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Ilustração: Riça
Publicado a: 03/06/2020

Do hip hop para qualquer lado: Crónicas de um HipHopcondríaco é da autoria de Manuel Rodrigues.

Crónicas de um HipHopcondríaco #47: Casos de polícia

Ilustração: Riça
Publicado a: 03/06/2020

Vivemos tempos de elevada agitação social causada pela morte de mais um afro-americano nas mãos da polícia. Os tumultos e a discussão concentram-se naturalmente nos EUA mas estendem-se ao resto do mundo, com países como a França, Grécia, Alemanha e Reino Unido a saírem à rua para dizerem não ao racismo e a brutalidade policial em geral e ao caso de George Floyd em particular, que morreu depois do joelho de um polícia o ter asfixiado em plena luz do dia e sem qualquer remorso durante cerca de nove minutos. Há um grito que se ouve em uníssono: justiça. Não há crime que Floyd pudesse ter cometido que justificasse ser morto depois de detido e algemado — muito menos o de alegadamente ter comprado tabaco com uma nota falsa. Tudo nesta história soa a ridículo, inacreditável e, sobretudo, inaceitável.

É normal que isto tudo gere uma onda de insurreição e que a polícia esteja no epicentro deste sismo que já tomou proporções desmedidas nos EUA, com alguns protestos a escalarem muito rapidamente o patamar do pacífico e com Trump a ameaçar colocar os militares nas ruas caso os governadores não consigam ter mão nos manifestantes — por mais que concorde com a saída às ruas para que estas vozes sejam de uma vez por todas ouvidas, não consigo compactuar com os actos de violência, roubo e destruição, aparentemente causados por grupos que se infiltraram nas acções pacifistas. Contudo, não é nada de novo na história norte-americana, principalmente se remontarmos a 1968, ano em que o assassínio de Martin Luther King gerou uma onda de tumultos de elevada proporção em várias cidades; a 1992, quando o espancamento de Rodney King incendiou as ruas de Los Angeles; a 2015, quando a morte de Trayvon Martin, Michael Brown e Eric Garner impulsionaram os protestos Black Lives Matter em Ferguson e Baltimore. Exceptuando o caso de Luther King, todas estas mortes tiveram algo em comum: civis desarmados que, apesar de terem ou não cometido crimes, foram mortos por polícias.

A revolta cresce e, a dada altura, o inimigo é visto como um só, sem que se faça a distinção entre os bons e os maus profissionais. É óbvio que nem todos os polícias são iguais e que há quem faça bem o seu trabalho. É sempre mau ver o justo a pagar pelo pecador, ainda para mais quando as manifestações mostram agentes do lado certo da razão a ajoelharem-se como forma de prestar a sua devida homenagem a George Floyd. As generalizações são sempre más seja em que segmento for, seja qual for o assunto. Que se faça justiça de uma vez por todas para que a paz nas ruas possa ser restabelecida e para que se possa finalmente sonhar com um mundo melhor e mais equilibrado, onde os criminosos são presos por cometerem crimes e onde os polícias também são presos por cometerem crimes.

Por vezes, quando estas coisas acontecem, dou comigo a pensar na razão que levará um polícia a matar um afro-americano desarmado quando este já está detido e algemado — ou, como no caso de Trayvon Martin, a caminho da casa de um familiar. A reposta imediata é: racismo. Mas não acredito que se fique apenas por aí. É possível que haja um trauma ou qualquer tipo de recalcamento com experiências do passado ou ainda qualquer tipo de patologia psíquica aliada. No outro dia, enquanto meditava sobre o assunto a ler o rol de casos em que polícias tiraram a vida a civis negros sem que isso se reflectisse em qualquer tipo de sentença (em algumas situações absolvidos por alegarem terem agido em legítima defesa) veio-me à cabeça o tema “Casos de Polícia”, dos Da Weasel, presente em 3º Capítulo, e cuja letra gostava de partilhar aqui:

“Andei na escola com o Bruno que era bom aluno
Uma noite mijou na rua, foi pouco oportuno
Um jipe de geninhos ia a passar e viu a cena
Azar, levantaram logo a antena
Aí está um pretexto tão bom como outro qualquer
Geninho gosta mais de bater
Do que dormir com uma mulher
Não conseguiram disfarçar o seu regozijo
Quando viram o puto a ficar da cor do mijo
‘Com que então
Fazes da rua a casa de banho, campeão?
Mostra-nos lá a tua identificação!’
Antes de ter dito o que quer que fosse
Um deles já lhe tinha dado um calduce
Começou a levar forte e feio
Quando acabaram o Bruno já fazia parte do passeio
‘Temos a tua morada’, disseram-lhe ao ouvido
‘Chibas-te e vais-te arrepender de ter nascido’
O Bruno então cresceu mas o trauma sempre ficou
Por ironia do destino, polícia se tornou
Ontem bom aluno, hoje mau polícia em Almada
E nunca resolve os casos sem ser à estalada
‘Nunca faças aquilo que não gostas que façam a ti’
Mas hoje em dia é muito raro o polícia que pensa assim
Não pensa nas consequências e prepotência é a delicia
Abusa da sua farda, deixando mal toda a polícia
Cada vez são menos os que realmente protegem
E mais aqueles que batem e mesmo em serviço bebem
Mas enfim, o Bruno é polícia e ruim
Será que foi pelo seu passado ou tem prazer em ser assim?”


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