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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 17/08/2023

Henrique e António Carvalhal são compositores, produtores e instrumentistas.

GOIAS: os gémeos que co-produziram o novo álbum de Slow J e tocam na banda de Dillaz

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 17/08/2023

A industrialização do hip hop nos EUA ao longo das décadas fez emergir toda uma vertente de sample clearing ou seja, na grande maioria do rap norte-americano, a utilização dos samples que estão na base das músicas tem de ser autorizada pelos detentores dos temas originais, sejam os autores, os seus herdeiros ou as editoras. 

Nasceram empresas e advogados especializados no assunto, os processos tornaram-se dispendiosos para muitos artistas com inúmeras músicas a ficarem de fora de projectos graças à impossibilidade de se verem cleared, isto é, autorizadas. Face a esta realidade, naturalmente a indústria adaptou-se e gerou-se um ecossistema de músicos que criam samples originais e que os enviam para os grandes produtores de hip hop. 

Para estes músicos, é uma forma de poderem ter um sample num disco importante, de eventualmente receberem royalties pelo seu trabalho. Para os produtores e artistas que lançam as faixas, é uma maneira de conseguirem música original sem terem de se preocupar com processos ultra complexos de sample clearing. E os nomes grandes são regularmente inundados com milhares e milhares de samples, num processo complexo que muitas vezes inclui diversos intermediários.

Em Portugal, esta ainda é uma realidade distante. Tirando alguns casos pontuais, o hip hop e outros géneros musicais que recorrem ao sample continuam a operar como sempre, na clandestinidade artística, tal como se fazia na raíz do movimento. Ainda assim, alguns músicos nacionais tornaram-se também criadores de samples, como é o caso de FRANKIEONTHEGUITAR e dos GOIAS, cuja história contamos aqui.

Henrique e António Carvalhal, irmãos gémeos de 29 anos, produzem sample kits, trabalham com produtores, são instrumentistas na banda de Dillaz e co-produziram o novo álbum de Slow J, que há-de ser lançado em breve.

Criados em Oeiras, sempre tiveram uma forte ligação à música, ouvindo rock, hip hop ou outros géneros desde cedo. Mas envolveram-se de facto na arte por volta dos 14 ou 15 anos, quando os pais os inscreveram na escola Improviso, ao pé da sua casa. “O Henrique foi para a guitarra, eu para a bateria”, explica António ao Rimas e Batidas. “Assim dava para tocarmos, já conseguíamos ser tipo Nirvana e fazermos um grupo de garagem.”

António Carvalhal teve aulas com Ivo Costa, baterista dos Bateu Matou que já acompanhou Mariza, Carminho, Paulo Flores, Dino D’Santiago, Batida, Deolinda ou Sara Tavares ao vivo. Já Henrique tinha aulas com Pedro Leónidas, guitarrista e compositor mais discreto, mas que passou por diversas bandas. “Em seis meses sabíamos que a nossa vida ia ser música. Não sabíamos como, mas sabíamos que ia ser”, afirma Henrique. “Ficámos completamente obcecados, estávamos sempre a ouvir música”, acrescenta António, completando as frases um do outro tal e qual os gémeos que são.

Nessa altura, começaram a descobrir as sonoridades em torno do jazz, não só os grandes clássicos como artistas contemporâneos como Robert Glasper, Thundercat, Hiatus Kaiyote ou Snarky Puppy. Não demorou muito a formarem uma banda, com o primo Pedro Jónatas no baixo e o amigo Pedro Schvetz nas teclas. Eram os Twin Peets um trocadilho com a icónica série Twin Peaks. Lançariam, mais tarde, um disco intitulado Beehive (2015), de “funk e soul experimental”, gravado pelo próprio Ivo Costa. “Foi nesse laboratório que desenvolvemos ainda mais a paixão pela música.” A cultura negra norte-americana também os aproximou ainda mais do hip hop, naturalmente: J Dilla, The Roots ou Erykah Badu, entre tantos outros, tornaram-se nomes regulares nos seus auscultadores.



Quando terminaram o secundário, o plano era inscreverem-se no curso de Jazz e Música Moderna da Universidade Lusíada (cujo coordenador, Massimo Cavalli, curiosamente entrevistámos recentemente), mas a crise económica que afectou Portugal há uma década obrigou-os a mudar de ideias. “Os nossos pais não tinham o dinheiro e, literalmente na véspera de irmos acampar para o Sudoeste, escolhemos ir para Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social.”

