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Publicado a: 08/10/2018

DJ Marfox: “As pessoas sentem-se lisboetas, mas não conhecem Lisboa”

Publicado a: 08/10/2018

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Marta Pina

Para quem segue atentamente todas as iniciativas e cenas musicais que surgem em Portugal, o nome Marlon Silva vem rapidamente à cabeça por se tratar de um pioneiro no mais recente som luso-africano que emergiu da periferia da capital. Batida de Lisboa no Nova Batida? Não poderia fazer mais sentido do que isto e o ReB também “comprou” a ideia, tendo marcado presença nos dois dias do festival que se estreou em Portugal e aproveitando a oportunidade para ver, ouvir e falar com Marfox.

Em 2013, o DJ e produtor da Quinta do Mocho inaugurou o catálogo da Príncipe Discos com o EP Eu Sei Quem Sou. Cinco anos depois, a editora que ajudou a cimentar é uma das pérolas mais bem guardadas dos arredores de Lisboa, uma fonte inesgotável de talento e calor musical, que hoje tem condições para abrigar e promover novas promessas dessa electrónica com sabor a África, como é o caso de Nídia, por exemplo, que até já subiu a fasquia ao colaborar no último disco de Fever Ray com uma batida selvática que lhe valeu rasgados elogios da Pitchfork em época de balanços.

Marfox contou ao Rimas e Batidas que está neste momento a planear um novo projecto e também revelou que vai seguir as pisadas da sua colega, estando também ele a envolver-se criativamente na produção de canções para outros artistas. A britânica Georgia tem um novo disco em mãos, que será carimbado pela Domino Records, e vale a pena ficar alerta: o artista tem as suas impressões digitais em cinco faixas do projecto que irá suceder o homónimo álbum de estreia.

 



Tu ainda não tocaste e não sei se estás familiarizado com o Nova Batida. Já calhou ires à versão do festival em Inglaterra?

Ainda não.

Conheces bem este espaço do Village Underground, presumo. E até tem muito a ver com a tua música. É muito global. Já tens algumas impressões do festival que se está a estrear em Lisboa?

Sim. O nome está bastante ligado a esta nova música que nasceu em Lisboa. Música afro-descendente. Eles não pensaram duas vezes. É o que toda a gente fala lá fora — desde Buraka [Som Sistema] até Batida, DJ Satélite ou a Príncipe Discos. É este o novo som da cidade, que está a incendiar as pistas lá fora. Para mim faz todo o sentido terem a coragem de dar este nome “Nova Batida” a um festival. Sinto-me privilegiado por fazer parte do primeiro line-up deste festival.

É engraçado estares a dizer isso de um festival que vem de Inglaterra, até porque alguns dos turistas que cá vêm, e que estão a par da vossa música, mostram curiosidade em conhecer a Quinta do Mocho — o bairro, as cores, os graffitis, os soundsystems, os assados, as festas…

Não é sempre assim. [risos]

Claro. Como em qualquer zona. Mas acaba por ser esse o “filme” que se transmite para fora e acredito que condiga com o espírito de comunidade que vocês mantêm por lá.

Quando acontece, acontece. É festa da rija. Todo o bairro se sente privilegiado por isso. É um bairro que está a sofrer uma mudança, não tão rápida como se esperava por parte de algumas pessoas. Mas está a saber receber as pessoas de fora e isso tem sido fantástico. Acho que o próximo passo é tentar fazer festas ainda maiores por lá. Tentar acolher todos os turistas e todas as pessoas da cidade. Quem está na cidade, acho que deveria tentar perceber quem são estas pessoas do bairro e como é que elas vivem. Como é que fazem esta música. Acho que é importante. As pessoas sentem-se lisboetas, mas não conhecem Lisboa. Lisboa não é só o centro da cidade, é toda a periferia. Essas pessoas é que dão o toque a Lisboa. Dão-lhe a mística. Não é bem medo nem preconceito, mas as pessoas deviam despir-se de uma certa ideologia que está enraizada. Seguir em frente. Se em Londres se consegue ir visitar um club super restrito de grime e as pessoas se sentem felizes com isso, acho que aqui em Portugal se deveria visitar a Quinta do Mocho. Verem o que nós estamos a fazer. É um fenómeno da periferia.

