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Fotografia: Lois Gray
Publicado a: 17/02/2022

Comunicar com o invisível.

Hidden Horse: “Habitamos o mundo dos espectros nas imagens de CCTV, dos poetas sonambulistas, das vidas paralelas de uma cidade”

Fotografia: Lois Gray
Publicado a: 17/02/2022

Amanhã, dia 18 de Fevereiro, Hidden Horse lançam o seu álbum de estreia, Opala, pela Holuzam. Um dia depois, a dupla composta por JB Kyron e Tony Watts (músicos que também integram os Beautify Junkyards) apresenta esse mesmo trabalho nas DAMAS, em Lisboa.

Entre cavalos falantes que aparecem com sugestões pertinentes em sonhos até a uma noção muito própria de resistência enquanto ferramenta de expansão de realidade, o duo começa aqui, antes de mostrá-lo ao vivo, a apresentação do seu curioso universo feito de estranhos pulsares electrónicos.



São já muitos anos de trabalho com o companheiro Tony Watts. Hidden Horse é uma continuação ou um novo começo?

É uma continuação, agora que temos mais tempo e estamos dedicados em exclusivo à música conseguimos concretizar algumas ideias que constantemente habitavam as nossas conversas. Como referes, já tocamos juntos há muitos anos, existe uma grande sintonia entre nós a diversos níveis.

Tem que haver uma história por trás deste nome… Há?

Sim, há uma história muito curiosa, o nome da banda foi-me revelado num sonho por um cavalo falante, qual fábula de La Fontaine. Ele aproximou-se e disse “queres um bom nome para uma banda? Hidden Horse”, disse-o assim mesmo em inglês. No dia seguinte, ao comentar o sonho com o Tony, ele ficou estupefacto e confessou-me que nessa mesma noite havia sonhado com um cão falante. Isto pode parecer inventado, mas não é, percebemos que era uma mensagem de uma outra dimensão e o nome da banda ficou logo decidido.

Como comparam Hidden Horse com os Beautify Junkyards? São diferentes faces de uma mesma moeda ou entendem este projecto como algo de outra dimensão?

São musicalmente complementares, é o que faz mais sentido, podermos explorar novos territórios e recantos, mas tendo como matriz de concepção muitos aspectos comuns. Os Hidden Horse habitam um mundo mais urbano, dos espectros que se movem nas imagens de CCTV, dos poetas sonambulistas, das vidas paralelas que habitam uma cidade. A cidade vista como um organismo em constante mutação e as fronteiras das suas luzes com a escuridão, os limites da cidade.

Além dessa vertente mais onírica, há também, na música dos Hidden Horse, elementos de resistência e tentativas de expansão da realidade, que nos é cada vez mais toldada e formatada. A revolução electrónica do Burroughs, que vemos retratada em filmes como o germânico Decoder ou o ritualismo de comunicação com o invisível, que vemos por exemplo nas transmissões da Psychic TV, são algumas das referências que nos inspiram e que para nós assumem um papel muito relevante nos tempos que vivemos.

Mencionam a cena industrial, mas também algum kraut e library music como coordenadas. Podem especificar, oferecendo nomes que acreditem que habitam o mesmo espaço que agora decidiram explorar?

Há muita experimentação improvisada em laboratório, mas, como referi anteriormente, há também algumas ideias que queremos permear para a nossa música. É nessa fronteira entre a intenção racional e a intuição que as músicas vão surgindo. Por vezes surgem músicas em zonas exploratórias urbanas mais próxima de nomes como Burial, Caretaker ou do filme Ghost Dance, outras vezes, como que a canalizar imagens de dimensões invisíveis, inspirados por bandas como os Coil ou alguns dos filmes do Derek Jarman. E há também os elementos de subversão e expansão da realidade em que o William Burroughs e a música de bandas como Throbbing Gristle são algumas das lanternas que nos inspiram a explorar certos recantos.

A hauntologia como lente para investigar o passado continua a ser válida aqui. Há um ângulo português neste universo musical que exploram no novo álbum?

