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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/05/2022

11 dias a burilar pensamento.

index, uma bienal que se propõe a reflectir de forma crítica sobre as relações entre arte e tecnologia

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/05/2022

Amanhã, dia 12 de Maio, dá-se o arranque da primeira edição do index – bienal de arte e tecnologia, em Braga. O evento passará por vários espaços da cidade, como o gnration ou o Theatro Circo, até 22 de Maio.

Luís Fernandes, músico e programador cultural que nesta bienal colabora na curadoria com Liliana Coutinho e Mariana Pestana, respondeu a quatro questões do Rimas e Batidas, explicando dessa forma o pensamento que está por trás da construção da programação do index — que em 2022 se foca no tema “Superfície”.



Programas esta bienal em colaboração com a Liliana Coutinho e a Mariana Pestana. Qual foi o ponto-de-partida para iniciar o processo de planeamento e qual é a mensagem maior que se pode retirar deste programa?

O ponto-de-partida para esta bienal vem daquilo que é o percurso de Braga enquanto Cidade Criativa da UNESCO no domínio das Media Arts. Quando nos propusemos a elaborar um plano de acção que fundamentasse a candidatura da cidade a este mesmo título, um dos eventos que nos propusemos a fazer foi esta bienal de arte e tecnologia que, de certa forma, representasse aquela que é a nossa visão sobre este domínio disciplinar em particular, que acreditamos ser uma visão própria e que, eventualmente, se poderá afastar daquilo que é tipicamente um evento dedicado à arte e tecnologia.

O ponto-de-partida foi esse, assinalar de uma forma vincada a minha perspectiva, a da Liliana e a da Mariana sobre esta relação que vejo, talvez, como problemática. Na verdade, apesar de haver uma herança que remonta a meados do século passado, na qual um conjunto de artistas que estavam na vanguarda da prática artística contemporânea e usavam a tecnologia como mote e como meio para produção de obras de arte no chamado circuito de arte contemporânea — e falo, por exemplo, de John Pike, Bruce Nauman, enfim, podia estar aqui bastante tempo a citar artistas desses movimentos — mas progressivamente a arte na qual a tecnologia tem um papel central, na verdade, foi-se distanciando daquilo que eram as práticas artísticas mais em voga e mais valorizadas na contemporaneidade. E talvez porque existe uma espécie de deslumbramento com as possibilidades que a tecnologia nos oferece enquanto ferramenta — apesar da tecnologia enquanto ferramenta estar presente na arte desde que passamos a usar instrumentos, sejam eles quais forem, como pincéis ou o lápis, enfim –, mas as novas tecnologias impuseram aqui esta capacidade do extraordinário, do belo, do deslumbrante e, por vezes, essa dimensão tendeu a ofuscar aquilo que seria eventualmente uma necessidade que a arte tem de ser um ponto de reflexão, um ponto de olhares sobre o mundo em que vivemos, o mundo em que queremos viver.

E, portanto, aquilo que nós defendemos para esta bienal é voltar, se calhar, a aproximar estes dois pólos, a arte e a tecnologia, a partir de uma escolha de programa que acaba por ser, provavelmente, um pouco polémica para os aficcionados deste campo disciplinar, mas que tende a olhar para a tecnologia de uma forma crítica.

A mensagem maior que se pode retirar deste programa provavelmente pode ser esta, que se calhar quando falamos de tecnologia provavelmente não estamos a falar necessariamente de algo muito diferente daquilo que são as práticas artísticas celebradas por artistas mais associados àquilo que se pode chamar por arte contemporânea. Na verdade, vemos tudo como parte integrante do mesmo fluxo e cada vez cada vez menos faz sentido falar em segmentações disciplinares no que toca à prática artística, seja ela qual for e em que campo for. 

Arte e tecnologia é um gancho cada vez mais comum para alguns eventos que também envolvem música, o que parece ser um reflexo dos tempos pós-pandémicos. Nesse sentido, a palavra “superfície” foi uma maneira de balizar o que queriam apresentar?