Quando concluíram o curso, começaram a trabalhar na área. António foi para o sector das startups, Henrique tornou-se account manager numa empresa de “suit and tie”. Tinham 21 anos e esse momento coincidiu com o fim do projecto de Twin Peets, já que Pedro Schvets tinha saído do país. Acreditavam que conseguiam conciliar a música, pela qual realmente nutriam uma paixão, com um trabalho na área que tinham seguido meio por acaso. Ainda que não se sentissem obrigados por ninguém a tal, julgavam ser o suposto. Mas a entrada no mercado de trabalho tornou-se algo desapontante para os irmãos.

“Estás a trabalhar na tuga, a fazer um 9 to 5 que não é um 9 to 5, porque trabalhas até às 8. Depois vem o CEO da empresa que desce para te mandar uma grande piçada. E há um grande disconnect entre os dinossauros que estão na empresa e eu e os outros jovens que estávamos na mesma equipa, a olhar para aquela forma tão antiga de se ver o mercado e de valorizar as pessoas”, recorda Henrique. “Estás ali porque precisas de dinheiro, mas depois começas a pensar: estou a semana toda aqui, chego a casa e não tenho capacidade física nem mental para fazer aquilo de que gosto. Ficas sem cabeça. Meio que pegas na guitarra e ficas frustrado, depois começas a pensar que és uma merda, que não sabes tocar. Quando não é bem isso, é só porque estás num mau mood. Nós tivemos o discernimento de perceber isso. E foi assim que emigrámos.”


Uma epifania na Suíça


Mudaram-se durante algum tempo para a região germânica da Suíça, onde vivia o pai da namorada de Henrique. “’Bora só ver como é um país que não Portugal, ‘bora só sair”, relembra António. “E quando fomos para a Suíça tínhamos a ideia de aprender alemão e trabalhar durante um ano para recebermos bem e voltarmos para cá com algum dinheiro, para fazermos música.”

Mas as coisas não correram como esperado. O alemão que se falava na Suíça não era fácil de aprender, não abundavam os empregos para falantes de inglês e o custo de vida era bastante elevado. “E houve uma vez que subimos à montanha perto da aldeia onde estávamos, próxima de Zurique, e eu estava super frustrado com ele e com a minha namorada”, explica Henrique. “Vocês não se estão a esforçar para aprender alemão, não estamos a arranjar trabalho, estamos na merda!” António respondeu: “Henrique, estás a querer enganar quem? Acabamos o guito, vamos para Portugal e vamos fazer música até morrer.”

Para Henrique, essa foi a altura de “apaziguar” o seu estado de espírito. Embora naquele momento não tivessem sequer dinheiro para comprarem um bilhete de volta para Portugal, tinham percebido, em conjunto, que a prioridade número 1 era a música.

“E descemos essa montanha com uma paz que mantenho até então. No matter what, vamos fazer isto, venha dinheiro ou não o dinheiro é só um problema a resolver, é algo à parte. A partir daí a tua visão fica inabalável. Claro que houve montes de coisas pessoais que poderiam derrubar-nos, mas quando não negoceias contigo mesmo e sabes que vai ser isto, a partir daí é fácil. Foi como se assinássemos um contrato connosco mesmos a dizer que não faríamos mais office jobs nem Excel”, conta Henrique.

Outra coisa fulcral aconteceu na Suíça. Os gémeos cresceram a jogar futebol, vestindo a camisola do Oeiras, e enquanto estavam fora decidiram fazer uma partida num campo local. Entre os vários jogadores que lá estavam, um dos poucos que falava inglês era um rapaz de ascendência turca que rapidamente se tornou amigo dos Carvalhal.

“Dissemos que éramos músicos, e ele: ‘Ah, a sério? Sou producer, faço beats’. Então combinámos juntarmo-nos uma vez. E foi a primeira vez que vimos o Fruity Loops. Nós éramos da garagem, do instrumento, de curtir com amigos, do amplificador e do barulho. De repente, vês um gajo a fazer música no computador”, explica António. Foi aí que perceberam como é que os beats de hip hop eram feitos, como funcionava o processo de sampling e como muitas das ferramentas estavam acessíveis através dos softwares de criação. Ouviam rap mas nunca se tinham aproximado o suficiente do género para o desconstruir musicalmente, para reflectir sobre como era feito. Não só descobriram o admirável mundo novo da produção digital, como o seu novo amigo era primo de alguém bastante importante no meio, OZ nome artístico de Ozan Yildirim, nascido na Suíça mas também de origem turca, está nos créditos de “Highest in the Room” ou “Sicko Mode”, de Travis Scott; além de ter produzido “Toosie Slide” para Drake.