E é precisamente na periferia que costumam ser criadas novas correntes artísticas  Vai de encontro àquele conceito de conseguirmos olhar para dentro a partir de fora. Não estamos todos 24/7 ali no centro. Conseguimos analisar a cidade com outros olhos e relatá-la em música, palavras e outros tipos de arte.

Tem esse lado fantástico. E é engraçado eu dizer isto e ao mesmo tempo criticar: eu acho que esta música também só conseguiu ganhar esta estrutura e este peso porque nunca houve uma intervenção directa com esta música mais cedo. A música teve tempo para crescer, para ganhar a sua própria estrutura e o seu próprio meio de divulgação nas periferias. Só depois é que houve toda uma Lisboa a falar sobre esta música. Se fosse algo que tivesse acontecido em 2006 ou 2007, muitos dos miúdos hoje não estavam a fazer música. Olhavam mais para os números do que para a paixão pela música. Deu tempo para que eu, o Nervoso e outros pioneiros do movimento tivéssemos a oportunidade de pensar em formar uma estrutura para que a música tivesse peso. As novas gerações olham para nós como referências e não se perdem logo no primeiro momento de fama. Isso foi fixe.

Quando não estás na Quinta do Mocho, por onde é que costumas andar?

Eish!

Acredito que seja um pouco por todo o mundo. Mas quais são os locais que têm sido mais frequentes na tua agenda?

Este ano já estive em África duas vezes, no Quénia e Angola. Europa é a minha hometown. [risos] Estou a ver se vou aos Estados Unidos da América. À Ásia não sei se vou, está difícil.

Qual é a zona do globo em que sentes que és mais bem recebido?

Em todo o lado. A coisa mais espantosa, que eu noto nos artistas da Príncipe, é que que as pessoas percebem a mensagem. Desde os prints do Márcio Matos ao puto mais novo, que tem 16 anos e já editou um EP pela Príncipe. As pessoas percebem toda a história e toda a cronologia. Recebem cada artista de forma épica. Mas o local onde eu mais gosto de tocar é em Glasgow. Não te sei dizer porquê, só sei que aqueles gajos são doidos da cabeça. [risos] Já toquei em muitos sítios mas, sempre que vou a Glasgow, epá… Já lá toquei numa quinta-feira, numa quarta-feira, em qualquer dia da semana. E sempre que eu lá vou… É do caraças! O calor das pessoas. Elas vão lá mesmo para a festa! Com o Nigga Fox a mesma coisa, com o Firmeza, a Nídia… Quando lá vai um artista da Príncipe, a festa é rija!

É engraçado o contraste: uma sonoridade tão quente num país tão frio.

Ya. É fantástico. Adoro tocar em Glasgow. Gosto de tocar em Londres ou Nova Iorque, mas em Glasgow, sempre que vou, nem penso duas vezes. “Vamos fechar uma tour no Reino Unido e passamos por Glasgow”. Nem penso duas vezes. É muito reconfortante, sabes? Às vezes estás na estrada a tocar durante três ou seis meses sem parar um fim-de-semana em casa. Em Glasgow, as pessoas ficam todas à espera lá fora para te dar um abraço e dizer “eu vim cá ver-te outra vez e sempre que vieres eu volto”. São coisas que não têm preço. Se me disserem que me pagam apenas o voo para ir a Glasgow, eu vou. É fantástico o amor que nos dão em Glasgow. Não há preço para aquilo que me dão quando lá vou.

No teu SoundCloud, tenho notado que estás mais virado para as remisturas. É uma fase diferente que atravessas?

