixas. Fiz umas quantas dessas, com a malta aqui da zona. Acho que a maior parte deles já nem faz música. Mas fiz umas quantas dessas. Se calhar, não tão a sério. Os outros, muitas vezes ia surgindo: “faz-me uma música”. Depois já eram duas, depois três. Às tantas, dás por ela e aquilo já é um álbum. Ou seja, nunca olhei para aquele processo como sendo para um álbum. Talvez com o SYRO. Ele até já tinha umas três ou quatro músicas que não tinha sido eu a masterizar e disse-me mesmo, “quero pegar nestas oito músicas e fechá-las contigo”. Aí eu sabia que era um álbum. Ter essa sensação, de que estou a ir a estúdio porque dali vai sair um álbum, acontece por acaso.

Houve algum convite que te tenha surpreendido mais? Talvez numa altura em que ainda não tinhas colaborado com tantos nomes sonantes.

Fico muito contente por quase todas as pessoas que me chamam. Sou-te sincero: tenho tido alguma sorte nesse sentido. O David Bruno, por exemplo, houve uma altura em que ele fazia as coisas sozinho. Eu já estava a trabalhar com ele em som ao vivo e ele era um auto-didacta — e continua a ser; ele faz tudo, no fundo — na parte das gravações. Houve um dia em que ele me diz, “gostava que me ajudasses a misturar ou a fazeres os masters para as minhas misturas”. Fiquei contente, porque senti reconhecimento de uma pessoa que eu acho já faz tudo muito bem sozinho. Há muitos artistas que acabo por… olha, o SYRO: sei que aconteceu através do Ariel, que me perguntou, “queres experimentar misturar uma música?” E eu, “olha, manda! Eu faço, sem compromisso nenhum”. Surgiu. Isso aconteceu algumas vezes, o “manda-me a música que eu faço-te isso sem compromisso. Se não gostares, amigos na mesma”. Acabei por conquistar algumas coisas assim. A primeira vez que misturei para o Anselmo Ralph… É um nome pelo qual tenho uma grande consideração, por tudo e mais alguma coisa. Aí vieram ter comigo e eu senti-me bastante lisonjeado nesse sentido.

E lembras-te de algum que tenha sido mais desafiante? Imagino que fechar um som para o Phoenix RDC não tenha nada a ver do que fechar um para o Tristany, por exemplo.

A cena do Tristany, sem dúvida. Eu lembro-me de, na altura, ele vir ter comigo e eu ter de desligar o chip. Aquilo é dele. Não havia aquela coisa do “vai ouvir este disco para teres uma ideia”. Porque não há [risos]. Aquilo é dele. Ponto. Eram as ideias dele e eu tentava ao máximo… Foi desafiante. Há cenas com muito reverb, em que se torna difícil perceber o que ele está a dizer. O meu trabalho é ter de deixar aquilo muito perceptível no meio daquela envolvência toda. O mesmo com o David Bruno. A sonoridade dele é simples mas não é fácil. Ele tem aquilo tudo na cabeça dele e sabe exactamente o que quer, a sonoridade dos samples e tudo. É a cena do “não mexas muito porque já está bem”. Algum do trap que me aparece é desafiante. Eu associo isso um bocado a malta mais jovem. Uns ouvem trap brasileiro, outros trap espanhol, outros americano… Apesar de aquilo poder parecer muito próximo, às vezes são coisas completamente diferentes. Às vezes têm de me dar a referência. “Queria que fosse mais parecido com isto”. Desligo e volto a desligar noutro chip. Hoje é mais frequente receber as coisas e saber para onde tenho de ir. Acerto mais vezes. Claro que há sempre a estética do artista, mas acho que tenho conseguido aquilo que me pedem.



Esses trabalhos, de mix e master, são coisas que acontecem mais à distância, ou costumas ter a oportunidade de espreitar certos momentos da produção para teres uma ideia mais clara do rumo que aquilo vai tomar?

