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Ilustração: Riça
Publicado a: 15/01/2020

Do hip hop para qualquer lado: Crónicas de um HipHopcondríaco é da autoria de Manuel Rodrigues.

Crónicas de um HipHopcondríaco #37: Até quando?

Ilustração: Riça
Publicado a: 15/01/2020
Ano novo é quase sempre sinónimo de mudança. São muitos os que aproveitam o zerar dos relógios e a troca de calendário para colocarem em prática os planos há muito pendentes. Janeiro é sempre um mês de dieta e severos regimes alimentares – afinal, está na iminência a chegada de mais um Verão, não dá para facilitar. Trocam-se os alimentos ricos em açúcares e hidratos de carbono por fruta e legumes, essa mal-amada secção da sagrada pirâmide da nutrição, autêntico cabo das tormentas para quem prefere passar o ano todo a navegar em óleo de batatas fritas e na gordura de um bife confeccionado na frigideira. Abandonam-se os refrigerantes e as bebidas alcoólicas – essas que marcaram uma inevitável presença na agenda festiva – e abraça-se a água como fonte de vida imprescindível. Assume-se um estilo de vida menos sedentário e mais ligado às caminhadas e às pequenas corridas no parque no final de cada dia de trabalho, o que nos obriga a ir tirar o velhinho fato de treino do armário – momento em que reparamos que há uns quilinhos a mais a combater e que o casamento de um dos nossos melhores amigos está prestes a acontecer, logo, é estritamente necessário colocar o corpo dentro de um fato sem que o resultado final se assemelhe a um enchido de Lamego. Os mais alarmistas apressam a suas inscrições no ginásio – Janeiro é, por isso, o mês em que as matrículas em tais complexos de saúde e bem-estar aumenta exponencialmente. Os mais ponderados e poupadinhos compram uma passadeira de fitness para montar no quarto – Janeiro é, por isso, um bom mês para as superfícies comerciais investirem em material de ginásio. A mudança é sempre boa, seja qual for a área aplicada ou o estímulo que a desencadeie. Ainda que ela se mantenha apenas por uma década, um ano ou um mês. Não haverá nada pior do que a estagnação eterna de um ser fechado numa estanque redoma sem que o exterior possa interagir com ele. Não haverá nada pior do que uma mente que se recusa a uma auto-avaliação constante e procura de novos gostos, ideais ou comportamento. O argumento “sempre fui assim e serei sempre assim” é do pior que pode existir. E atenção que a mudança não tem que ser necessariamente e exclusivamente para melhor, há certas escolhas que se fazem na vida das quais nos arrependemos e outras que, felizmente, se tornam reversíveis.  Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre o Mesmo), sugeria Gabriel o Pensador no seu quinto álbum, lançado em 2001. Não podia estar mais certo nesta reflexão. Por mais que queiramos que as nossas bases se mantenham inalteráveis (princípios, alicerces de personalidade, livro de conduta), há sempre um processo evolutivo inerente aos patamares cognitivos do indivíduo. Dependerá do código genético, das interacções do meio e mesmo de um constante processo de auto-crítica. Isso reflecte-se muitas vezes ao nível dos ideais políticos. Hoje pensamos mais à esquerda, amanhã mais à direita, no dia a seguir mais ao centro. Depois, há aqueles dias em que mandamos tudo à fava e dobramos o papel de voto em quatro sem colocar a cruzinha em nenhum candidato. Na alimentação, igual. Enquanto pequenos comemos carne, odiamos peixe e torcemos o nariz ao queijo. Em idade adulta a ordem de preferências muda consoante as nossas experiências. E na música? O contexto é o mesmo. Eu, por exemplo, tive uma fase em que consumi hip hop desenfreadamente, outra em que mergulhei a fundo no metal, género que me levou a descobrir bandas que ainda hoje acompanho e outras que me levam a pensar “como fui capaz de ouvir isto?”. Viciei-me em clássica, country, electrónica (techno, house, trance; tantas e tantas festas espalhadas por esse país fora), reggae (cheguei a arrancar de carro para um festival dedicado ao género na Alemanha — episódio que já passou por esta crónica), blues, punk e tantas outras vertentes. Este ano, faço intenções de ir até Abbots Ripton, em Cambridgeshire, Inglaterra, para marcar presença no festival We Out Here, curado pela Brownswood Recordings, do magno Gilles Peterson. É um evento dedicado ao novo jazz e às expressões que vão passando pelo radar da editora britânica, indo ao encontro de um dos géneros a que mais tenho prestado atenção nos últimos meses. Não é uma resolução de ano novo mas podia ser. Representa mais uma etapa na mudança dos meus interesses a nível musical. E como essa tantas outras. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, cantava o mestre José Mário Branco num contexto muito particular, claro. Mas serve para tudo, sobretudo como batuta para regrar a vida.  Despeço-me deste episódio da minha crónica regressando a Gabriel o Pensador e a um excerto de uma das letras que mais homenageia este assunto, retirado de “Até Quando?”: 
“Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente, A gente muda o mundo na mudança da mente, E quando a mente muda a gente anda pra frente, E quando a gente manda ninguém manda na gente, Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura Na mudança de postura a gente fica mais seguro Na mudança do presente a gente molda o futuro”

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