Não precisamente. São trabalhos que me dão gozo e experiência. Tentar perceber como é que será a minha abordagem a uma determinada música. Tem-me dado um gozo fantástico e tem-me feito crescer enquanto produtor. Agora vou começar a preparar o meu EP, com mais calma, depois de ter editado o Chapa Quente há dois anos. Agora tenho um estúdio com as condições ideais para trabalhar a minha música. Vou poder preparar um EP melhor e mais maduro.

Arranjaste máquinas novas? Softwares novos?

Tenho tudo o que eu sonhava ter quando era puto e não podia. Tenho três monitores de referência, um subwoofer, um computador novo, bons teclados, máquinas, VSTs, samplers de um terabyte… Tudo coisas dadas pelas marcas. Há coisas que te vão acontecendo e que tu não percebes. Mas depois penso “trabalhei estes anos todos até as pessoas perceberem o que eu estava a fazer”. Agora todo o mundo está com os olhos postos em nós. As pessoas acreditam nesta música. Sentem, dançam, compram os discos. Isso acaba por gerar um retorno financeiro. Posso ter material que eu antes nem conhecia, mostrado por um amigo ou outro. Por exemplo, tenho um amigo que agora está por cá e disse-me “compra esta placa de som, que é boa”. E é verdade. Eu ia comprar uma mais barata e ele disse “não, a que tu vais comprar é top mas vai antes para esta, que te pode abrir portas para que, se um dia tu quiseres ir para as máquinas, possas trabalhar tudo em analógico.”

É algo que ambicionas? Fazer um trabalho só com máquinas, sem computador?

Sim. Eu comecei a fazer música apenas com o computador e quero ir também para o analógico. Quero experimentar o analógico. Perceber até onde é que o analógico vai e tirar o máximo proveito daquilo. O mesmo se aplica com o DJing. Comecei com o computador, com o programa PCDJ, duas pistas e uma mesa de mistura. Depois fui para os controladores — Traktor e outros programas. Agora estou nos CDJs. O próximo passo é o vinil. Tenho de experimentar tudo. Uma pessoa tem de ter noção de como é que isso funciona.

Sobre esse projecto de que falaste há pouco, tu já o estás a compor ou ainda estás a delinear ideias?

Ainda não. Quando eu te digo que não estou a fazer música, refiro-me a não estar a fazer música nova. Mas tenho muita música boa, da altura em que estava a fechar o Chapa Quente. É uma questão de eu me sentar e estruturar. Tenho projectos mais antigos que o Chapa Quente, que até tem uma história muito engraçada: é um projecto de 2008 e que em 2016 eu lhe dei uma nova roupagem. Como já trabalho há muito tempo e sempre com o mesmo programa de produção, os projectos é só arrastar e abrir. “Eu fiz isto. Esta é a minha base”. Então vou dar-lhe uma abordagem mais fresh.

Esse disco que dizes ter nos planos será uma nova edição pela Príncipe?

A Príncipe é a minha casa. É o meu porto seguro. Com todo o respeito que tenho pelas outras editoras, a Príncipe é como se fosse um filho. E o que é que fazemos a um filho? Alimentamo-lo. A Príncipe é isso para mim. Posso editar [por outra editora], como já editei. Tirei benefícios disso, de toda a internacionalização. Mas acredito que a Príncipe está cada vez mais coesa. A Nídia, Nigga Fox, Lilocox, Lycox, P. Adrix… Somos muitos. A marca Príncipe está a ser bem reconhecida. Já fomos a todos os continentes, já tocámos em todos os sítios que tínhamos para tocar. Agora é continuar a trabalhar.

Agora que falas na Nídia, lembrei-me que ela assinou uma das canções do ano passado para a Pitchfork, que entrou no disco da Fever Ray. Também estás a fazer alguma coisa nesse registo, a produzir para outros artistas?

Fechei uma co-produção com uma artista da Domino Records. Vai sair em breve. Só não saiu há mais tempo porque me atrasei a assinar o contrato [risos]. Foi bom. Fiz a co-produção de cinco faixas.

Podes revelar-nos de quem se trata?

É a Georgia, uma miúda nova. Vai bombar aquilo. [risos]

 


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