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Ilustração: Riça
Publicado a: 15/07/2020

Do hip hop para qualquer lado: Crónicas de um HipHopcondríaco é da autoria de Manuel Rodrigues.

Crónicas de um HipHopcondríaco #49: Conta-me como (não) foi

Ilustração: Riça
Publicado a: 15/07/2020

Foi um final de semana em grande no Passeio Marítimo de Algés. A edição deste ano do NOS Alive trouxe a palco uma imensidão de artistas, espalhados por vários géneros e expressões, e trouxe, sobretudo, um mar de gente, repartido entre várias idades. Na sexta-feira, Billie Eilish protagonizou uma das maiores enchentes, servindo músicas do seu álbum de estreia When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, que mereceu afinados coros por parte dos seus fãs e seguidores, principalmente em temas como “Bad Guy”, “Bury a Friend” e “When The Party’s Over”. Um dia antes, na quarta-feira, Taylor Swift mostrou-se competente ao microfone mas foi em Alt-J e Parov Stelar que os radares mais exigentes se centraram.

No sábado, o cardápio sugeriu uma festa com os Two Door Cinema Club e uma prova de fogo com o rock dos The Strokes de Julian Casablancas, que assim se redimiu da desastrosa passagem pelo Super Bock Super Rock, em 2018. Quem marcou presença na Altice Arena, certamente recordará o “massacre interminável de hora e meia”, como o descreveria a BLITZ, de Casablancas e os seus Voidz. O som “incompreensivelmente alto, estridente e até prejudicial para a saúde dos ouvidos”, como sublinhou Ricardo Farinha na sua reportagem para a NIT, levou a um abandono em grande escala da sala ribeirinha. A actuação de sábado foi, por isso, uma espécie de redenção para com o público português. Nesse mesmo dia, os Da Weasel sacudiram o pó do baú e, até que enfim, mataram saudades do palco, com um concerto que trouxe à memória os tempos áureos das Semanas Académicas e das feiras de agricultura e artesanato por onde tantas vezes passaram e tanta poeira ergueram. Do lado de cá, dezenas de milhares vibraram com a energia vulcânica do colectivo que, além de se ter mostrado em grande forma, ainda provou que há músicas que não falecem com o tempo e que, neste caso em específico, envelhecem como um bom vinho trancado em barricas de carvalho. “Re-tratamento”, “Dialectos de Ternura”, “Força (Uma Página de História)”, “Casa”, “Toque-Toque”, “Dúia”, “Todagente”, “Carrossel (Às Vezes Dá-me Para Isto)” e “Mundos Mudos” foram o combustível certo para incendiar a audiência, mas foi em “GTA”, “Bomboca (Morde a Bala)” e “Tás na Boa” que o sangue ainda jovem destes veteranos se fez notar. Guilherme imponente na bateria, Jay Jay irrepreensível no baixo, Quaresma com o seu característico riff, DJ Glue a colocar à prova tudo o que desenvolveu nos anos pós-doninha, Virgul com a voz no sítio certo e Carlão com a sua lírica bem ensaiada e primorosamente entregue, com o timbre e a colocação que tão bem lhe conhecemos. Figas feitas para que este momento inesquecível se volte a repetir. Um regresso em grande.

As grande atenções da edição deste ano do NOS Alive focaram-se, como seria de esperar, no primeiro dia, em Kendrick Lamar. Este foi o terceiro concerto do rapper norte-americano em Portugal. O segundo da era pós-TPAB, o primeiro da era pós-DAMN. Lamar, que deixou uma vincada marca na última passagem por cá — quem não se lembra do fantástico concerto perante uma Altice Arena em avançado estado de ebulição, que, a dada altura, misturou aplausos e veneração divina com cânticos desportivos (a selecção portuguesa derrotara a francesa na final do Europeu de Futebol, sagrando-se campeã) –, aterrou no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, ainda sem novo álbum editado – adivinha-se que possa sair ainda este ano e presume-se, segundo rumores, que proponha uma sonoridade mais inclinada na direcção do rock. Isto tudo derivado de um tweet de Bill Werde, no início do ano, que sugeriu que o próximo álbum do génio de Compton procuraria esse tipo de aproximação. Contudo, e mesmo sem álbum novo para mostrar (ainda), Kendrick Lamar serviu novamente um concerto para mais tarde recordar, recheado de momentos altos – de good kid, m.A.A.d city a To Pimp a Butterfly, sem esquecer, claro, DAMN. – acompanhado por um verdadeiro arsenal de músicos, que se dividiu entre bateria, baixo, guitarra, coros e portentosos naipes de metais e cordas, como forma de replicar o lado jazz do seu penúltimo álbum, mas também garantir a força da sua mais recente investida discográfica. À retaguarda, um poderoso ecrã de leds tratou de nos narrar a história deste Kung Fu Kenny, servindo também de base a canções como “Bitch Don’t Kill My Vibe”, “Backseat Freestyle”, “King Kunta”, “HUMBLE.”, “DNA.”, “All The Stars”, “LOVE.”, The Blacker The Berry” e, a mais celebrada de todas, levando o recinto do NOS Alive ao êxtase total, a incendiária “Alright”, trazendo à memória o trampolim gigantesco em que se transformou a Altice Arena, em 2016. Sensivelmente a meio do concerto, Lamar interpretou uma canção nova que versa sobre George Floyd e toda a actualidade norte-americana, recheada de versos explosivos e com o seu único e transcendental flow. Um momento arrepiante num concerto que ficará para a história.

Não foi assim. Mas podia ter sido. Talvez para o ano.


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