Segunda noite de Jameson Urban Routes’23 equivale a mais duas sessões de espectáculos em diferentes modalidades, dos concertos ao clubbing. Numa lotação estilo “vai e vem”, ganhou quem aguentou mais tempo para apreciar os artistas que passaram ontem, 3 de Novembro, pelo Musicbox.
Lord Apex trocou-nos as voltas. O encontro com o MC inglês para uma entrevista (brevemente publicada por estas bandas) sofreu alterações de última hora e foi por um triz que não perdemos aquela que era a primeira actuação de Marianne num clube lisboeta. Apanhámos o artista com quem estivemos recentemente à conversa já na recta final da sua actuação, mas chegámos a tempo de ainda o ver ao leme de um teclado Yamaha, exibindo todos os dotes que coleccionou ao longo da sua formação musical. “Verde” no que toca à comunicação com o público, fez-se valer, acima de tudo, pelo notório poder vocal que detém, capaz de interpretar faixas com uma colocação idêntica àquilo que temos conseguido escutar nas versões de estúdio. Entre temas de Tirésias e Mémoires, brindou-nos ainda com uma faixa inédita e bem interessante que resultou da colaboração com Filipe Sambado e Diana XL que revelou durante a conversa que teve com o Rimas e Batidas. Perante uma casa a meio gás e a mostrar pouco entusiasmo, guardou “Paris” para o fim do alinhamento, tema que provocou maiores reações por parte do público.
— Gonçalo Oliveira
Após a pausa para a troca de material em palco, um DJ surgiu em cena para mixar de forma exemplar faixas que iam do afrobeats ao hip hop. Durante pouco mais de 10 minutos, aqueceu as poucas pessoas que estavam pelo Musicbox para a entrada de Cíntia, uma das MCs mais promissoras do panorama nacional. A artista de Loures, no entanto, não se fez apresentar sozinha ao microfone, tendo contado com a companhia de Lukky Boy para a interpretação dos vários singles que tem coleccionado, bem como algumas das canções que figuram no seu projecto de estreia, Gyals And Gyals. Mais confortável a interagir com as massas do que o seu antecessor, nem mesmo assim Cíntia conseguiu arrancar grandes reações por parte da massa adepta, à excepção de uma frontline com perto de uma dezena de cabeças que se mostravam completamente conhecedoras da sua obra. Infelizmente sofreu com alguns problemas técnicos, mas procurou ignorá-los em prol da fluidez do espectáculo, entregando faixas como “Shooters”, “Savana” ou “Na Via” aos presentes. Pelo meio, interpretou “Game Over” em conjunto com Lukky Boy e deixou o colega cantar uma das suas tracks a solo para sentir o pulso à coisa. Como seria de esperar, deixou a “Grana” para o final, despedindo-se do Jameson Urban Routes com a moral bem lá em cima.
— Gonçalo Oliveira
Lord Apex é um gajo especial. Não há outra forma de dizê-lo. E essa conclusão primária resulta não só do concerto que o londrino haveria de dar no Musicbox, no segundo dia do Jameson Urban Routes, claro, mas sobretudo pela forma como nos receberia, minutos antes de subir a palco, no lobby do Hotel Real Palácio, à Rua Tomás Ribeiro, onde estava hospedado. Ou até mesmo antes, ainda durante o sound check, a testar “Speak For Yourself”, tema do terceiro volume das suas Smoke Sessions, documentado em filme nas ruas de Paris (com a voz de Serge Gainsbourg a contribuir para essa ambiance parisiense), e gravado sobre a angelical voz chopada de Minako Yoshida, cantora e compositora nascida no Japão, país por onde o rapper britânico andou em digressão há um par de meses — e pelo qual sentiu um fascínio dez vezes superior ao das suas expectativas, confessar-nos-ia debaixo de luzes ténues, numa sala de convívio herdada do século XVII.
Umas quatro horas mais tarde, “Speak For Yourself” voltaria a tocar, desta vez já com a casa cheia e consideravelmente entusiasmada por receber, pela primeira vez, Shaeem Santino Wright em Lisboa. Até então, o MC que cresceu a minutos do estádio do Queens Park Rangers Football Club, na designada West London — de onde vem a sua velha paixão pelo desporto-rei, patente em Joga Bonito, álbum que editou com o carioca El Lif Beatz em 2022 —, só havia pisado solo português em Março do ano passado, na cidade do Porto, por ocasião de um concerto igualmente promovido pela Versus, dessa vez no Pérola Negra.
Uma recepção difícil de superar, a portuense. Mas a capital portuguesa também tem verdadeiros fãs de AP, desde logo aqueles que empunham vinis do homem que não sabe não editar projectos constantemente. The Good Fight é o próximo, previsto já para o dia 10 deste mês, que é como quem diz sexta-feira da semana que vem. E, pela conversa de antecipação desta actuação, sabíamos de antemão que teríamos direito a material inédito em primeira mão nessa hora.
São, porém, as canções mais emblemáticas no seu vastíssimo reportório que merecem prioridade no alinhamento para esta noite particularmente fria (para quem andou na praia em Outubro…) de Novembro. “I Need a Light”, “M.I.M.S.”, “Spliff in the Morning” ou “Like You Know” — e uma maré de gente a fazer de Tim Maia cantando “te amo, te amo!” — vão-se revelando as mais acarinhadas pelo público, que acolhe prontamente o protagonista quando este desce — mais do que uma vez — à plateia, para fazer parte dos mosh pits que incentiva e enceta.
