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Fotografia: Simon Trel / Mínima
Publicado a: 07/02/2023

Beleza no desvio à tradição.

Festival Porta-Jazz’23 — Dia 4: a bateria (quase) omnipresente

Fotografia: Simon Trel / Mínima
Publicado a: 07/02/2023

E foi com a mais dilatada formação proposta no seu cartaz, o colectivo Do Acaso, que apresentou o projecto Catarse Civil, que chegou ao fim a 13ª edição do Festival Porta-Jazz, que decorreu até este último domingo no Teatro Municipal Rivoli, no Porto.

Esta derradeira jornada trouxe também duas das mais interessantes formações do programa geral, logo a abrir o dia, os Bode Wilson, que apresentaram o seu Aether, e o projecto liquify, spread and float, resultado da parceria já longa da Porta-Jazz com o Guimarães Jazz e que contou com direcção de Inês Malheiro.

Os Bode Wilson são João Pedro Brandão (que aos seus fiéis saxofone alto e flauta acrescentou ainda pedaleira de órgão), Demian Cabaud (que também suplementou o seu contrabaixo com uma incursão no instrumento tradicional sul-americano charango, parente do cavaquinho) e Marcos Cavaleiro (bateria). Sobre Aether escreveu-se aqui, mencionando-se que esta música ”se faz de essências, de um regresso às origens, quando não existiam regras, só sons”. Tal ideia confirma-se com o concerto, de um rigor quase monástico, mas com o pendor também de tocar numa qualquer dimensão mágica ou mística, muito facilmente capaz de nos transportar para lá do espaço montado na rectaguarda do palco do Grande Auditório até um qualquer outro lugar, remoto, mas estranhamente familiar.

E logo depois, uma das grandes surpresas do festival (e curioso pensar que são os momentos de maior desvio à tradição, mais experimentais, como os que foram protagonizados por Alfons Slik, Osso Colectivo e também por este ensemble imaginado por Inês Malheiro, que se destacam entre os triunfos desta edição), a apresentação de liquify, spread and float que também mereceu anterior atenção da coluna Notas Azuis.

Ouvido em disco, esse projecto imersivo surpreende, mas não esmaga, que foi exactamente o que aconteceu no mais do que apropriado espaço do sub-palco do Rivoli, uma espécie de catacumba, em que existe uma estrutura de colunas metálicas que suportam o palco do Grande Auditório que aqui é tecto. Essa estrutura foi aproveitada para criar um diáfono cubo, um espaço envolto em plástico opaco dentro do qual se posicionaram Inês Malheiro (voz, efeitos), Daniel Sousa (saxofone, electrónica), João Almeida (trompete, efeitos), José Vale (guitarra, efeitos) e Vicente Mateus (bateria, efeitos). O lado visual esteve a cargo de Carolina Fangueiro.

Logo que terminou o concerto dos Bode Wilson e se desceu ao sub-palco, foi-se recebido por um agreste massajar dos ouvidos via drone denso e tenso que depois evoluiu para a construção de uma espessa névoa de faíscas guitarrísticas, sopros em convulsão e camadas de lenta electrónica, entrecortadas pelo ocasional assalto sónico em modo free-noise. Uma grande aventura, sem dúvida, capaz de nos levar a todos para zona inexplorada e, por isso mesmo, carregada de surpresas e motivadora de bem-vindo desconforto (nada como um abanão de vez em quando, certo?).

O sprint final (de que se viram todos os concertos, exceptuando o do projecto Into The Big Wide Open) trouxe ainda a apresentação de Membrana de 293 Diagonal (Joana Raquel na voz, Daniel Sousa no saxofone e electrónica), o AP Quarteto e o seu Nu e ainda o tal expansivo colectivo Do Acaso liderado pela contrabaixista Sara Santos Ribeiro – com Miguel Meirinhos (piano), Tiago Batista (vibrafone), Catarina Rodrigues (teclas), Hugo Silva (trompete), Pedro Matos (saxofone), André Ramalhais (trombone), José Stark (bateria), Joana Raquel, Sofia Sá (vozes), Rui Spranger (declamador) e ainda Jan Wiebza (maestro convidado). Por diferentes razões, nenhum destes concertos deixa grande memória, talvez porque nos dias anteriores tenhamos sido presenteados por momentos de elevadíssima qualidade.

Importa, finalmente, fazer uma breve contabilidade: nos 17 concertos, o mais ouvido dos instrumentos foi a bateria, usada em 16 diferentes ocasiões. Os outros dois instrumentos mais escutados foram os saxofones (embora os músicos tenham usado vários modelos, do sopranino ao tenor – barítono só mesmo numa das jam sessions…) e o contrabaixo (a surgirem, tanto os saxes como os contrabaixos, em 11 das apresentações), com o piano a ser o único outro instrumento a ter sido usado em mais de metade dos espectáculos (foi utilizado em 9 ocasiões distintas). As vozes e a electrónica em diferentes capacidades (samplers, efeitos, synths) surgiram por 7 vezes cada (os sintetizadores sempre como aditivo de outros instrumentos, do piano à bateria…) e houve 6 momentos do programa em que as guitarras puderam brilhar. O distinto som do trompete escutou-se em 4 actuações e tanto o vibrafone como o trombone, o clarinete e a flauta somaram 2 aparições nesta edição. Instrumentos que só foram usados por 1 vez? Violoncelo, pedaleira de órgão, charango, baixo eléctrico e teclas (sem serem como complemento de outra coisa qualquer). Violinos, pianos eléctricos, tubas, harpas ou até gira-discos ficarão, quem sabe, apontados para edições futuras!


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