pub

Fotografia: Tiago Cortez
Publicado a: 07/06/2022

Um desfile de êxitos a servir de combustível para considerações sobre o futuro da pop.

Dua Lipa na Altice Arena: não há espaço para a nostalgia quando o presente é tão bom

Fotografia: Tiago Cortez
Publicado a: 07/06/2022

Uma Altice Arena praticamente esgotada. Público na ânsia para abanar a anca, sentir-se feliz e livre durante 90 minutos da mais poderosa e bem construída música pop que o mundo teve o privilégio de ouvir (e, agora, também ver) nos últimos anos. O ringue de combate estava, então, montado, as peças alinhadas para um verdadeiro espectáculo.

A razão para tal agitação é simples de enunciar. Depois de mais de dois anos de espera, Lisboa teve finalmente, neste dia 6 de Junho, segunda-feira, a oportunidade de celebrar Future Nostalgia, o segundo disco da carreira de Dua Lipa que tanto nos colocou a dançar em casa durante o confinamento, marcando também o regresso da artista a Portugal depois da sua passagem pelo MEO Sudoeste, em 2017. Lisboa pode não ter tido a honra de ter sido a primeira data portuguesa desta digressão em torno do longa-duração – essa ficou para o Altice Forum, em Braga, onde tocou no dia anterior (5) – mas teve a honra de ser a 60º data do périplo da artista de suporte a Future Nostalgia — ou 837 246 espectadores depois –, esse álbum que, podemos dizer sem medos, é já um clássico pop. Um disco recheado de tantos êxitos ganha logo esse certificado, certo? Mas já voltamos aí.

Antes da artista britânica com origens no Kosovo domar a Altice Arena, o público que ali se encontrava teve o prazer de receber de braços abertos Griff. Em 2021, a jovem artista britânica recebeu o prémio Estrela em Ascensão nos Brit Awards e, a Braga e a Lisboa (e nas restantes datas europeias da digressão de Dua Lipa), em 2022, trouxe uma coleção de singles e a sua mixtape de estreia, One Foot in Front of the Other, para apresentar. 

Talvez um nome desconhecido para muito do público, Griff, acompanhada de um teclista e baterista, acabou por se revelar uma bela surpresa, animando a festa durante cerca de 30 minutos. Curiosamente, a sua música, especialmente faixas como “Say it Again” ou “Forgive Myself”, revela bastante influência do trabalho desenvolvido por Dua Lipa no seu disco homónimo de estreia e em Future Nostalgia (mais o primeiro que o segundo), servindo quase como uma pequena amostra do legado que Dua Lipa já está a criar no mundo da pop. Mas se Griff podia reger-se pelas suas influências – “Head on Fire” e “Walk”, por exemplo, ostentam a marca de uma Lorde nesta pop dançável, mas algo escura (obrigado, Melodrama, por nos deixares com tais nobres descendentes) –, a sua presença em palco e interacção com o público revelaram-se mais do que eficazes para aquecer a sala e preparar o público para a gigante que vinha depois.

Da parte de Griff e companhia fica ainda para a história a explosão de “One Night”, um bop de synthpop, que virou ainda uma semi-cover de “I Wanna Dance With Somebody”, clássico de Whitney Houston, em que o público acompanhou o refrão de tal forma que o eco fez-se sentir no interior da Altice Arena, ou a eficácia pop de “Black Hole”, canção que fechou o set da artista. Conclusões a tirar sobre Griff? Nome a observar com mais atenção daqui para a frente. Já agora, dica para futuras considerações: os seus talentos como vocalista e poeta podiam ser bem explorados com umas produções de Jack Antonoff.