Sim, a tecnologia tem sido muitas vezes um elemento presente em eventos e práticas artísticas que envolvem música. Mas, neste caso, a palavra “Superfície” enquanto tema veio aqui balizar o programa, sem dúvida, mas veio fazê-lo a partir de outro ângulo. Quando há pouco falava nesta oposição entre arte e tecnologia, também me referia a uma tendência recente — e quando digo recente falo das últimas décadas — do campo da arte contemporânea afastar-se um pouco da arte e tecnologia, muitas vezes com esta perspectiva dela ser superficial. E eu, a Liliana e a Mariana reflectimos bastante sobre o que é que esta superficialidade poderia querer dizer a diferentes níveis e interessaram-nos perspectivas de autores como o iraniano Reza Negarestani. É, aliás, um colaborador frequente de Florian Hecker, que está neste programa representado. E também do Frédérique Aït-Touati e Bruno Latour, também representados no programa, que têm perspectivas muito particulares do que é superfície ou do que é que pode representar uma superfície enquanto uma metáfora, uma representação que pode ter conotações ou ligações a este campo da prática artística. Nomeadamente o Bruno Latour tem chamado a atenção para aquilo que se chamam a zonas críticas, que são as zonas onde nós, humanos, habitamos, onde interferimos com o ecossistema, onde o usurpamos, de onde extraímos minério, que, por sua vez, acaba por também alimentar a própria arte e tecnologia que celebramos nesta bienal. Portanto, uma perspectiva muito interessante e que exploramos tematicamente através de diferentes eixos do programa.

Também falei há pouco no Reza Negarestani e ele tem uma perspectiva muito interessante sobre superfícies enquanto entidades de mediação, entidades que mediam dois estados necessariamente diferentes, servem como membranas, interfaces. Também zonas de extração ou zonas de emergência. Tudo isto são conceitos extremamente interessantes que são explorados do ponto-de-vista da prática artística. E quisemos trazê-los de alguma forma para o programa. 

Para quem é direccionada esta bienal? Quem são as pessoas para quem estão a querer falar?

Esta bienal é direcionada, e pode parecer uma resposta cliché, mas tentamos ao máximo não limitar o seu público-alvo. Eu diria que esta bienal é dirigida a quem tem interesse sobre algumas das maiores problemáticas que nós vivemos nos nossos dias, como, por exemplo, todas as questões ligadas ao antropoceno e às alterações climáticas e a forma como nós, humanos, através de práticas artísticas e sociais, podemos relacionar-nos com esses problemas. É também certamente um programa que pode ser interessante para aquelas pessoas que se interessam pela produção artística contemporânea, seja ela ligada mais aos domínios expositivos ou mais aos domínios performativos. E aos domínios do pensamento crítico.

Temos também um programa de educação direccionado para famílias, para artistas e também para escolas. Portanto, acaba por ser um programa que, nas suas diferentes dimensões, poderá chegar, esperamos nós, a públicos muito distintos e abrangentes. 

Existe muito para descobrir na programação desta bienal. Queres destacar alguns momentos que, para ti, sejam imperdíveis?

Sim, é, de facto, um programa com uma quantidade assinalável de eventos, ao longo de 10 dias apresentaremos 66 conteúdos, chamemos-lhe assim. E isso torna algo complicada a missão de destacar alguém em particular, mas obviamente que o farei e começaria por assinalar a conferência-performance Inside, de Frédérique Aït-Touati e Bruno Latour, dois nomes incontornáveis da actualidade naquilo que é o pensamento crítico sobre a arte.

No que toca a espetáculos, eu deixaria aqui duas sugestões: o japonês Ryoichi Kurokawa, nome incontornável naquilo que é a produção artística que recorre à tecnologia e cujas performances ao vivo audiovisuais são, de facto, extraordinárias e ficam na memória de todos. E também a estreia em Portugal de The Mirror, de Vicki Bennett, que é um espectáculo que vai buscar muito ao universo do sampling e da colagem. Usa elementos do nosso universo imaginário pop — filmes, músicas, etc. — através do qual ela constrói uma colagem audiovisual em tempo real. É uma peça que tem estado em diferentes eventos aí pelo mundo fora, recentemente na Bienal de Veneza, por exemplo.  

No programa expositivo, eu chamaria atenção, se calhar mais no domínio da arte sonora, para a presença do Florian Hecker, um artista que dispensa apresentações, também ele com uma prática multidisciplinar que abarca as artes visuais, o som, também o pensamento crítico, e que apresentará no index dois trabalhos diferentes. Um em palco, uma nova performance relacionada com a exposição também ela nova chamada Syn as Tex Scene, que, na verdade, é uma continuação da sua investigação recente sobre a ressíntese de dados capturados através de machine listening. Portanto, eu diria que é um dos artistas que está na vanguarda da inovação no campo da arte sonora e que, de facto, apresenta ideias novas e disruptivas e o fará em contexto de galeria e em contexto de palco. 


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