De estranhar foi vê-lo aguentar tanto tempo de tronco coberto, porque quem sabia ao que vinha contava, certamente, com um performer caloroso na entrega e cheio de calor no acto (no pun intended). É certo que um Musicbox praticamente lotado também não dá tréguas em matéria sudorípara, mas o ritual de tirar as roupas de cima já se tornou prática habitual nos concertos de Lord Apex, que de resto faz questão de promover a proximidade física junto dos seus espectadores, de saudar os seus “irmãos em talhas”, e de dar o exemplo em sede própria no momento de fazer a festa. “AP on addict mode to the gas, still take a toll.” Estragos que nos fazem querer partir a mesma pedra.
— Paulo Pena
1, 2, 3… Ouvir Ralphie Choo não significa ouvir ROSALÍA ou C. Tangana outra vez. Diretamente de Madrid, o novo nome em ascensão da música urbana espanhola chegou a Portugal a falar inglês — sinal da carreira global que prepara e planeia até na sweatshirt que traz vestida, onde deixa ler “Next year I will live in New York” — e aproveitou a ocasião, a primeira no nosso país, para mostrar o seu mais recente trabalho, SUPERNOVA. Numa curta mas sumarenta prestação ao vivo no Musicbox, provou que, no que à sua música diz respeito, há mesmo muito poucas respostas erradas.
A expectativa era elevada, como não podia deixar de ser pelo boom mediático que se tem feito sentir à sua volta desde que foi mencionado nas redes sociais pela melhor fã que poderia ter pedido, ROSALÍA. E a verdade é que o Musicbox estava até bastante composto com uma plateia diversa e mais espanhola do que portuguesa, entre muitas outras nacionalidades à mistura.
Os primeiros acordes, disparados pelo computador, fizeram-se ouvir bem em cima da hora, como tem de ser para um concerto marcado para a meia-noite e meia. Mas foi preciso esperar pelo desenrolar do primeiro tema para percebermos o formato especial em que Choo se apresentou na cave mais badalada de Lisboa, pelo menos durante esta semana. Agarrado ao microfone e teclas, fez-se acompanhar por um DJ munido de pratos e, espante-se, uma flauta transversal, e ainda um violoncelista que marcou pontual presença em alguns dos temas que pudemos ouvir ao vivo.
Os três fizeram por se sentir em casa em cima do pequeno palco do Musicbox que, com os seus tetos altos e paredes apertadas, criaram uma intimidade à altura da ocasião. Para isso, ajudaram ainda os vídeos de aspeto caseiro que acompanharam a atuação do nosso hermano e a atitude descomprometida e casual com a qual começou por avisar, num inglês desnecessário, “não me posso mexer muito porque estou seriamente magoado no braço. Mas vou fazer por dançar convosco.” “¡Habla Español!”, retorquiram prontamente os espanhóis que enchiam as filas da frente e acompanhavam às palmas temas de ritmos mais latinos como “NHF” ou “Bulerías de un Caballo Malo”, sem nunca desligar.
Apoiado essencialmente em sonoridades eletrónicas, Ralphie Choo tem gosto em misturar os opostos num mesmo tema, como o flamenco e a eletrónica, ou os instrumentos clássicos, na forma da flauta transversal e do violoncelo, com o reggaeton. Para quem não está tão familiarizado com o seu trabalho, temos a dizer que o resultado é muito menos esquizofrénico do que esta descrição deixa parecer, e o segredo parece estar na amplificação destes instrumentos (sobretudo do violoncelo) e nas poucas camadas de produção que coloca nos temas, numa tentativa de distribuir e homogeneizar o espectro sonoro pelos vários instrumentos utilizados.
É essa abordagem que faz com que os beats, aparentemente simples e descomplicados, ganhem outra textura com a amplificação ao vivo do violoncelo, clínico e preciso em intervenções que permitiram engrossar faixas teoricamente despidas. Também a voz era ela muito amplificada e adornada com auto-tune, claro, funcionando como uma manta de cola que cobre e une uma composição diversa. Um dos melhores exemplos disso mesmo é o tema “GATA”, um dos favoritos da plateia que acompanhou cada palavra.
No resto da atuação, deu ainda para ouvir alguns dos temas favoritos do público como “VALENTINO” (que tem a participação de rusowsky) ou “WHIPCREAM”, que nasce de uma colaboração especial com o grupo americano Paris Texas. No final, saímos satisfeitos e contentes por percebermos que a fusão entre o reggaeton, o flamenco e a eletrónica tem um novo porta-estandarte capaz de inovar e surpreender sem repetir as fórmulas que já vimos e ouvimos com por intermédio dos conterrâneos de Choo.
— João Marques
Depois de um concerto de Ralphie Choo, o mínimo que se pode exigir é escutar algo oriundo dos planetas de ROSÁLIA, Bad Bunny ou Judeline, e foi mesmo isso que a equipa do Musicbox fez na curadoria da banda sonora que nos acompanhou na espera por Pedro da Linha. A nós cabe-nos agradecer o gesto e aguardar pela chegada do super-produtor, capaz de fazer transcender sons bairristas a hinos pop, que aqui veste a pele de DJ e joga como se fosse o Benfica na Luz — em casa, portanto. O homem que dedicou um EP ao clube situado na afamada “Rua Cor de Rosa” soube agarrar o testemunho que lhe tinham deixado e começou o seu set com algumas malhas a puxar para os lados do reggaeton, mantendo a toada latina da festa. Não demorou muito até que se virasse para aquela que é a sua “praia”: entre kizomba, kuduro, batidas afro com aroma a Lisboa e até algum funk brasileiro, garantiu que a festa se prolongasse até à entrada em cena de Bushbby, artista que já não chegámos a conseguir assistir devido ao avançar das horas e do longo caminho que ainda tínhamos de fazer no regresso a casa.
— Gonçalo Oliveira
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