Estar numa sessão de produção ensina-te muito. É malta que está sempre a pesquisar cenas novas para fazer e a criar sonoridades. As sonoridade são criadas nas produções, mais do que numa mistura. Ou seja, é bom estar aí. Infelizmente, não consigo estar tantas vezes como gostava. Até porque, hoje em dia, é “‘bora ali fazer uma música”. Não há aquela coisa do “vou estar aqui uma semana”. Há um ou outro camp assim, mas o método de trabalho é, de certa forma, mais individualizado. Vai ter com um produtor e faz, vai ter com outro e faz. Não é tão fácil de se acompanhar. Tenho tido a oportunidade de estar nos Dynamic Studios do D’ay, onde o Ivandro grava as coisas dele. Aí consigo acompanhar algumas coisas, quando lá vou. Mas não tanto como gostava, na realidade.

Se calhar, nem há uns 10 anos, ainda se falava muito de que a música portuguesa não soava tão bem como a música que vinha lá de fora. Ainda notas que existe alguma discrepância entre as edições nacionais e internacionais?

Noutro dia, por acaso, estava a pensar nisso. Em porque é que nós ficámos assim tão atrasados nessa área da engenharia do som. Talvez seja porque a nossa raiz não seja amplificada. O fado era natural e eu acredito que possa ter vindo daí. Demorámos a amplificar os sons. Acho que, hoje em dia, a diferença é menor. Mas há muita gente lá fora a fazer isso em condições. Nós também melhorámos, como é óbvio. Mas, hoje em dia, qualquer pessoa compra uma placa e um microfone e está a fazer música em casa. O hit do próximo ano pode ser de um gajo qualquer, sem grandes condições, sem grandes conhecimentos. Lá fora, acho que é mais fácil uma editora ou uma agência agarrar em alguém. Não acho que seja uma questão de termos falta de conhecimento ou de não sermos capazes, acho que é uma questão de mercado. O nosso país é muito pequeno. Lá fora, eu vejo que um artista menos conhecido consegue fazer uma carreira à vontade. Aqui, um artista mediano vai ter que, se calhar, ter um outro trabalho qualquer. É um bocado difícil de comparar essa parte, até por causa do nível de investimento, tanto monetário como de tempo. Mas eu acho que, cada vez mais, temos melhores engenheiros em Portugal. Engenheiros e produtores. Porque vem muito daí, da parte da produção, para as músicas serem boas e te soarem mais altas. Isso vem da parte da produção. O que não faltam é nomes a fazer trabalhos excelentes.

Percebi que também estavas ligado à Metralha.

Sim. Eu estou ligado à Metralha Music Sessions, que é uma associação que deriva da marca de roupa. Mas eu não tenho nada a ver com a marca de roupa. Sou amigo do dono. Houve uma altura em que ele, “gostava de fazer uns eventos de caridade”. Fazia sentido e criámos uma associação, da qual sou co-fundador. Mas gosto da roupa e apoio, porque é uma marca portuguesa e é de um amigo meu. Em vez de ir comprar a outro sítio qualquer, vou comprar-lhe a ele. A minha parte está só ligada à Metralha Music. Chegámos a fazer dois eventos. Soube noutro dia que fizemos o primeiro concerto do Ivandro. Era ele com o Frankie a tocar guitarra. Parámos por causa da pandemia. Íamos fazer uma terceira edição, em Lisboa. Estamos a ver e a pensar na forma de fazer esses eventos.

Essas duas edições tinham decorrido onde?

Fizemos Porto e Braga. A ideia era fazermos uma terceira, no final daquele ano, em Lisboa. Não conseguimos e adiámos para o início do ano a seguir, que foi quando entrou o COVID. Com os meios que tínhamos, era impossível. Gostávamos de fazer uma coisa pequena, mas que tenha algum impacto. Não valia a pena. Entretanto acabou o COVID, só que eu fiquei com imenso trabalho. Tive muitos, muitos concertos este ano. Havia eventos em todo o lado. Falámos e chegámos à conclusão de que, “não valia a pena nos estarmos a meter aqui. Para fazer bem feito, vamos esperar”. Agora já estamos outras vez em reuniões para tentar fazer, nem que seja noutros moldes. O COVID também trouxe isso, do pensarmos em maneiras diferentes de fazer eventos. Há-de ser por aí.

