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Fotografia: Marta Pina
Publicado a: 17/06/2022

Um dos príncipes na vanguarda da produção electrónica feita a partir de Portugal.

Em Música da Terra, DJ Nigga Fox foi até ao Congo e Angola: “É a música das minhas origens, da terra dos meus pais”

Fotografia: Marta Pina
Publicado a: 17/06/2022

Nos bairros, as ruas dançam para celebrar cada novo lançamento da Príncipe Discos. É lá, na periferia de Lisboa, que está a fonte, mas este é um rio que vai desaguar em muitas outras cidades por esse mundo fora. A editora, que se encontra agora a celebrar o seu 10º aniversário, tem dado asas aos seus artistas levando-os a sair do ninho através de digressões que os colocam frente a frente com todo o tipo de públicos. Independentemente da cor, das origens, da crença ou da camada social em que habitam, todos dançam ao ritmo do kuduro mutante destes artesãos.

Logo em Fevereiro, DJ Nigga Fox foi o primeiro a contribuir para a banda sonora da colheita 2022 com o seu EP Música da Terra, três anos depois de ter mostrado as Cartas Na Manga. Pelo meio, o produtor combateu a falta de espectáculos em tempos de pandemia com Live Nigginha Fox, enquanto a sua equipa de management lhe preparava uma digressão em torno deste seu novo projecto, para sublinhar o facto deste ser o som que segue na linha da frente ao nível da exportação musical no nosso país.

A conversa com Nigga Fox aconteceu no Jardim da Quinta de Santa Clara, a 2 de Março, a poucas horas deste ter dado início a uma travessia que o levou a diferentes pontos do continente americano. Este sábado, dia 18 de Junho, Rogério Brandão um ar da sua graça em Portugal, mais concretamente na Costa da Caparica.



Tu estreias-te pela Príncipe em 2013, mas presumo que tenhas começado a fazer música antes disso. Neste momento já deves estar com uns 10 anos de carreira, não?

Até mais. Profissionalmente, só para aí há 10 anos, ya. Eu comecei em 2008/2009. Depois fui para a Príncipe, lá para 2011/2012. A seguir é que vieram os discos. Já está a fazer 10 anos.

Antes da Príncipe já editavas coisas de forma independente?

Não. Brincava só. Eu nem sabia o que era ser DJ ou produtor. Fazia porque gostava. Mandava as músicas para o Marfox, ele dava aquela avaliaçaozinha. O Marfox é que começou a mandar [as minhas faixas] para o pessoal da Príncipe. Reunimo-nos e seleccionámos as músicas para fazer O Meu Estilo.

Foi importante a presença dessa malta mais velha? Gajos como o Marfox inspiravam-te?

Sim, sim. Eu via o Marfox, o Nervoso, o Firmeza, que também já estava lá na Príncipe, o Maboku… Comecei, aos poucos, a ganhar aquela paixão. “Afinal é mesmo isso que eu quero”. Estava a dar resultado e o pessoal estava a aderir. Fui mesmo… Atirei-me de cabeça. Agora estamos aí, na correria. Sempre.

Deixa-me adivinhar: começaste pelo Fruity Loops?

Comecei pelo Fruity Loops.

E ainda é a ferramenta que usas?

Sempre. Uso o Fruity Loops, mas agora, por acaso, até estou a usar mais a Maschine, por causa dos live sets. Mas quando estou a trabalhar nas faixas, individualmente, é no Fruity Loops. Apesar de, na Maschine, as coisas serem mais fáceis, acho que o Fruity Loops me dá mais pica, em termos de produção. Eu consigo mexer mesmo no som-

É mais intuitivo?

Intuitivo. Tal e qual. Não dá para deixar de usar o Fruity Loops. Posso utilizar outros, mas o Fruity Loops há-de ser sempre a base. Vai estar lá, sempre.

Mas, dentro do Fruity Loops, houve coisas que se alteraram no teu processo?

Muita coisa mudou. Quando eu comecei, para já, não sabia como instalar nenhum VST. Não sabia fazer quase nada. A única coisa que eu fazia era cortar samples de sons. Eu fazia o download dos sons e cortava as partes que eu queria. Fazia disso os meus samples. Era das poucas coisas que eu fazia, até porque o computador nem era meu, mas sim do meu irmão. Só quando decido investir nisto mais a sério é que começo a pedir VSTs e plugins. Eu só usava os instrumentos e efeitos nativos do Fruity Loops até há uns cinco anos. Bué gente me falava do Nexus… “Nexus? Eu não uso o Nexus. Só uso os VSTs do Fruity Loops”. Comecei a instalar plugins, até porque tinha chegado a um ponto em que a minha música se baseava sempre nos mesmos sons. Tive de inovar um bocado. Pedi alguns VSTs, outros comprei-os eu, uns dois ou três. Agora tenho uma biblioteca cheia de VSTs e plugins [risos].

A cena de tocares as tuas próprias melodias, como é que surge na tua música?