Sim, como refere o escritor Mark Fisher, essa nostalgia pelos possíveis futuros que entretanto nunca chegaram, gera-nos uma melancolia que é fruto da recusa em aceitar o status-quo: o neoliberalismo, o ciberespaço capitalista, a obsolescência programada, a sociedade dos upgrades. No sentido hauntológico, a música dos Hidden Horse vai buscar alguma dessa energia de expectativa ao passado, às redes de contracultura da imprensa alternativa, aos anarquivistas do início da era digital e catapultamos algumas dessas ideias para o agora. Quanto à portugalidade, está claramente presente, tanto pela nossa vivência e herança como também por inspirações poéticas e pictóricas de alguns autores e obras futuristas, o carácter surrealista, panfletário e gráfico das suas obras traça uma ponte muito interessante com alguns dos exemplos que citei do Burroughs e do cut up. Alguns títulos das músicas do álbum, que são todos em português, foram inspirados (ou pegamos emprestado) em textos desses autores portugueses.  

Podemos falar de ferramentas? Que tecnologia usaram neste disco?

O Tony criou um setup a la Tony, diferente dos Beautify Junkyards, mas igualmente polivalente, entre peças acústicas (encontradas nas velharias) que são amplificadas e processadas e a bateria electrónica para onde carregamos sons criados por nós ou samplados. Do meu lado recorri muito ao sampler, ao cut up, fundir numa mesma música elementos de procedências muito distintas em termos de tempo e espaço, como por exemplo, uma linha de baixo de um filme porno dos 70s com um beat coldwave e um spoken word de um documentário americano dos 80s. Além disso usei alguns sintetizadores que gosto muito como o Polysix e o Arp Odyssey.

E em termos de composição? Como funcionou o processo? Escutando o disco fica-se com a sensação de que o improviso representou um papel…

Sim, muitas sessões de improviso, para ir captando as ideias e definindo arranjos recorremos ao Ableton Live, que é uma excelente ferramenta de apoio à criação, muito flexível nesse aspecto da experimentação em tempo real. No álbum temos desde trechos que foram gravados à primeira na sala de ensaios como partes que foram mais elaboradas e pensadas já em ambiente de estúdio.

Esta ligação à Holuzam: como é que aconteceu?

Já sou cliente da Flur (loja de discos gerida pelo mesmo trio que gere a Holuzam) há alguns anos e além disso eles têm sempre apoiado as nossas edições, tanto dos Beautify Junkyards como dos meus álbuns  a solo. O André Santos (um dos sócios) já havia conversado comigo no passado, que se tivesse algum projecto novo eles gostariam de ouvir e considerar editar, e assim foi, quando estávamos a trabalhar no álbum pensámos que seria interessante estarmos ligados a um editora local e com a qual sentimos uma afinidade estética forte. Apresentámos o álbum ainda em versão “rough mix” e eles gostaram logo, depois foi uma questão de irmos para estúdio com o nosso eng. de som de sempre, o Artur David, misturar e masterizar o disco, que ficou com um som fabuloso. Uma palavra especial de elogio também para a Marta Ramos que foi responsável pelo maravilhoso artwork do Opala.

Falem-nos da apresentação ao vivo: Como vai funcionar?

Vamos fazer a apresentação em Lisboa, nas Damas, no sábado (19/02) às 22h30 e depois queremos fazer concertos noutras salas do país. Em palco vamos ter como convidada especial a Ana Farinha (também conhecida como Candy Diaz), vamos tocar as músicas do disco e mais algumas peças improvisadas ao sabor do momento. Depois do concerto haverá um DJ set da dupla Candy&Kyron com banda sonora a condizer com a noite.

Os Hidden Horse surgem num momento particularmente excitante para a electrónica portuguesa mais exploratória. Sentem-se parte de um quadro mais vasto?

Sem dúvida que sim, há cada vez mais ramificações na produção electrónica nacional, diversas gerações, com diferentes percursos, à procura de novos caminhos, a tal exploração de territórios mais marginais que mencionas, seja na vertente mais ambiental, na música electro-acústica improvisada, na electrónica mais cibernética. Há também um lote de novas editoras que investem nestas sonoridades, pequenas salas, clubes e associações que programam estes artistas e público cada vez mais atento, ou seja território fértil para crescerem raízes e flores.

Finalmente: é suposto esta ser uma aventura solitária ou podem esperar-se mais lançamentos com esta identidade?

Podem esperar-se mais lançamentos, já estamos a trabalhar em músicas novas e também a iniciar uma colaboração com uma banda britânica. Em breve teremos novidades. 


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