“E uma vez esse nosso amigo disse-nos que o primo dele ia lá estar no estúdio”, conta Henrique. “Fomos lá, o OZ pegou numa sample minha de guitarra, fez os drums, pôs um 808… Primeiro, gozei logo com o António, por ser baterista: já foste”, recorda. “Isto porque, em 15 minutos, ele fez um beatzorro à nossa frente”, acrescenta António. “Mas a nossa perspectiva foi logo: este gajo precisa de pessoas como nós. Músicos com conhecimento musical. Gajos que possam pôr organic shit na sua música. E percebemos que havia um gap, até porque ele estava loaded, é milionário.”

A partir desse momento, desde que voltaram a Portugal há seis anos depois daqueles meses na Suíça, os irmãos criaram o seu próprio projecto, GOIAS (nome que não tem um significado específico; era a “palavra” que ambos usavam quando eram bebés e queriam pedir algo aos pais). “Foi assim que começámos a fazer samples, pequenas composições”, diz Henrique. “Fomos bué excitados, na viagem da TAP de regresso, a decidir qual era o nosso plano até morrer. São três vertentes na música: aquilo de que sempre gostámos, a garagem, a banda de rock, os gigs; produzir, ajudar artistas a compor música, e aí ganhar direitos de autor; e a nossa ideia de ganhar dinheiro pela Internet e por isso é que fizemos o nosso site e começámos a vender sample kits”, explica António.

Queriam fazer e viver da música, mas não sabiam propriamente como a monetizar. Acabaram por encomendar o livro All You Need to Know About the Music Business, de Donald Passman, através do qual orientaram o seu modus operandi, já que queriam ser eficazes e não estavam dispostos a voltar para empregos que lhes sugassem toda a energia.

“Como assim tu recebes royalties até morrer por teres feito uma composição?”, lembra-se de pensar Henrique. “Nós gostamos de fazer canções. Podemos pegar nuns amigos e fazer canções. Ya, podem só gerar uns cêntimos, mas imagina que um dia fazes parte de um record que está a dar na rádio… Acabámos por ganhar um apreço pela composição.”



Usando o conhecimento adquirido no curso de Publicidade e Marketing, criaram a sua própria marca, com um site onde passaram a vender sample kits. E começaram a mandar emails e mensagens para produtores do universo do hip hop, em busca de colaborações. Rafael Alves, mais conhecido como Lhast, foi o primeiro a ter contacto com os irmãos.

“O Lhast mandou-nos uma mensagem quando ainda estávamos na Suíça. A primeira sessão que tenho quando volto foi na casa dele com o Dillaz, quando fizemos ‘O Clima’. Passados três anos estávamos a tocar com o Dillaz nos concertos.”

A partir daí, Henrique Carvalhal tornou-se num dos músicos de eleição de Lhast, um dos produtores mais impactantes da última década no hip hop e na música urbana nacional. Com Henrique mas também Bernardo Cruz e Bernardo Addario Lhast usava samples originais ou trechos de música destes instrumentistas para criar os seus beats.

“O Rafa é como um Dr. Dre ou um Terrace Martin que vai buscar o Thundercat. O Bernardo Cruz fez o arpeggio da ‘Do You No Wrong’. Vês a importância disso? Não é que o Rafa não o conseguisse fazer, mas estes são músicos com outra formação.” Henrique Carvalhal participou em Lisboa (2017), de Richie Campbell; ou #FFFFFF (2019), de ProfJam; além de trabalhar com Lhast nalguns singles colaborativos com Dillaz. O guitarrista criou muitos pontos de partida de canções, estando muitas vezes na génese da cadeia de produção. 