Voltemos, então, agora sim, àquilo que toda a gente estava desejosa de enfrentar na Altice Arena: o desfile de êxitos de Dua Lipa. Pouco depois das 21 horas, o apagar das luzes e o acender do ecrã anunciava: “Dua Lipa apresenta Future Nostalgia“. E o que é esta Future Nostalgia? O segundo longa-duração de Lipa confirmou o potencial que a artista havia demonstrado com o seu longa-duração homónimo e é extremamente eficaz a aplicar regras do passado para criar hinos do presente, não obstante aquilo que surja no futuro. Contudo, a nota deixada em “Future Nostalgia”, tocada como primeira faixa do encore e aberta com uma dança sincronizada da artista com uma introdução pujante de bateria, lembra-nos a missão final de Dua Lipa: “You want a timeless song, I wanna change the game”. Não esquecer esse objectivo.

Mas de canções “intemporais”, de facto, se vai fazendo, criando e mutando a pop, e Future Nostalgia e a sua transição para o palco não esquece isso – influências fundamentais em Future Nostalgia vão sendo homenageadas ao longo do concerto. Num dos interlúdios entre os vários actos – quatro no total, tal como o número de outfits ostentados pela artista -, figuras que se assemelham aos capacetes dos Daft Punk surgem no ecrã, o duo francês cuja influência bem se sente ao longo de Future Nostalgia. Em certo momento do espectáculo, até se fazem ouvir elementos de “Technologic”, faixa de Human After All, terceiro longa-duração dos robôs, durante “Hallucinate”, club banger que bem poderia ter saído de Discovery com um adicional “brilharete de guitarra rítmica”, algo já notado por Pedro João Santos em 2020, aqui no Rimas e Batidas. Noutro momento do show, vocaloids adicionados de fundo a “Levitating” – faixa com que Dua Lipa sobrevoou o público com a ajuda de uma plataforma – voltaram a lembrar o impacto da dupla francesa no seu output.  

A inclusão de “Hallucinate” no terceiro acto do concerto não pareceu ter sido à toa. Se a canção invoca os Daft Punk, faz todo o sentido que “Hallucinate” estivesse inserida num momento do show que mais se assemelhou a uma espécie de mini-DJ set, aberto por um interlúdio com alguns dos remixes incluídos em Club Future Nostalgia e uma interpolação de “Hollaback Girl”, faixa de Gwen Stefani que continua a justificar (e bem) abanicos de ancas 18 anos mais tarde. A banda desapareceu de palco e cedeu o lugar aos dançarinos e a Dua Lipa que assim fizeram a sua magia, numa interacção megalómana que mais se assemelhava a um Halftime Show da Superbowl que a concerto de arena.

Ouviu-se, durante o terceiro acto, além de “Hallucinate”, “One Kiss” (com Calvin Harris), “Electricity” (com os Silk City) e “Cold Heart” (com Elton John, numa remistura feita pelos PNAU), que justificou um término em confraternização entre público e artistas, com as bandeiras LGBT e de Portugal a surgirem em palco. Não foram as únicas colaborações que se ouviram: “Fever”, faixa com Angèle e uma boa canção pop, foi tocada no segundo acto, naquela que é a melhor colaboração que Dua Lipa lançou no período pós-Future Nostalgia.

Contudo, se os Daft Punk e outros tais da house francesa do virar do milénio construíam muita da sua música à base de samples, a escola de Dua Lipa não corre tanto nessa direção. Há uma mistura entre um jogo de produção de quem conhece muito bem os estilos da música de dança, seja o (nu-)disco, a house, a synthpop, e de como os cruzar com instrumentação orgânica – houve banda ao vivo em três dos quatro actos.

A forma como o concerto abriu, com uma versão estendida de “Physical” – uma das melhores canções de dance pop dos últimos anos -, e com direito a apresentação dos dançarinos que iriam acompanhá-la em palco (e que tanto ajudaram a cumprir o show da coisa), resume de certa forma tudo isso. Bateria agigantada a la anos 80, sintetizadores pulsantes, baixo demoníaco pronto a levar-nos para a pista de dança e Dua Lipa a surgir, no centro do palco, para comandar, com toda a confiança, sensualidade – sempre presentes ao longo do concerto – e empoderamento de quem é absolutamente dominante quando trabalha. Como é que esta é a mesma pessoa que nos deu o meme de “go girl give us nothing!”? Já se criaram teorias de conspiração por muito menos.