Eu faço as minhas notas e vou ouvindo se está a soar bem. Apesar de não ter nenhum curso de piano ou assim, eu tenho ouvidos e sei para onde devo levar a coisa. Não toco as notas todas à primeira. Vou fazendo até me soar bem. Comecei, também, a meter mais da minha voz. Fui mudando algumas cenas. Não muitas. O suficiente para ser diferente. Para não ser sempre a mesma coisa.

Apesar de tudo, juntas-te à Príncipe ainda bastante no início, dado que eles só tinham começado a editar poucos anos antes. Também acompanhaste esses primeiros passos da editora ou estavas mais alheado nessa altura?

Eu não conhecia a Príncipe. Só comecei a conhecer quando o Marfox me apresentou a eles. “Olha, mostrei a tua música a estes gajos da Príncipe. Eles são uma editora, fazem festas…” A partir daí, fui apanhando as cenas e tentei ir sabendo mais. Fomos evoluindo todos juntos.

O Marfox enviava-lhes as coisas por iniciativa própria ou eras tu que lhe pedias porque já andavas a ver da hipótese de editar?

Ele mandava e só me dizia depois.

Então, quando a Príncipe surge com um convite, apanha-te de surpresa?

Tal e qual. Eu fiquei, “whaaat?!” Eles disseram, “vamos fazer um EP”. Para tu veres, naquela altura eu nem sabia o que era um EP. Mas não tinha nada a perder e não custava tentar.



De que forma é que a tua estadia na Príncipe mudou a tua vida ao longo desta década?

Mudou muito… Eu até tenho uma tatuagem aqui, [da] Príncipe Discos. Nem falo só de mim. Mudou muito para todos nós. Também dá motivação para que outros putos trabalhem para conseguirem entrar na cena.

Sempre achei curioso o facto da Príncipe não ser das editoras mais badaladas no nosso país e, no entanto, conseguir ter acumulado tantos quilómetros de estrada a nível internacional.

Não sei se será-

… da honestidade do som?

Talvez. Não te sei explicar bem. Eu próprio ainda estou a apanhar a cena. Mas eu queria mesmo era ter mais cenas cá, em Portugal. Mas, de facto, o pessoal lá fora vibra muito mais do que o pessoal de cá. Sinto que agora, por cá, já estamos a conseguir ultrapassar aquela barreira e as pessoas já procuram mais.

Mas quando vão para fora de portas, sentes que há realmente uma fanbase internacional da Príncipe e que há pessoas que se deslocam de propósito a um determinado clube para vos ver?

Diria que 30% das pessoas que estão no público nos conhecem. O resto são pessoas que nos descobrem lá e ficam, “mas que música é essa? Qual é que é esse estilo?” Isso é bué bacano. Lava os ouvidos das pessoas. Para não ser só techno e não sei quê. As pessoas ficam surpreendidas com o nosso kuduro, a nossa electrónica, o afro-house, sei lá.

E nesses países que vocês visitam, sentes que estão a existir repercussões do vosso som pelos artistas locais?

Sim. Conheço alguns produtores não-portugueses. Há um gajo de Nova Iorque, com quem vou estar em breve, que neste momento só está a fazer batidas como as nossas. Ele antes fazia techno, hip hop… É paquistanês mas mora na América. Ele teve em Portugal no ano passado. A editora dele alugou o Village Underground, trouxe uns cameramen… Filmaram lá uns DJ sets dos Studio Bros, Vanyfox, Shaka Lion e outros. Ele gostou muito da nossa cena e levou-a para os Estados Unidos. Ele está sempre a mandar vídeos dele no Fruity Loops, a fazer as músicas [risos]. Isso é fixe. Também há um promotor em Itália que anda louco com a nossa cena. Um dos sítios onde eu noto que as pessoas vibram mesmo com a nossa cena é em Itália. Sei que todos os anos tenho uma ou duas datas lá, garantidamente. Posso não saber se vou actuar noutros países, mas sei que lá vou ter sempre alguma data.

O Marfox uma vez falou de Glasgow. Disse que lá as pessoas vibravam de uma forma especial com a vossa cena.

Eu já tive lá com o Marfox e com o Firmeza. O Marfox vai mais vezes a Glasgow do que eu. Mas isso também depende dos públicos.

Sentes que, mesmo dentro da Príncipe, há públicos específicos para cada artista?

Sinto. E isso é fixe. Eu sinto que tenho o meu público. No meu público pode até haver quem não conheça o Marfox ou o Firmeza. É bom sentir que as pessoas não estão só focadas num artista.

Nós já ouvimos o Marfox e a Nídia a assinar instrumentais para artistas de voz internacionais. É algo que faz parte dos teus planos, começar a colaborar nesse sentido?

Por acaso, tenho aí um projecto… Depois desta digressão, vou para a Polónia trabalhar com um cantor e produtor. Vou fazer uma sessão de estúdio com o gajo. É raro eu fazer alguma cena desse género. Artistas de voz, tinha de ver… Há alguns com quem gostava de trabalhar, mas que não têm nada a ver com o meu estilo. Tipo o Dillaz, o Allen Halloween… Podem aparecer outros. É uma questão de ficarmos no estúdio para ver se encaixa ou não. Se aparecer, não me importo. Mas não é algo que me faça ser eu a ir procurar.