“O ‘Gravidade’ é um loop de guitarra do Henrique, dos primeiros que ele fez, que gravámos de boxers no nosso quarto em Oeiras [risos]. E era dos que nós gostávamos menos. Ou seja, todas as ideias são recicláveis”, conta António. “E o Dillaz escolhe sempre as samples que eu menos curto [risos]. Mas claro que curto, se não não incluía nos packs”, acrescenta Henrique. “Todas as ideias se transformam e por isso é que gostamos tanto de trabalhar em hip hop, porque é uma cena de partilha”, explica ainda António. Eventualmente foram também creditados em temas de Wet Bed Gang, Julinho KSD, Lon3r Johny, Papillon, T-Rex, Carla Prata, Diogo Piçarra, Phoenix RDC, Jimmy P, Valas, 11 LIT3S, Isaura, Landim, Apollo G, Harold, Chyna, Spliff, Yuran ou Sandrini 2830, entre tantos outros, portugueses e estrangeiros.

Enquanto iam entrando no universo do hip hop nacional, quando voltaram da Suíça criaram uma banda de rock chamada DEUSA, com o mesmo Bernardo Cruz, o primo Pedro Jónatas e o compositor, letrista e vocalista João Afonso. “DEUSA é o sonho de ires ao Paredes de Coura e estares com os teus amigos a tocar rock.” Embora o projecto esteja parado há algum tempo, chegaram a gravar em 2020 um disco homónimo nos estúdios Namouche, em Lisboa.

Entretanto, por motivos pessoais, Henrique Carvalhal mudara-se para Londres. Embora o objectivo não tenha sido explorar outro tipo de oportunidades na música, acabou por aproveitá-lo para trabalhar em writing camps nos estúdios da capital britânica. Um sample seu acabou no álbum Crabs in a Bucket (2020), do rapper Nines, que chegou ao número 1 de vendas no Reino Unido. Mais impressionante ainda: Henrique Carvalhal gravou uma guitarra que acabou no álbum Africa Unite (2023), de reimaginações oficiais dos grandes hits de Bob Marley. Portanto, há um cunho português no mais recente disco com Bob Marley e The Wailers, na nova versão de “Three Little Birds” que também conta com Teni e Oxlade. “Pode parecer um bocado impessoal ou frio enviares um pack de samples por email, mas quando vês que, passado semanas, meses ou anos aquilo inspirou alguém para escrever e gravar… Adoro essa cena. E ter um beat no novo álbum do Bob Marley… [risos].”

Em Portugal, consideram que entraram “no momento certo” por terem sido dos primeiros a fazer sample kits, mas o mercado ainda não está virado para esta vertente da produção. Aliás, os sample kits que vendem são, quase sempre, adquiridos por artistas estrangeiros. Para travar mais conhecimentos e ganhar experiência, no início de 2020 Henrique Carvalhal foi passar uma temporada a Los Angeles. Lá conheceu o produtor Nami, cabo-verdiano radicado nos EUA, uma das referências dos gémeos no que toca aos sample kits, com créditos em temas de Ariana Grande, Sam Smith ou Travis Scott; mas também Angel Lopez e Federico Vindver, que já produziram para Kanye West e outros grandes nomes da pop e rap.

No ano em que iam começar a tocar com Dillaz, de repente a pandemia instalou-se e todos os concertos foram cancelados ou adiados. Foi aí que tiveram a prova dos 9 de que não poderiam ser apenas instrumentistas ao vivo, que precisavam de se afirmar como compositores. Henrique passou grande parte dos confinamentos a estudar e a aprimorar a sua técnica no Ableton. “Se não fosse a pandemia, hoje não estaríamos a co-produzir o álbum do Slow J.”



Um disco co-produzido a seis mãos


Quando entrevistámos Slow J aquando do lançamento do seu mais recente single “Sem Ti”, o artista contou-nos que foi através de Lhast que chegou aos GOIAS. Além disso, já os tinha conhecido pessoalmente quando fez, há quatro anos, uma visita a um ensaio de Dillaz.

Para os irmãos Carvalhal, trabalhar com Slow J era colaborar com o seu “artista português favorito”. “No meu primeiro trabalho, eu saía no carro a ouvir aos berros ‘Querem ver-me empregado desde a creche, man. Só que a minha vontade não vê cash, man’ [de ‘Sonhei Para Dentro’]. Isso é um mantra. Só para perceberem o quão importante foi para nós estarmos a trabalhar com o J”, conta Henrique.

