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Fotografia: Inês Condeço
Publicado a: 05/11/2023

A luta continua, dentro e fora da pista.

Jameson Urban Routes’23 — Sessão #5: dançar ao som de sintetizadores (e ruído)

Fotografia: Inês Condeço
Publicado a: 05/11/2023

A última noite do regressado Jameson Urban Routes ficou marcada por duas coisas. Número um, pela quantidade de vestimentas pretas por metro quadrado — afinal, era noite de dança, sintetizadores, música de base estética gótica. Número dois, pela falta de público face às duas sessões anteriores. Se o Musicbox ficou pelas costuras na primeira (encabeçada por Ana Frango Elétrico) e segunda noite (encabeçada por Lord Apex), a terceira — encabeçada pelos portugueses Conferência Inferno — ficou-se por apenas pouco mais de meia sala. Mais parecia uma noite normal de Musicbox do que o dia derradeiro do regressado festival outonal.

Levanta-se então o véu da pergunta: porquê? A resposta, certamente, complicada será. Os fatores serão vários. Mas não deverá ser coincidência que o dia que vendeu menos dos três fosse o dia encabeçado por uma banda portuguesa. Acima de tudo, uma banda que não é de Lisboa (os membros do Conferência Inferno são de locais diferentes do país, mas a banda encontra-se intimamente ligada à cidade do Porto). 

Quem veio ao Musicbox neste sábado (4), veio para dançar. Quem não veio, terá as ruas razões, mas é desconcertante visualizar, mais uma vez, o fraco apoio que a música portuguesa tem do seu próprio público quando é elevada a “estrela do show”. Qualidade, de certeza, não é o problema. Promoção também não o foi. Pode ter havido outros eventos a ocorrer ao mesmo tempo — veio-nos à cabeça, por exemplo, o concerto de Samuel Úria e Benjamim no Teatro Maris de Matos —, mas nem isso parece justificar a falta de adesão a esta última noite de festa no Musicbox. 

O que tiramos daqui, portanto? Além dos bons concertos — e já lá vamos —, o lembrete que continua a ser necessário mais espaço para pensar sobre como valorizar a música feita em Portugal. De como se pode estimular a movimentação de públicos quando falamos de concertos de bandas em sítios de onde não são originárias. Se estivéssemos a falar de uma banda de Lisboa ir tocar ao Maus Hábitos, possivelmente estaríamos a ter uma conversa semelhante. Muito sumo aqui para refletir…

Posto isto, falemos dos concertos. Chegámos ao Musicbox já depois de Azu Tiwaline ter tocado, mas antes dos Dame Area iniciarem o seu set. O duo originário de Barcelona formado por Silvia Kostance e Viktor L. Crux não deu tréguas. Quem não conhecia, ficou com vontade de conhecer. Quem já conhecia — e avistámos algumas t-shirts da banda presentes na crowd —, teve o prazer da catarse total.

A música dos Dame Area soa a Suicide, Föllakzoid, New Order, Boy Harsher, veia feminista e punk de umas Le Tigre a pulsar também. Se este cocktail parece tentador, é porque provavelmente o é. É música de dança barulhenta e tribal, minimalista em construção, pujante em ritmo. Pede muita dança, comunhão, libertação. O público presente obedeceu. Deu amor, recebeu amor. Foi um enorme concerto. Agora, o trabalho de casa: escutar a música de Dame Area com atenção e bailar mais um bocadinho.



A fechar a noite, os Conferência Inferno. Francisco Lima, ao centro, voz e baixo, Raul Mendiratta (à direita de “Kiko”) e José Miguel Silva (à esquerda do vocalista), sintetizadores, vieram ao festival outonal e a Lisboa apresentarem o seu excelente novo disco, Pós-Esmeralda, editado no passado dia 13 de outubro pela Lovers & Lollypops e revisto por cá sob a forma de uma entrevista conduzida por Maria Carvalho.

Pós-Esmeralda foi tocado na íntegra e na sua sequência. Começaram com “Mayday”, concluíram com a comunhão “Distopia”, mas não sem antes tocarem os bangers anteriores — “Sina”, “Ausente” e “Apocalipse”, a fechar o concerto com muito êxtase e dança. Assim deve ser. Antes disso, a eloquência. Os sintetizadores. O berrar. Mesmo que o Musicbox estivesse só decentemente composto, eram suficientes. Os fãs de Conferência Inferno acérrimos vieram fizeram a festa.

Os Conferência Inferno fazem música combativa. São punk, mas constroem cantigas de synthpop dissonante e dançável — e às vezes bem orelhudas (olá “Cowboy Bêbado”) — perdidas entre uns New Order, LCD Soundsystem, Heróis do Mar, Independança dos GNR. A sua música é urgente, inspirada por um Porto morto, parado, pelas vivências noturnas e pessoais dos seus membros, por saúde mental, (de)pressões, ansiedades. Não substituem ansiolíticos, mas oferecem um lugar de conforto àqueles que se revêm nas letras de Francisco. Às vezes, não é preciso mais que isso.

Neste momento, dado as canções de Pós-Esmeralda já levarem um bom tempo de estrada — começaram a ser tocadas ainda durante as primeiras apresentações de Ata Saturna —, os Conferência são uma máquina bem oleada em palco. Divertem-se, libertam-se, querem sentir-se em comunhão com o público. Desejado e conseguido. “Pigmento”, faixa que menos rodou durante esses concertos, foi um dos pontos altos da noite, a sua mistura de lírica romântica a desconstruir-se lentamente em jam dançável, baixo à mistura (face a Ata Saturna, as canções de Pós-Esmeralda têm o instrumento muito mais presente).

Quando a dança do “Apocalipse” se deu por concluída, suor, fluídos e cervejas espalhados pelo chão peganhento, outro apocalipse veio-nos à cabeça. Aquele que estamos a viver. O do genocídio palestiniano a decorrer à frente dos nossos olhos pelo sionismo, o das alterações climáticas, o do racismo crescente e o da manutenção do racismo estrutural, o da ascensão do fascismo encapuçado e menos encapuçado. No centro da comunhão deste sábado no ‘Box, isso também esteve presente. O combate nas ruas, do carinho um pelo outro, continua. Não fiquemos apenas pela pista de dança.


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