Em relação ao teu novo EP: isto é música de que terra?

Da terra dos meus pais. É a música das minhas origens. Do Congo. Quando era puto, os meus pais tinham bué cassetes, CDs, DVDs — e todos aqueles aparelhos. Eram as músicas da terra deles. Daí Música da Terra. Até porque quando comecei a fazer kuduro foi com essa influência das músicas que eles ouviam. Os meus pais são do Congo, depois foram para Angola e eu nasci lá.

Samplas essas coisas?

Não directamente. Não tenho as cenas para converter para digital. Mas vou no YouTube buscar, pelo nome do artista e não sei quê. Saco de lá. Não samplo directamente.



Que nomes são esses?

Desde o Bonga, Koffi Olomide, Fally Ipupa, Papa Wemba… À excepção do Bonga, todos são do Congo. A nível de kuduro, ouvia bué o Sebem, Máquina do Inferno, o Puto Prata, que agora já não canta. Eram bués. A minha família enviava bué cassetes de Angola. Um gajo ficava só a papar kuduro.

Samplaste alguns destes nomes para chegar a estes temas?

Alguns. Acho que a “Madeso” foi a única para a qual recorri a samples antigos. O resto foi tudo na Maschine.

Vocês, na Príncipe, pegam nesses sons tradicionais das vossas origens e transformam-no em algo novo. Sentes que essas culturas que vos inspiram já se aperceberam do que se está a passar em Lisboa, ao ponto de agora serem vocês referências para eles?

Em Angola, infelizmente, por causa do afro-house, muitos deixaram o kuduro. Só alguns artistas é que continuam, como o Nagrelha. Esse está mesmo a fazer kuduro — aquele de 140 BPMs. O resto anda tudo nos 130, ali para o afro-house. O Scró Q Cuia, o Nerú Americano… É tudo afro-house. O Scró Q Cuia está muito famoso em Angola e ele, às vezes, vem tocar a Lisboa, ao Docks. O que é que ele faz? Ele fala com os produtores daqui, como o DJ B​.​BOY, da Príncipe. Ele pede beats ao B​.​BOY e faz animações por cima, fala coisas. É isso que ’tá a bater agora, em Angola. Eles vêm cá buscar beats, metem-se a rimar, com flow… Só que não falam nada de especial. O pessoal ’tá numa febre disso. Acho que é por causa do beat. É 90% devido ao beat.

Falaste-me aí em dois tipos de BPMs. No caso do Música da Terra, isto são batidas que se encontram dentro de que intervalo de BPMs?

Varia bué. A “Gás Natural” é 125. A “Madeso” é 130. Normalmente, as minhas músicas de pista de dança são 130. Tenho a “Sasuke” a 122 ou lá o que é. Nenhuma tem o mesmo BPM.

Como é que tu fechaste este disco? És tu que fazes a música de propósito, já a pensar nesse quadro maior?

Não. Eu nunca faço música a pensar, “vai para um disco”. Eu faço N músicas e envio-lhes [à Príncipe]. Escolhemos juntos. “Olha, esta faz mais sentido”. Por exemplo, eu tenho outro álbum preparado. Eu posso mandar-lhes umas 100 músicas, por exemplo. A gente senta-se a ver qual é que combina com qual.

Tens ideia das alturas em que fizeste cada um destas batidas?

Não são deste ano. Foram feitas antes do COVID. Eu tenho muita música. Só o “Gás Natural” é que foi feito durante o COVID.

Nesse próximo álbum que me falaste já ter em mãos, sentes que há uma diferença no teu som entre o antes e o depois do COVID?

A única coisa que o COVID me trouxe foi tempo para terminar o meu próximo set [risos]. Em termos de música, acho que nada mudou. Só me ajudou com o live set. Tive muito tempo para aprender e para errar. Fez-me evoluir.

Tu estás em vias de partir para a América para uma digressão. É a tua primeira vez lá?

Já lá tinha estado. Vou repetir uma sala, em Nova Iorque, chamada Nowadays. É muita bacana. É gigante. Tem um espaço interior muito fixe. E as pessoas lá são bacanas. Eles dançam mesmo de tudo [risos]. Lá é muita bom. Tirando o Nowadays, não repito mais nenhuma sala. Vou tocar sempre a sítios novos. Vou a Washington, que nunca tinha ido. Vou a Filadélfia. Não vou a Los Angeles, infelizmente. Nem a Miami. Miami foi mesmo aquela data que eu queria bué, só que caiu. Ao México já tinha ido. Vai ser fixe.

Quando regressares, começas a tratar do lançamento do outro álbum que me disseste já ter preparado?

Vai depender de como correr a promoção deste. Se o Música da Terra bater durante dois anos, sai daqui a dois anos. Entretanto, vou fazendo mais músicas. Quando for para lançar, logo se vê se sai mesmo esse ou se a gente faz outro.

Já tens título?

Não. Nem título, nem capa. A capa, tenho de a dar no “mágico” para ver o que é que ele faz [risos]. O título é sempre o mais difícil de arranjar, para mim. Fico dias a pensar. “Que nome é que eu vou dar? Não sei!” Mas até lá terei um que faça sentido.


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