Do que eu percebi, esses eventos permitem-vos gerar fundos para doar a instituições de caridade.

Exactamente. O objectivo final é maior do que isso. Mas, neste momento, o trabalho é o de angariar fundos e dar esses fundos a uma associação com a qual nos identificamos. Nos primeiros dois eventos demos o dinheiro à Acreditar, que ajuda pais de pessoas com cancro que estejam em dificuldades. Não quer dizer que vamos doar sempre àquela associação. Para já, fez sentido. Também estamos a trabalhar para criar uma outra parte, ligada à caridade, que vai servir para ajudar outros artistas. Artistas no geral. Não apenas músicos. Qualquer tipo de artista. Queremos criar meios — de publicidade, exposição. Não são apoios obrigatoriamente monetários. É criar outro tipo de meios para a entreajuda. Só que isso demora algum tempo para acontecer. Queremos fazer bem feito e leva o seu tempo.

Fora da música, trabalhas no som ligado a outras áreas? Já me tinha questionado se não terias feito anúncios, por exemplo.

Já fiz algumas coisas assim mais fora. Há três meses estive em Barcelona a fazer um evento de farmácias [risos]. Eram umas palestras e, na realidade, a nível técnico, era muito pouco. Eram dois microfones [risos]. “‘Bora lá uma semana para Barcelona fazer isso”. Percebi que há falta de técnicos em todo o lado. Então os espanhóis estão a vir buscar a Portugal. Houve uma altura em que fiz uma publicidade. Acho que isso veio do Ariel, não me lembro. Já nem sei para o que era. Mas era uma campanha que tinha o Nuno Gomes a cantar [risos]. Só me lembro disso. Não me lembro ao certo qual era a campanha. Já fiz umas quantas. Já fiz para a Metralha, por exemplo, que creio que também foi numa produção do Ariel. Uma vez criei um som de um alarme. Um som de três ou quatro segundos para uma cena de alarmes que precisava de um som específico quando apitava [risos]. Às vezes surgem umas coisas mais fora-da-caixa [risos].

Já percebi que o teu 2022 foi cheio de trabalho. Para 2023, tens algumas perspectivas? Como é que anda o teu calendário?

Já tenho algumas coisas marcadas e, normalmente, nem costumo ter as coisas marcadas com tanta antecedência. Tenho umas quantas. Estou a fazer o som ao vivo do Ivandro e, felizmente, está a correr tudo bem. Também estou com o Bispo, que tem sempre muitas datas todos os anos. Saiu ontem o calendário do David Bruno, que já tem uma série de datas marcadas e outras previstas. Também tenho estado a acompanhar o Chico da Tina desde o ano passado. Do Julinho também já tenho algumas coisas marcadas. Tenho a sorte de estar a trabalhar com artistas que tocam bastante. Acredito que o próximo ano também vai ser cheio, a nível de concertos. Estamos a usar este fim de ano e o início do próximo para preparar a tour de 2023.

Muito som ao vivo. A nível de lançamentos, vamos ter discos com o teu nome nos créditos em 2023?

Essas coisas acontecem muito a curto prazo. A minha agenda está, normalmente, marcada para um mês. Às vezes penso que vai acalmar, outras fico preocupado em se vou ter trabalho. Ou se, de repente, cai outra vez tudo. E eu agora estou a trabalhar em músicas que, se calhar, só saem mais para o meio do ano que vem. Algumas nem saem [risos]. Também acontece. É sempre um bocado difícil de prever, mas acredito que o nome vai aparecer.


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