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Texto: Vera Brito
Fotografia: Amanda Charchian
Publicado a: 07/06/2019

O artista britânico vai apresentar Assume Form, o seu mais recente álbum, no Porto.

James Blake: uma nova forma de descobrir a felicidade

Texto: Vera Brito
Fotografia: Amanda Charchian
Publicado a: 07/06/2019

Começou mais um NOS Primavera Sound no Porto, o festival que, mesmo tendo sempre habituado o seu público a um cartaz mais alternativo e contemporâneo, este ano pareceu levantar algumas críticas entre os fãs, muitos dos quais se definem como eclécticos nos seus gostos musicais, sem terem procurado no dicionário o verdadeiro significado da palavra. Ser-se ecléctico nas escolhas musicais não significa, ao contrário do que às vezes se pensa, ter autoridade para ditar o que é boa ou má música, mas sim ser-se livre na hora de escolher o que ouvir, sem ficar preso a um determinado estilo ou corrente. Aos que dizem que faltam nomes “fortes” a este Primavera ou que o cartaz não é o suficientemente variado, é porque certamente não perceberam que em 2019 uma “desconhecida” Rosalía pode ombrear sem qualquer problema com uma veterana Erykah Badu, ou que é perfeitamente possível gostar do rock dos Interpol e a seguir encontrar prazer nos ritmos latinos de J Balvin. Nos dias que correm é cada vez mais difícil definir o que significa ser-se um nome “forte” da música ou, se preferirem, um nome pop, e serve esta longa introdução para dizer que se hoje se assiste a esta democratização do ecletismo na pop, muito se deve a artistas como James Blake (que actua hoje no festival), que em menos de uma década conquistou um público tão vasto quanto diversificado, abrindo espaços na pop para música que tinha tudo para ser marginal.

Numa recente entrevista para a Fader, quando questionado sobre o que significa ser-se uma estrela da pop moderna nos dias de hoje e em como se sente ao ser catalogado como tal, James Blake não se mostra nada incomodado com o rótulo, afirmando-se pelo contrário entusiasmado com a comparação e fala precisamente de como os espaços agora existentes para artistas que antes ficavam afastados das massas controladas pela indústria, mudaram a forma em como se produz e se classifica música pop: “sempre que surge música nova [numa referência a Billie Eilish], existem meios que os produtores e compositores irão usar para encontrar formas de a encaixar no reino da música pop. São na mesma músicas pop, mas a sua produção pode enganar-nos ao ponto de acharmos que um novo tipo de pop não é pop, apenas porque é diferente. Talvez a nova pop seja agora menos convencional e irá levar algum tempo até conseguirmos estar a par destes novos métodos de produção.”



Assume Form, o seu último trabalho, editado no início do ano, possivelmente até hoje o seu disco mais acessível, reúne várias características que fazem com que chegue com facilidade a um público bastante amplo, com as suas composições mais lineares e coesas, em comparação ao anterior The Colour in Anything (em que as suas 17 faixas soavam algo fragmentadas, dando a sensação de que o músico procurava mais o lado laboratorial pelo exercício da forma do que um compromisso com o conteúdo final), e também pelas colaborações certeiras com artistas que nos entusiasmam presentemente: Travis Scott na faixa “Mile High”, que pode até não ser o registo mais vibrante de Assume Form, é certamente um artista que se encontra no auge da sua carreira e que retribuiu aqui a colaboração de James Blake em Astroworld ou a jóia “Barefoot in the Park”, ouro líquido para qualquer ouvido em que a voz do britânico parece por fim e após as muitas colaborações em toda sua carreira, ter encontrado o seu par ideal, no encantador timbre de mel de Rosalía — uma canção de beleza absolutamente irreal, que nem parece criação deste mundo (mesmo sabendo que actuam em dias diferentes, cruzam-se os dedos para que se repita no Porto o momento que rendeu o Primavera Sound de Barcelona, quando a espanhola o trouxe a palco para recriar a magia que só conhecíamos em disco).

O seu trabalho colaborativo ao longo destes anos tem sido aliás tão relevante quanto aquele que tem feito em nome próprio. Todos parecem querer um pedaço de James Blake, da sua visão peculiar e do seu génio criativo na forma de abordar a produção e composição musicais. Beyoncé, Kendrick Lamar, Chance the Rapper, Frank Ocean, Bon Iver, Jay-Z, e muitos mais, a lista de ilustres é longa e só tende a crescer. E se todos estes nomes de peso impressionam, então impressiona ainda mais a forma em como o músico tem conseguido manter perfeito equilíbrio entre a plasticidade com que se adapta a tão diversos artistas, sem nunca perder a sua identidade — sem ofuscar, nem ficar ofuscado por ninguém. Acreditamos não exagerar se dissermos que é possível falar de música em períodos antes e depois de James Blake.

Ainda há pouco tempo apenas as paredes da casa dos seus pais conheciam as melodias das suas baladas tristes, embora todo um mundo cá fora já estivesse sedento por beber dessa melancolia. E não é segredo nenhum que a depressão o acompanhou nos últimos anos, o próprio já falou abertamente sobre o tema em várias entrevistas e foi de extrema importância o testemunho que deixou há um ano atrás através do Twitter, em forma de desabafo mas também de chamada de atenção para que deixemos de uma vez por todas de ver fraqueza num homem que é capaz de expor a sua vulnerabilidade. O músico confessou que foi preciso descer ao fundo para perceber que só a partir desse ponto seria possível subir para um lugar melhor. E talvez o que mais gostemos neste seu último disco é perceber exactamente isso, que James Blake vive agora momentos luminosos e que a sua melhor música é também capaz de partir de lugares felizes. Pode até chover na noite de hoje no Porto, mas a culpa não será certamente sua.


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