O processo começou em 2021, quando o guitarrista tinha uma “catrefada de beats e samples” guardados. Resolveu enviar uma mensagem a Slow J. “Tens aqui estas ideias, pode ser que algo te inspire. E ele respondeu: ‘vêm num bom timing’. Conversa puxa conversa, eu disse: vivo em Londres, mas quando tenho concertos com o meu irmão vou a Portugal, a próxima vez que for se quiseres dou-te o toque e vamos para estúdio. E assim foi. No final de 2021, sempre que vinha a Portugal, fomos tendo sessões com o Slow. Fizemos uns sons, demos que não se concretizaram, fomos fazendo. Para mim, só estar ali a trabalhar e a aprender com um géniozinho daqueles…”

Alguns meses depois, em Julho de 2022, Slow J lança o mote definitivo aos GOIAS. Tinha diversas versões de um tema intitulado “Grandeza”, mas não estava particularmente satisfeito e precisava de um olhar fresco sobre a canção. O músico já estava a trabalhar no seu novo disco há alguns anos, como sucessor de You Are Forgiven (2019).

“Ele fez-nos uma espécie de pitch, explicou-nos o que queria do som, qual era a visão dele”, conta Henrique. “Aquilo obviamente tocou-nos. Eu mandei para o António e num dia fizemos aquilo que é o ‘Grandeza’ no nosso quarto, em casa dos nossos pais. Quando lhe envio ao final da tarde, o J liga logo a seguir a dizer: ‘mano… parecia que estava a ouvir o resto do meu álbum’. Ficámos super contentes. Pensámos: se os astros se alinharem, pode ser que tenhamos um som produzido por nós. Passado duas semanas, ele liga-me e diz: ‘estive a pensar com o Zizu [manager] e queria saber se vocês estariam disponíveis para co-produzir o álbum comigo’. Obviamente foi um sim. É um sonho. Foi um ano bué intenso de trabalho, a partir pedra.”

Slow J tinha mais de 40 demos e precisava de alguma orientação. Vários temas tinham múltiplas versões e, com os GOIAS a trabalhar como co-produtores do disco, ganharam ainda mais. 

“Para nós, fazer este álbum foi um mestrado. De arranjos, de gravação, de engenharia de som, de composição”, defende Henrique. “O ‘Where U @’ não existia. Até escrevi o refrão com ele, ajudei na letra”, acrescenta António, o que reforça a ideia transmitida por Slow J de que “o nível da colaboração neste álbum foi muito mais longe”. 

“As pessoas vão ouvir o álbum e não têm noção. Houve 3, 4 ou 5 versões para a música que estão a ouvir. Fomos alfaiates com ele, a dar novas roupagens às músicas. Havia sempre um espaço de experimentação e acho que o resultado é uma proposta arrojada.”

“Fomos desde amigos, psicólogos, a gravar sessões, fazer beats, levar e trazer músicos, o Henrique em Londres a fazer não sei quantas roupagens diferentes… Eu a ir ter com o Slow ajudar a arranjar as estruturas das músicas”, acrescenta António. “Grandeza”, que foi uma espécie de “entrevista de trabalho” e que se tornaria no tema escolhido por Slow J para levar ao A COLORS SHOW, foi construído com drums de um sample kit de Nami, o tal produtor cabo-verdiano. 

“Eu choppei drums do Nami, que é o batuku, o ritmo cabo-verdiano, para se enquadrar no tom da acapella do J. Gravámos guitarras e fizemos as percussões no fim”, conta Henrique. “As percussões finais sou eu de boxers a bater no meu corpo todo, de várias maneiras, vários layers, com os chinelos e tudo… E depois um cajón e vassouras no cajón. Tudo no nosso quarto [risos]”, adianta António. “Não interessa ter uma grande bateria, um Mac, colunas ou um microfone… O ‘Grandeza’ foi o meu corpo e um mic. Fiquei com o peito a doer-me [risos].” 

Os GOIAS deram literalmente o corpo ao manifesto, mas no início foi um desafio tentar encontrar algo entre a canção portuguesa e o embalo africano. “Quando ouves a acapella, será que estou a ouvir o Zeca Afonso? Parece meio cante alentejano. Como é que vamos aliar as duas coisas, esta parte de canção portuguesa com um ritmo mais africano nos drums? Mas tudo fez sentido. Nós somos pop e hip hop, portugueses e África, somos isto tudo. Faz parte da cena de termos crescido em Lisboa, com cabo-verdianos, angolanos e brasileiros. O ‘Grandeza’ espelha um bocado isso e, sonicamente, o álbum veio procurar isso. Foi uma busca incansável por esta mensagem sónica.”


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