Foi também no primeiro acto do concerto que se ouviram as duas malhas que sobraram de Dua Lipa para esta digressão, “New Rules” e “Be The One”. Apesar destas canções terem pouco a ver, esteticamente, com as faixas de Future Nostalgia – tocado na íntegra –, a sua inclusão não tirou combustível ao concerto, que mesmo nos seus momentos mais “calmos”, como “Good in Bed” – esta com dedicatória a um fã após Dua Lipa ter gostado de uma tatuagem sua — ou “Boys Will Be Boys”, nunca desceu de energia.

As danças, coordenadas e ensaiadas perfeitamente, deram vida extra a canções como “Break My Heart”, “Love Again” ou “Pretty Please”. Dançar foi a norma no interior desta Arena, um diálogo constante entre Dua Lipa e o seu público, que tanto cantava e dançava ou acarinhava a artista. A satisfação de toda a gente pareceu óbvia quando os últimos acordes da groovy e funky “Don’t Start Now” soaram, para a explosão final de confettis fechar esta festa.

Portanto, se a satisfação no final do concerto era máxima, naquilo que mais próximo tivemos de uma gigante pista de dança no pós-pandemia, o que é que podemos considerar mais sobre Dua Lipa? 

Primeiro, a sua evolução enquanto artista, claro, especialmente em cima de palco. O concerto na Altice Arena garantiu que Dua Lipa é uma performer acima de tudo, alguém capaz de domar o público a seu belo prazer, conjugando os tons de show pop com o de teatro rock. Há, de facto, algo de muito teatral naquilo que apresentou e, porém, também de sincero, no sentido que tudo isto parece ser o culminar da sua visão artística para o universo em torno de Future Nostalgia

Segundo, o próprio sucesso de Dua Lipa e Future Nostalgia leva-nos a pensar sobre o papel da artista actualmente no reino da pop e também sobre o papel da estética retro na pop contemporânea. Tendo em conta o seu posicionamento no espectro actual, seremos capazes de dar-lhe o título de nova rainha da pop? Responder a esta pergunta de forma afirmativa é complicado para já, dado que dois álbuns – ambos bem conseguidos, mesmo que Dua Lipa esteja um degrau abaixo de Future Nostalgia – podem não ser suficientes para lhe dar o trono, mas aquilo que se viu em cima do palco da Altice Arena coloca-a bem perto do topo. O próximo passo dado pela artista, seja ele qual for, pode ser interessante para pensar nessa perspectiva – veremos se cumpre as expectativas, que estão em alta. Considerações sobre a estética retro, contudo, dão mais que pensar. 

2020, ano em que foi lançado Future Nostalgia, parece ter reacendido algumas chamas face à pop do passado – especialmente a dos anos 80. Além de Future Nostalgia, After Hours, de The Weeknd (e o seu sucessor, Dawn FM, lançado já em 2022), What’s Your Pleasure?, de Jessie Ware, Róisin Machine, de Róisin Murphy, e DISCO, de Kylie Minogue (rainha das explorações com sonoridades do passado para criar pop orelhuda e despretensiosa), embarcaram em viagens ao passado para tentar construir um novo presente para a pop. E todos com excelentes resultados.

Portanto, isto significa que os tempos do passado são, de certa forma, superiores aos actuais? Dado que todos estes trabalhos – Future Nostalgia incluído – são bons ou muito bons, a resposta parece ser um claro não (e alguém já respondeu a esta pergunta de uma forma que este vosso escriba não conseguiria). Contudo, a ideia mais crucial a retirar dessas explorações que têm tanto de futurista como retro está inscrita no título do álbum de Dua Lipa: Future Nostalgia. O futuro da pop, de momento, parece ser este – e se a música é assim tão boa e se os espetáculos ao vivo são ainda melhores, que queixas temos nós a relatar sobre armadilhas nostálgicas disfarçadas de pop mega eficiente? A resposta – e não há uma correcta — fica à mercê de cada um. Mas nunca se esqueçam de se divertir.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos